quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Poema de Mario Cesariny

(Mario Cesariny - O surrealismo - 1959)
 
O guarda-fatos do mar entreaberto para a noite
pergunta-me se amo

e é toda uma paisagem de arcos flamejantes
deslocando-se a oeste
um castelo perdido entre duas visões
o cavaleiro descendo a falésia
depois de tantos amos tantas fábricas tantos
arquitectos do amor fitando o espaço

No alto das arquibancadas o rapaz
que lindo
encarna a vitoriosa lividez do dia

A mim porém o que me apetece é dançar

Dar um salto comigo
de forma a que não me evole feito fumo
nem resvale às profundas feito nada

Isso
o reino de Pràtazul
a linha de água
que suporta e separa e contém os dois mundos
e ondula
 


[Mário Cesariny, A Cidade Queimada]

Um poema de Marcantonio


CONTEXTO

Confesso-te que falar das nuvens
Reais
É só o pretexto de aludir àquelas
Virtuais
Que passam pelos teus olhos.
Ah, o tempo muda!
E esses cúmulos nimbos me comovem,
Teu céu se fecha e tuas dores humanas
Chovem.

Mas também falar da tua chuva súbita
É outro artifício:
Quero dizer da possível fecundidade
Que se seguirá à pluviosidade
Do teu sacrifício.
Ah, cessa a precipitação e teu olhos
Ficam claros:
Os córregos sinuosos reverdecem
Um solo cansado e deste surge broto
Raro.

É evidente que este broto será flor
Persuasiva,
Surgida na intenção de engendrar
Metáfora viva.
Ah, essa flor fenecerá
Como todas as rosas surpreendentes
Da vida.
Mas são também dádivas estranhas
De que é possível se impregnar.
Não tomes esta flor metafórica
Por decorativa,
Urge despetalá-la, esmagá-la nas palmas
Abrasivas,
Pois não era da flor que eu quisera falar,
Mas do odor que ela deixa nas tuas mãos
Queridas.


(Marcantonio)

O autógrafo



Calma ao copiar estes versos

antigos: a mão já não treme

nem se inquieta; não é mais a asa

no voo interrogante do poema.


A mão já não devora

tanto papel; nem se refreia

na letra miúda e desenhada

com que canaliza sua explosão.


O tempo do poema não há mais;

há seu espaço, esta pedra

indestrutível, imóvel, mesmo:

e ao alcance da memória

até o desespero, o tédio.


João Cabral de Melo Neto

terça-feira, 30 de agosto de 2011

SETE ASAS

Foi Lilith
Quem me fez
Rasgar o véu
E me cravou  na pele
A insígnia da noite.

Foi ela
Quem me abriu os olhos
Para a poesia escura
Do sangue com a terra
Dos rugidos ecoantes das feras
Sob o domínio noturno
Das fêmeas.

Foi Lilith
Quem abriu a fenda no útero
E dela fez boca.

Só ela, a Lua Escura,
Pôde me fazer entender
Que duas asas são sonhos masculinos
Porque mulheres rememoram
As sete asas com as quais
Percorreram a escuridão
Onde estabeleceram seu reino.

Em aberto

Tenho saudades tuas. Ou nossas. Ou do que escrevemos por entre risos e pedaços de dias. Tenho saudades minhas, nesse tempo...em que vagarosamente, deixava que existisses porque sim, e crescias, a um ritmo silencioso, como o meu cabelo nos meses frios de Inverno. Soube, pela Primavera que o cabelo estava tão grande e tu, meu amor, me eras ainda maior...e depois, esqueci-me de vos deixar soltos, a bailarem-me pelas costas.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Primaveras

Quando eu era menino, setembro era anunciado ao som de tambores e marchas, que para mim significavam que a primavera não tardaria a chegar, que o Sol apareceria mais cedo, e que os campos estariam verdes e floridos, a espera de quem soubesse apreciar. A sensação que a primavera me causava era extraordinária. Hoje, talvez por já me encontrar perto do meu outono pessoal, não tenho mais essa impressão. Tudo ficou confuso e as estações da minha vida não respeitam mais o calendário de um único hemisfério, muito menos possuem algum significado. Mesmo assim, quando vai entrar setembro, lembro daquelas primaveras, e uma doce saudade me invade.

Fernando Pessoa

"Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente!
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-as.
Se perder um amor, não se perca!...
Se o achar, segure-o!
Circunde-se de rosas e ame...
O mais é nada".

domingo, 28 de agosto de 2011

andiroba, copaíba, jequitibá...

