terça-feira, 31 de julho de 2012

(Dos sonhos III): o céu caiu e uma bailarina desceu



O céu cai e dele desce uma bailarina muito sorridente. Quem ainda guarda os sonhos de menina? Pois que esse foi um sonho da mais tenra infância do qual nunca esqueci. Nunca relatei a ninguém, estou falando dele agora. Lembro exatamente da sensação que me provocou e das transformações que ocorreram em mim a partir disso.

Eu que achava que o céu era o limite. Eu que, angustiada, via beleza no céu azul, mas, ao mesmo tempo, sentia-me asfixiada pelo firmamento. Eu que resistia, intimamente, a acreditar na finitude das coisas, que fazia do “além” a minha filosofia infantil.

Quando o céu caiu, o porte e a beleza da bailarina pouco me disseram. A queda do céu – isso sim – é que foi a grande anunciação. Foi ali que descobri a ilusão dos limites e das fronteiras. Entendi que o caminho seria para sempre duvidar das linhas de demarcação que a vida me impunha. Meu céu caído talvez tenha sido a minha primeira transgressão. Nunca ninguém jamais poderia, então, falar-me de fim, finitude, muros, paredes, cercas, fronteiras.  Talvez ali eu tenha compreendido que sabia voar.

FÉRIAS!!!

domingo, 29 de julho de 2012

Tão grande

Te vi estacionando o carro.
Vi teus passos largos a caminho do restaurante e o desequilíbrio dos teus pés e vi o sorriso dela em frente a porta, as mãos dela segurando a cabeça entre o espanto e o eu já esperava por isso. Senti o perfume de ambos.
Percebi na tua pele queimada a chama da tua vontade, a força da tua entrega no abraço de menino em corpo de homem.
Tentei chegar mais perto e te dizer eu estou aqui ao teu alcance.
Tentei.
Mas teu riso era tão grande, tão grande,  que não tive escolha a não ser te deixar ir.

sábado, 28 de julho de 2012

Mulher vestida de gaiola


Parece que vives sempre
de uma gaiola envolvida,
isenta, numa gaiola,
de uma gaiola vestida,

de uma gaiola, cortada
em tua exata medida
numa matéria isolante:
gaiola-blusa ou camisa.

E assim como tu resides
nessa gaiola, cingida,
o vasto espaço que sobra
de tua gaiola-ilha

é como outra gaiola
igual que o mar: sem medida
e aberto em todos os lados
(menos no que te limita).

Pois nessa gaiola externa
onde tudo tem cabida,
onde cabe Pernambuco
e o resto da geografia,

três bilhões de humanidade
e até canaviais de usina
sei que se debate um pássaro
que a acha pequena ainda.

Tal gaiola para ele
mais do que gaiola é brida;
como cárcere lhe aperta
sua gaiola infinita

e lhe aperta exatamente
por essa parede mínima
em que sua gaiola-mundo
com a tua faz divisa.

Contra essa curta parede
entre ti e ele contígua,
que te defende e para ele
é de força, se é camisa,

todo o dia se debate
a sua força expansiva
(não de pássaro, de enchente,
de enchente do mar de Olinda).

Por que ele a quem sua gaiola
de outros lados não limita,
deseja invadir o espaço
de nada que tu lhe tiras?

por que deseja assaltar
precisamente a área estrita
da gaiola em que resides,
melhor: de que estás vestida?

João Cabral de Melo
(1920-1999)

Domo




As catedrais seguram as mãos dos visitantes
interrompem a respiração do mundo.
Fechada em seus vitrais
toda catedral submerge e
tange um sino desgovernado
no domo do tempo
afogado.


