sexta-feira, 9 de março de 2012

A rosa e o louco






 A rosa vermelha amarrada ao pé do louco é uma imagem que não me sai da cabeça, faz tempo. O homem negro, nu, chegou com a pele brilhante, o riso esboçado, completamente alheio à paisagem em sua volta. Todos os olhares convergiram para a sua nudez, e o louco caminhava firme, indiferente ao alvoroço que provocava nas dezenas de pessoas na praia.


Sem ter superado de todo o meu fascínio pela loucura, observei atenta cada passo marcado do homem, que vinha agora quase em minha direção. Uma marcha para a frente, e lá estava ele diante de mim, mirando o mar. Observei no seu tornozelo esquerdo uma rosa vermelha presa com um cordão encardido, sua única indumentária. O homem louco ornava-se antes do caminhar incerto e engendrava delicadezas antes de sair errante, até dar no mar, com deslumbramento de criança.

Sem tirar os olhos do homem, pensei na beleza que tinge suavemente a loucura. No poder da poesia que enrubrece a insanidade sem cor. Refleti sobre as pontes que se fazem entre as águas bravias do inconsciente e a árida lucidez dos que jamais enlouquecem. Entendi que o homem, louco, se cobria com a veste mais íntima do seu delírio; e com sua demência amparava a fragilidade da flor.

Inclinando parcialmente o corpo e levantando a perna esquerda, o louco desatou o nó da corda encardida e deitou com maciez a rosa sobre a areia. Sorrindo para o nada, caminhou em direção ao mar e atirou-se com felicidade às águas que pareciam esperar-lhe. Antes mesmo do primeiro mergulho, dois salva-vidas saltaram sobre o homem, que continuava a sorrir, trazendo-o de volta à areia, agora seguro pelos dois braços.

Já em terra, o homem apanhou o cordão encardido, ajeitou suavemente a rosa vermelha no tornozelo, e saiu andando com um sorriso matreiro na direção da rua.

18 comentários:

  1. Um acontecimento real, Lelena. Postei faz tempo no Roxo. Eu presenciei isso.

    Beijos,

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  2. Tânia!

    Um texto de tirar o fôlego. Há uma intensa luz de beleza no homem louco. Não sei se pela pureza, pela rosa, pelas águas à sua espera, mas sei que tudo é absurdamente belo!

    Parabéns!

    Beijos
    Mirze

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    1. Nunca esqueci as feições dele, o sorriso, a rosa, Mirze...Beijos

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  3. Tania,

    Já se perguntou quantas vezes o louco já nos olhou sem a rosa no tornozelo dando-se conta da nossa loucura? Porque o louco é sempre o outro.
    Uma beleza a transfiguração do real que você nos deu. Parabéns!
    José Carlos

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    1. A loucura sempre foi um tema que me instigou, José Carlos...Sim, loucos sem rosas evidenciam a nossa própria loucura...
      Bjos,

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  4. Um texto interesante e que nos leva a pensar.Em nossos irmãos de rua (um exemplo)se todos nós ao encontrar um ou ele vier ao nosso encontro devemos ter a mesma sensibilidade que vc teve Tania com certeza teriamos um mundo menos injusto,ja fiz esta experiencia, e achando que ia ensinar acabei aprendendo..parabéns pelo texto e obrigado por dividir comigo esta passagem,bjs no teu coração

    GAGAU

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    1. Beijo, Gagau e obrigada pela leitura. Sim, na rua há muitos irmãos nossos, mal os olhamos, quase nunca enxergamos..

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  5. Gostei mesmo muito! Algo real e empolgante ;)

    Bom resto de fim de semana

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    1. A loucura às vezes nos cura! :-) Beijo e obrigada pela leitura (rimou! rs)

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  7. A tua narrativa é tão real, tão bem escrita que ví-me nessa praia
    no mesmo dia que o viste! Não tive nenhuma dúvida quanto a veracidade do acontecido, embora a sociedade em geral "prefira" ver a loucura como ficção, como algo que não faça parte de si mesma.
    PARABÉNS pela beleza e pela tua sensibilidade!!!

    beijosss

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    1. Verdade, Ci, de algum modo ainda existem as naus dos loucos, a gente prefere vê-los longe. Tua leitura é sempre um presente, viu? :-)
      Beijos

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  8. Tânia gostei muito do conto para lembrar que dentro do caos, da loucura - existe sempre um equilíbrio, uma cura.

    beijos

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  9. Aceite uma flor, Tânia.

    ;)





    Um beijo, amiga.

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