Noites insones

Embora o calor do verão me sufoque, são nas noites de inverno que eu fico pior, a lutar contra a dor, o frio e a insônia que chegam quando sou despertado pela memória do olhar que se cerrou.

sábado, 27 de agosto de 2011

Direto dos Discos de Vinil - Pô, Amar é Importante




Mais um hit alternativo (da época da Lira Paulistana)  do início dos anos 80 -- Arrigo Barnabé e Tetê Espíndola.



Tetê Espíndola e sua voz super soprano.

O Mago Arrigo Barnabé.

Direto dos Discos de Vinil - Itamar Assumpção - Fico Louco



Pena que Itamar Assumpção nos deixou tão cedo. Ele tinha muito ritmo, personalidade e talento. Na década de 80 assisti um show dele -- fantástico -- na Reitoria da UFRGS.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Da arte das nuvens alcançáveis IV



              Pingam memórias das   nuvens salgadas na caligrafia de tantas palavras tentando expressar no  voo do afeto o som primeiro e som final de uma cabeça esvaída em chuvas.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Olhares

Eu não sei se são os meus olhos

ou se são os olhos da câmera

que me vêem no espelho.

Eu não sei se esta é a minha cara

vista pela cara do espelho

ou se é outra cara do espelho

vista por outra cara que há em mim.

.

Eu sei é que vejo (ainda)

que a câmera parece ver

o que o espelho diz que vê:

um palhaço a rir de mim

ou, quem sabe, uma caveira

a rir da vida invisível

que vive e morre em cada olhar.


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

De você. É disso que estou falando

Sobre o que mesmo eu estou falando? Para quem?

Falo sobre mim, isso é óbvio, mas o que eu falo também está em tudo, em todos: No cigano, no índio, no negro, no japonês... no engenheiro, médico, ator, dançarino, professor, jornalista, produtor.... está no analfabeto e no letrado... está na cultura, na arquitetura, turismo, economia, educação... Está na criança, adulto, jovem, velho...

O que eu falo é simples de entender, mas se você não sente apertar ou não conhece alguém que tenha o calo, é comum  achar que não é com você o que eu falo. Mas eu também falo de você.

Porque acessibilidade não é exclusividade de deficiente e hoje me permitirei sair das nomenclaturas exigidas, do politicamente correto “pessoa com deficência”, porque quando eu não vivia sob as regras e normas da tal “inclusão” eu era muito mais incluído. Eu nem sabia que isso existia porque eu simplesmente vivia e estava em todos os espaços sem me sentir invasor de um território que agora me fazem pensar que não era meu.
Talvez as nomenclaturas tenham afastado as pessoas do real sentido do que significam. Acessibilidade. Palavra difícil de compreender e de familiarizar, chegar perto. Simplesmente é permitir que todas as pessoas tenham acesso a bens e produtos igualmente.

Ontem participei do Fórum de Políticas Culturais, na Sala do Coro do TCA, com a presença de Sérgio Mamberti – Secretário de Políticas Culturais do MINC e Américo Córdula - Diretoria de Estudos e Monitoramento de Políticas Culturais que falaram sobre o Plano Nacional de Cultura. Nesta ocasião entreguei a Carta Repúdio ao Prêmio Arte e Cultura Inclusiva 2011 – Edição Albertina Brasil – “Nada Sobre Nós Sem Nós”.

Quando tive oportunidade repeti tudo que já falei aqui sobre o absurdo do Edital, os equívocos, o desrespeito a determinados pontos que já haviam sido discutidos na Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de Pessoas com Deficiência, realizada no Rio de Janeiro entre os dias 16 e 18 de outubro de 2008, documento que serve de base para o referido Edital. Américo disse que já tinha conhecimento da Carta, afirmou que o Edital havia começado quando ele estava à frente da Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura que agora está com Marta Pavese Porto, mas havia sido deslocado e não tomou mais conhecimento do que havia acontecido. Tanto ele quanto Sérgio Mamberti demonstraram concordar com nossa queixa, mas também percebemos que dali não sairia muita coisa. Américo, inclusive, disse que eles já tinham conhecimento da Carta Repúdio e que esta já havia chegado ao seu email.