quinta-feira, 26 de julho de 2012

Keep calm


Keep calm and tome um chimas está escrito lá no meu facebook.
Chimas é o jeito carinhoso de se dizer chimarrão aqui por essas bandas. Dizer bandas também é coisa nossa. Coisa feito eu.
Eu, euzinha, criatura de mínimos e máximos ajustes e enorme sultaque.
Eu digo TE NEN TE com todos os "e"s.
Eu sou uma BÍ PE DE prenda meio que em forma de mulher, meio que de menina.
Às vezes, um tanto de bicho.
Oh, bicho! Os homens estão matando os bichos, dizia um bicho grilo aqui dessa cidade. Bicho grilo aqui é o mesmo que riponga. Será aí também?
Keep calm and take photos também está lá no meu facebook.
No facebook o que mais tem é keep calms.
E esse keep calm and take photos não precisa tradução.
Nem de Instagram, o aplicativo simulador de talento fotográfico.
Precisa  é de um sorriso. Sim, um sorriso e, click, fica feliz o passarinho.
Passarinho feliz não avoa. Passarim contente pousa e mostra o dom, o tango, o blues, o Brasil e o além mar.
Além mar...
Além mar é bonito de dizer.
Muito.
Mas eu sou mais um tipo além ar. 
Deve ser por causa do enuveamento das minhas ideias. 
Enuveamento é um derivado de nuvem recém criado por mim.
Na verdade, nascido aqui e agora nesse instante, destinado a viver e falecer aqui nesse post. Se bem que eu sou dada a ressuscitamentos. 
Nada a ver com reencarnação.
Que depois que eu subir ou descer lá ficarei forever and ever.
Ficarei feito livro na memória de quem lê e ficarei feito livro na estante de quem não lê.
Quem não usa os olhos como pés não vai a lugar algum mesmo que dê a volta ao mundo em 80 dias, viu?
Então, keep calm and read a book.
Eis o melhor dos keeps. O mais eclético.
Ou quase.
Eis o infalível!
Praticamente,  o keep calm and read a book é um keep calm and chame o Batman.
Esse keep salva e  saltita, alimenta, escorre pelo queixo feito laranja, lima e limão.
E pode ser que marque e manche a camisa das boas almas irreversivelmente. E elas tenham de reconhecer a perda do branquinho bandeira de paz.
Mas e daí se não forem alvas feito neve?
E daí se tiver um tantinho de sujeira eterna nos espíritos?
Eu não sou sabão em pó mesmo que, de vez em quando, chacoalhe feito lava roupas.
Não tenho vocação pra Omo, não!
Você tem?

Para que ninguém mais tenha de sacrificar-se

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Morreu


Morreu
quando sonhou
que estava
viva.

Sinais de fumaça


De Mario Benedetti

Quando te encontras no fio do escuro
e lhe prestas honras dos teus ossos
quando a alma pura do ócio
pede socorro ao universo inútil
quando sobe e desces da dor
mostrando cicatrizes de outros tempos
quando na tua vidraça está   outono
inda não te despelas/ tudo é nada/
são sinais de fumaça/ apenas isso

teu olhar de viagem ou de desertos
se torna manancial indecifrável
e o silênio/ teu medo mais valente/
se vai com os golfinhos dessa noite/
ou com os passarinhos da aurora/
de tudo ficam sinais/ pistas/ rastros
marcas/ indícios/ signos/ aparências
mas não te preocupes/ tudo é nada
são sinais de fumaça/ apenas isso

no entanto nessas chaves se condensa
uma velha doçura atormentada
o voo de umas folhas que passaram
a nuvem que é de âmbar ou algodão
o amor que carece de palavras
os barros da lembrança/ a luxúria/
ou seja que os signos pelo ar
são sinais de fumaça/ mas a fumaça
leva consigo um coração de fogo

terça-feira, 24 de julho de 2012

Romance em construção

Quem quiser seguir a construção do meu primeiro romance, em 38 dias, está sendo publicado no blog:

