Por um dia de felicidade
*José de Souza Martins*
Publicado em O Estado de S. Paulo
[Caderno Aliás, A Semana Revista],
Domingo, 25 de julho de 2010, p. J5.
Quase 14 mil escolas privadas e públicas do País obtiveram médias acima do equivalente a 5,0 no desempenho de seus alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), de 2009. Apenas algumas dezenas alcançaram nota igual ou superior a 7,0, inferior, porém, a 7,5. Na maioria, escolas privadas e caras. Tidas como o caminho seguro do êxito em exames vestibulares, suas notas estão apenas ligeiramente acima da nota mínima para aprovação em escolas superiores de países desenvolvidos, que é 7,0. Um número imenso de escolas igualmente privadas nem chegou a essa média.
Há nas médias divulgadas indicações para a compreensão dos problemas do nosso ensino médio. A primeira delas é a da problemática tendência de muitas escolas de se reduzirem à pobreza pedagógica de induzir crianças e adolescentes a passarem os melhores anos de suas vidas preparando-se para fazer o vestibular para o ensino superior. Em vez de se devotarem à preparação de seus alunos para a vida e para serem felizes, que é o que dá sentido à educação e à socialização dos imaturos, dedicam-se prioritariamente a prepará-los para um único dia de felicidade, o da divulgação dos resultados dos exames vestibulares. Inseguros quanto ao futuro dos filhos, os pais tornam-se cúmplices dessa deformação. Muitos desses alunos chegarão à universidade, até com as melhores notas de ingresso, mas não saberão nem o que fazer nela nem o que fazer com ela.
Nem se pode dizer que o melancólico êxito nessas médias mais altas expresse a apropriada formação de quem às obtém. Ficou evidente que escolas que preparam seus alunos para a reflexão criativa e para a competência interpretativa, que se mede no desempenho em redação e interpretação de textos, têm menos visibilidade na avaliação oficial. De certo modo, as notas escondem um desencontro entre ensino predominantemente de formação e ensino predominantemente de informação.
Matéria publicada em caderno especial deste jornal, aliás, mostra que as escolas da capital de São Paulo cujos alunos tiveram melhor desempenho são apenas 12% melhores do que as de desempenho menor, enquanto o preço das mensalidades é 254% maior. Os dados do Enem revelam que pagar mais não significa comprar melhor, até porque, em educação, comprar é pura ilusão.
Nem por isso ficam as escolas públicas justificadas no desempenho menor nessa avaliação nacional. Certamente, as escolas caríssimas, porque apresentam desempenho inferior ao que delas se espera, não servem de parâmetro para medir o que deveria ser a escola pública. A escola pública, entre nós, deveria ser o instrumento de uma revolução na educação, que nos trouxesse para os requisitos educacionais da sociedade moderna e seus valores referenciais, como a democracia, a liberdade, o conhecimento amplo e denso, a responsabilidade social de cada um.
Há fatores extra-escolares nos resultados das diferentes escolas. O que nelas se consegue está também relacionado com o modo de vida da família do estudante. Escolas com melhor desempenho têm majoritariamente alunos de alta classe média, cujos pais são usuários dos equipamentos culturais disponíveis nos seus respectivos ambientes. Atividades complementares às da sala de aula, no acesso aos equipamentos culturais externos à escola, como museus, teatros, salas de concertos, excursões investigativas, poderiam dar ao estudante um apoio compensatório até melhor do que obtêm na própria família os alunos melhor situados socialmente. O professor e o aluno de escolas públicas teriam que deixar de ser prisioneiros da sala de aula. Outra verificação recente mostra, ainda, que escolas de bom desempenho estão situadas em municípios menores, onde ainda há uma cultura comunitária, muito mais apreço pelo professor e maior integração entre a família e a escola. O que assegura a boa formação escolar é, pois, também o tradicionalismo de um mundo em que ainda são comunitários, e afetivos, os valores de referência da educação.
* Professor Emérito da Universidade de São Paulo.*
Dentre outros livros, autor de A Sociabilidade do Homem Simples (Contexto, 2008),
Sociologia da Fotografia e da Imagem (Contexto, 2008),
A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008),
O Cativeiro da Terra (Contexto, 2010).
Profa. Dra. Rita Amaral - antropóloga
Os Urbanistas - antropologia urbana
Com saudades e afeto comunitário,
Sílvia
Muito boa a análise sobre o sistema educacional brasileiro. Não somos educados nas escolas para pensar, sermos criativos e felizes. Somos treinados para o vestibular. Pobres educadores e alunos.
ResponderExcluirOi pessoal daqui.
ResponderExcluirAcabei de conhecer vocês, dei uma lida, e gostei muito do conteúdo. TEM CONTEÚDO.
To seguindo aqui.
Grande beijo, até ;)
Bom o texto, eis o grande problema do Brasil: educação, educação e educação. TEmos escolas (públicas e privadas) péssimas, com professores mal remunerados que não são avaliados. E em casa, os pais - por sua própria condição social - não dão aos filhos a devida e necessária atenção. E assim caminhamos.
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