sábado, 28 de julho de 2012

Mulher vestida de gaiola


Parece que vives sempre
de uma gaiola envolvida,
isenta, numa gaiola,
de uma gaiola vestida,

de uma gaiola, cortada
em tua exata medida
numa matéria isolante:
gaiola-blusa ou camisa.

E assim como tu resides
nessa gaiola, cingida,
o vasto espaço que sobra
de tua gaiola-ilha

é como outra gaiola
igual que o mar: sem medida
e aberto em todos os lados
(menos no que te limita).

Pois nessa gaiola externa
onde tudo tem cabida,
onde cabe Pernambuco
e o resto da geografia,

três bilhões de humanidade
e até canaviais de usina
sei que se debate um pássaro
que a acha pequena ainda.

Tal gaiola para ele
mais do que gaiola é brida;
como cárcere lhe aperta
sua gaiola infinita

e lhe aperta exatamente
por essa parede mínima
em que sua gaiola-mundo
com a tua faz divisa.

Contra essa curta parede
entre ti e ele contígua,
que te defende e para ele
é de força, se é camisa,

todo o dia se debate
a sua força expansiva
(não de pássaro, de enchente,
de enchente do mar de Olinda).

Por que ele a quem sua gaiola
de outros lados não limita,
deseja invadir o espaço
de nada que tu lhe tiras?

por que deseja assaltar
precisamente a área estrita
da gaiola em que resides,
melhor: de que estás vestida?

João Cabral de Melo
(1920-1999)

3 comentários:

  1. Esse João Cabral...sabia muito bem do que éramos vestidas (os)!?
    Um dos meus poetas preferidos, sempre.

    beijoss

    ResponderExcluir
  2. Contida.
    Medindo as forças para explodir as grades.
    Contando os passos repetidos.

    ResponderExcluir