http://furtivaromance.blogspot.com.br



TERÇA-FEIRA, 24 DE JULHO DE 2012


ESBOÇO DO CAPITULO VI GELEIA


ESBOÇO DO CAPÍTULO VI

GELÉIA

Como camareira de hotel, Rosita já havia visto de tudo. Era impressionante como ela se transformava neste trabalho, apesar de maltratar seu corpo com tantas exigências. E certamente não ajudava tanto pelo salário baixo.
Era um trabalho que alimentava uma de suas poucas manias. Quase doentia, sua mania de bisbilhotar as coisas alheias começara desde criança. Lembra de cenas em que  era repreendida pela mãe, quando visitavam amigos e ela ficava muito tempo trancada no banheiro. A mãe não sabia o que ela tanto fazia lá dentro, mas ficava bastante irritada, o que sempre lhe rendia uma surra ao chegar em casa.
Neste hotel, que era o mais luxuoso da cidade e cujo dono era um astro do futebol latino-americano, ela teve uma noção que permitia sofrer em sua pobreza sem tanta dor: não importava a classe social, na intimidade todos eram iguais no sexo e no amor. Perdera a conta dos inúmeros hóspedes cujo quarto ela deixava arrumados, de modo impecável.
[comentar aqui alguns casos e descrições, algumas curiosidades, com quem ela partilhava, medo de ser pega bisbilhotando, técnica para bisbilhotar sem perder a noção do tempo e sem ser descoberta pelos hóspedes.]
Para pra falar desta hóspede estrangeira, que chega sozinha, perde o café da manhã e manda lavar uma calça jeans manchada de café e tem muitos remédios na frasqueira. Sempre procurava usar uma técnica para olhar as coisas, e percebia quando o hóspede era sistemático, organizado, caótica, desligado. O limite para arrumar sem tocar muito nas coisas dos hóspedes era sempre uma ladainha nos ouvidos. Ignácio, o gerente meticuloso e exigente [cuidado com a rima] sempre insistia nisso. Falava em vários processos e problemas ocorridos com camareiras que não sabiam manter-se no limite.
Então, o mais difícil era controlar a curiosidade quando certos tipos de hóspedes não tiravam todas as coisas das malas e frasqueiras. Alguns até pediam que ela arrumasse tudo, a seu modo e isso era seu paraíso. Homens acostumados com mulheres maternais eram seus favoritos.
Esta hóspede facilitou até demais para ela. Na primeira manhã que chegou, perdeu o horário do café da manhã no salão e pagou por um café completo no quarto. Tinha obsessão pelo vermelho. Pela quantidade de roupas e sapatos ficaria um mês mais ou menos. Pelo tipo de roupas não viera a trabalho ou trabalhava em alguma profissão desconhecida para Rosita. O que mais lhe atiçara a curiosidade foi a quantidade de roupas íntimas e sensuais espalhadas no meio das roupas que foram espalhadas, na primeira manhã, logo depois de ter saído, logo depois de ter sido servido o café da manhã que ela mal tocou, o café da manhã que foi a primeira refeição de Rosita. Nesta manhã, o que ela encontrou foi insólito: todas as roupas, todo o dinheiro, todos os remédios, maquiagem, sapatos, livros, canetas, lápis, tudo que havia nas malas e na frasqueira, estava jogado no chão e nas duas camas de casal. Neste dia, Rosita teve de ligar para Ignácio antes de começar a arrumar. Explicou a situação porque não sabia por onde começar. E havia o aviso pedindo que o quarto fosse limpo. Ignácio também ficou sem saber o que responder. Sugeriu que ela apenas forrasse as camas e colocasse tudo nos lugares. Eles olhavam, perplexos, aquele caos. Era preciso limpar. Ignacio assumiu o que poderia ser um problema, pois observara que a hóspede estava bastante perturbada quando perguntou onde ficava o Mercado Municipal e também onde poderia comprar luvas vermelhas. Deixou Rosita com aqueles dois presentes. O café farto e a imensa quantidade de coisas que ela iria poder não só colocar no lugar mas também cheirar, sentir a textura, ser atacada no seu ponto fraco: a inveja de que existissem mulheres com tantos sapatos.
[melhorar a descrição de Rosita. Talvez descrever uma situação em que ela compartilha com alguém do hotel o que sabe sobre os hóspedes. Talvez haja uma intriga entre a recepcionista e o gerente e algum deles se beneficiará das informações que ela vai entregar, mas não de forma interesseira.  

À noite o giro cego








À noite o giro cego das estrelas,

errante arquitetura do vazio,

desperta no meu sonho a dor distante

de um mundo todo negro e todo frio.

Em vão levanto a mão, e o pesadelo de um cosmo

conspirando contra a vida me desterra no meio

de um deserto onde trancaram a porta de saída.

Em surdina se lançam para o abismo

nuvens inúteis, ondas bailarinas, relâmpagos,

promessas e presságios,

sopro vácuo da voz frente à neblina.

E em meio a nós escorre sorrateira

a canção da matéria e da ruína.



Dante Milano, (1899-1991)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Correio do tempo


Do uruguaio Mário Benedetti

No correio do tempo se acumulam
a paixão desolada/ o gozo trêmulo
e lá fica esperando o destino
a paz involuntária da infância/
há um enigma no correio do tempo
uma aldrava de queixas e candores
um dossiê de angústia/promissória
com todos os valores declarados

No correio do tempo há alegrias
que ninguém vai exigir/ que ninguém nunca
retirará/ e acabarão murchas
suspirando o sabor da intempérie
e no entanto/ do correio do tempo
sairão logo cartas voadoras
dispostas a fincar-se em algum sonho
onde aguardem os sustos do acaso

sábado, 21 de julho de 2012

Manhã


.    .  .  .  Rogerio Luz.*

I
O mar, o mar no sempre repetido
desejo de chegar para envolver
o corpo litoral em leito infindo.

II
Variado e hostil
ímpar entre rochedos.
o combate do mar.

Só o mar é divino
o mar pesado e único
o mar visto da proa

o mar, o alto mar.

III
Ainda é silêncio:
bate cabeça o mar
na areia grossa.

És, antes do sol, a pedra
espessa, a vaga
negra.

Pátios e terraços –
ilusões da aparência
esparsas.

Canto de pássaros
terral nos grãos
a luz aclara.

. .  .  .  .  .  .  . .  .  .  .  .  .  .  .  .  .   .  .  .  .   .    . . .. . . .. .  .   *.rogerioluz.wordpress.com

quarta-feira, 18 de julho de 2012

BEMBÉ DO MERCADO: A hora do registro

São várias as assertivas que apontam o Bembé do Mercado, festa centenária que acontece todos os anos a 13 de maio, em Santo Amaro da Purificação, como Patrimônio Imaterial da Bahia. Tramita, no Conselho Estadual de Cultura do nosso Estado, o Dossiê de Registro que deverá ser analisado e julgado procedente, já que o mesmo partiu de uma criteriosa pesquisa de campo sobre a festa, sob o comando de pesquisadores de várias áreas escolhidos pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, mais conhecido como Ipac.
A comunidade santo-amarense, principalmente o povo-de-santo, espera com avidez a patrimonialização desta celebração que acontece há mais de 100 anos, e é alusiva aos festejos dos ex-escravos da comarca de Santo Amaro, pelo controverso, mas importante, 13 de maio de 1888, data que oficializou o fim da escravidão dos negros em terras brasileiras.
A festa começada desde 1889, sempre reuniu, primordialmente, os negros ligados às religiões de matrizes africanas. A palavra bembé é uma visível corruptela do termo quiconco candomblé, e passou a designar os festejos religiosos nesse dia 13, onde se tocava (e se toca para orixás, inquices, voduns) em agradecimento pela liberdade (ainda que parcial) alcançada. É uma festa do povo negro daquela cidade que desbravou anos mantendo viva uma memória religiosa, social e cultural que já poderia ter sido completamente esquecida.
Hoje, felizmente, muitos olhares se voltaram para o Bembé do Mercado, muitos com o intuito de fortalecer o caráter turístico da celebração; outros, preocupados com nossa história e preservação sócio antropológica de expressões que nos traduzem coletivamente,como é o caso da historiadora Ana Rita Araújo Machado, que fez até então a mais importante pesquisa academica sobre este evento santo-amarense. Temos artistas que emprestam sua grandeza à visibilidade do Bembé, o maior é Caetano Veloso que fez a canção 13 de maio, que entende a festa como uma homenagem inicial à princesa Izabel.
Mas, mais importantes que todos, são os religiosos, membros de muitos terreiros e de várias nações de candomblé, que lutam para organizar a festa, tocar para os orixás e culminar com o concorrido Presente a Iemanjá, Rainha de todas as águas, pedindo proteção e continuidade da vida e destas celebrações.
Registrar o Bembé do Mercado como Patrimônio Intangível da Bahia ( e do Brasil) é valorizar os feitos do nosso povo, o que foi erguido pela base civilizatória nossa e ajudar, do ponto de vista das políticas públicas culturais, a manutenção de um evento que versa sobre a beleza negra e religiosa dessa gente do aluá, da maniçoba, do foguete no ar, como poetiza Caetano Veloso.

Marlon Marcos
Jornalista e antropólogo

terça-feira, 17 de julho de 2012

pedaço de boca

Esforço para apagar a palavra atravessada na carne feito navalha, horizonte sangüíneo quase mudo, pedaço de boca refletido na memória e cuspido a perder de vista pelas escolhas tramadas em vãos.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sem Horas e Sem Dores;


. . . . . . . . 

Raíssa Medeiros    . . . .

....... . . . . . . . . .   . . .

Em dias perfeitos, sinto a paz do nosso isolamento entre a TV e a desordem. O amor, na essência,  faz o dia passar em segundos cruéis. Falta gravidade por todos os lados. Carinhos sobram pra transbordar sobre lençóis azuis e embalagens das nossas coisas doces e salgadas. Tudo de nós é verdade pura, é o que eu sempre quis. Já estou satisfeita com o universo inteiro e dois gatos. Aprendi que planos são feitos de sonhos e espertezas, mas com amor se promovem a destino. Sei tudo agora. Amor é aquilo que acontece perto do estômago, o que balança dos pés às orelhas. E não dói, não assusta. Sei, mas não consigo explicar metade das minhas explosões que acontecem enquanto observo detalhes teus. Sei, porque descubro mais de mim quando conheço uma novidade tua. E todos os medos são pesadelos que já passam. Todos os sentidos, sentidos como devem ser. É aquilo que acontece uma vez a cada vida. Acordo para sorrir. Para ser. Sou do nosso amor. Sou dos teus braços, inteira, como nunca fui minha.

Deixo o mundo dormir sem saber do tamanho da minha felicidade. Quero amar longe do caos. Deliciando a sanidade pura que nasceu de nós.
. . 
 . .

Palavras preciosas de Eduardo Galeano



A escutar atentamente, palavra por palavra. [via sem-se-ver]

domingo, 15 de julho de 2012

Hora de cantar





. . . . . .. . . .. ... ... .Dalton Trevisan

Com a morfina seu João esmorece, aliviado.
– Agora está melhor. Chegando o fim.
À sombra da laranjeira trina o canarinho. A velha espia da porta, sem coragem de entrar. Ele geme.
– Puxa, como dói.
Num longo suspiro:
– Agora me vire. Bem deva...
No meio da palavra, se foi. A velha pára o relógio da sala – cinco e dez em ponto. Pintassilgo, canário, sabiá começam a cantar. Bem o velho tinha razão:
           – Quando está pra chover eles fazem música.
  
Obs.: O título foi acrescentado por mim.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

MIRA, para Sandro Ornellas


Eu fotografei a mala
Na volta da viagem impossível
fiz o inventário do que me pesava e
atravancava os passos e o caminho.

Eu fotografei a sala
não porque rima
mas porque foi neste cômodo
que olhei 
peça por peça
cada pérola 
do meu tesouro.

Eu fotografei a vala
a rima aqui é necessária
pois é o fim 
de quem transpõe a sala
cheia de malas
e seus piratas.


Eu fotografei a falha
o viés, a fruta podre, a sopa rala.
Pesei, ponto por ponto, 
a minha fala
e ouvindo,
de todos os sinos,
um chamado,
mirei exata a curva ladra.

Eu fotografei a data,
e fiz ensaios,
valsa emendada,
a dança torta,
a velha estaca,
o grito rendado 
furos no espaço.

Eu fotografei a bala,
seu movimento,
função datada,
a sua cor, seu peso e fardo,
cada centímetro do 
seu tamanho, ofício e prazo.
Até o momento
em que a bala
correu tão solta
e me fez:
nada.

quinta-feira, 12 de julho de 2012



Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês.Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão.Eles não têm pouso nem porto; alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem.E olhas, então, essas tuas mãos vazias,no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti...
Mário Quintana

terça-feira, 10 de julho de 2012

«Milágrimas» na voz divina de Ná Ozzetti



Mil lágrimas, por vezes, não são suficientes. Adoro esta cantora.

(Mais Ná Ozzetti aqui.)

Na ortografia da solidão



Na ortografia da solidão
escrevo
meu evangelho de letras simples
e sirvo a verdade
no meu esmigalhado
corpo
de vinho.

Que é das palavras?



Que é das palavras? Como chamar
por quem as esconde se, sem elas,
nem o silêncio tem nome?

Poema de Maria do Rosário Pedreira.

domingo, 8 de julho de 2012

Lelena Terra


(imagem by Amanda Cass)

(À Lelena Terra Camargo, com todo o meu carinho)





ela é pernas, vertigem e tanto sonho
nuvem, abraço e coragem
tanta costura em seu avesso
tanto passo, tanto traço
ela é sorriso, prosa, laço
de corda, de afeto, de fita

só sei que é tão bonita
tão bonita...




[Andrea de Godoy Neto]

quinta-feira, 5 de julho de 2012




PARA FRIDA

Crio cabelos no quintal
para ter as tranças que foram suas.

O tear dentro do quarto,
para fazer tua cama e teus vestidos,
pede linhas de sol e fios de lua.

Crio cabelos no quintal,
para enfeitar as cabeças que são suas.

O fogo dentro da cozinha
prepara pães e sopas quentes
para convidarmos
todo aquele que volta
de uma guerra,
qualquer guerra,
e pede abrigo.


Crio cabelos no quintal,
para ter as perguntas que são suas.


Os tapetes espalhados pela casa
para que nossos convidados
possam voar.


Crio cabelos no quintal,
para que não sejamos encontradas
boiando entre relvas e rios.


Seremos nós duas,
sempre,
meninas e eternas.