Por um lado fico satisfeito que em tão pouco tempo nossa mobilização já tenha chegado aonde ela deveria chegar. O MINC já tem conhecimento que estamos atentos e que não aceitamos mais as migalhas que o discurso da inclusão teima em dizer que é caviar. Não podemos mais aceitar que um evento como o de ontem, por exemplo, não tenha preocupação com a Acessibilidade Plena, como está definido em LEI e que o MINC patrocina e promove eventos e projetos sem esta preocupação. Tentaram justificar o valor alto para se fazer acessibilidade, entendemos e sabemos disso, mas é esta a questão principal que jogamos ao Governo. O que eles estão fazendo para promover esta acessibilidade?

Não podemos admitir que os segmentos sociais não se mobilizem também a favor desta causa que é, sim, da conta de todos.  Os movimentos Negro, LGBTS, Indígena, Cigano, Cultura Popular e todos os demais, tem que assumir também esta responsabilidade, porque deficiência não é etnia, não é segmento. Deficiência é condição física e assim sendo, está ligada a todas as pessoas. Afinal para ser pessoa você tem que ter físico, corpo.
Nosso abaixo-assinado continua online e eu peço mais uma vez que todos assinem, tenham consciência de sua responsabilidade nesta causa e saiba que isso faz parte de sua vida. Infelizmente não tivemos até agora a adesão desejada. Mas ainda temos esperança e faremos barulho até que todos saibam e entendam o que dizemos.

Mais uma vez o link para assinatura da Carta Repúdio ao Prêmio Arte e Cultura Inclusiva 2011 – Edição Albertina Brasil – “Nada Sobre Nós Sem Nós”

http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N13330

Da arte das nuvens alcançáveis III



                  De repente, sente na mão o peso do ar que amadurece. Sente o roçar da navalha que o semeia dentro das nuvens ainda sem água. De repente, vê o céu abrindo-se em asas, voando sobre a imensidão do próprio azul e à procura de um lar e de uma casa. 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Lentes


 

 Não nasci de óculos - nem de lentes. De manhã cedo, após ler o jornal, me debruço sobre a pia. Enquadro o olho esquerdo no espelho. Esse é barbada, na primeira oportunidade a lente se adere. Com a do lado  direito é outra história, sempre é assim,  diversas as tentativas. Sempre me pergunto, o que passa com meu olho direito?
 
Aos 25  passei a não enxergar mais as legendas no cinema, o nome da linha do lotação, o número do ônibus. O Doutor me prescreveu óculos. Juro que não fiquei tão chateado. Comecei a usar, mas sempre achei muito estranho. Tentei as lentes -  não me adaptei com as primeiras, mas quando desembarcaram as descartáveis - tudo mudou. Eu as uso direto, coloco -- com alguns percalços -- de manhã cedo e só retiro tarde da noite. Nunca durmo com elas, é que nem dormir de sapato.

Meu ideal seria escrever...



Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse - "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria - "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má avontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse - e tão facilmente de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse - "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!". E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês em Chicago - mas que em todos as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouví uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouví-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina."

E quando todos me perguntassem - "mas de onde é que você tirou essa história?" - eu responderia que ela não é minha, que eu a ouví por acaso na rua, de um desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouví um sujeito contar uma história..."

E esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza dauela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.

Crônica de Rubem Braga, Cachoeiro do Itapemirim(ES) - 1913-1990

Onde eu possa plantar meus amigos, meus discos (meus bichos), e livros... e nada mais!

Casa Arrumada

Casa arrumada é assim:

Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:

Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca de copo?
Está na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...

Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias.
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela
E reconhecer nela o seu lugar...

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Cora Coralina - Em memória




"A escola nos passa o saber, mas a vida nos dá sabedoria."


*****


"Não tenho medo de envelhecer, tenho medo de ficar velha."


*****


"Jovem é aquele que sabe envelhecer."


*****


"Sou a cigarra cantadeira de um longo estio que se chama vida."


*****


"Meus versos têm cheiro de mato, de bois e de currais."




(1889-1985)

Da série ouvindo no carro

Partituras



         Então, vem a manhã e acontece lá fora um silêncio que não combina com o que descansa no lado de dentro. Um silêncio metade ela, metade ele. Blindado e visível na partitura secreta das palavras não ditas em quatro mãos de fala macia. Mãos de um lembra e não lembra esquecido. Vai e volta de um passeio também precipício, refúgio para o pouso de pássaros capengas e imprecisos.

um jeito doce de (me) dizer a verdade



Perdendo Dentes- Pato Fu, em música de brinquedo

Pouco adiantou
Acender cigarro
Falar palavrão
Perder a razão

Eu quis ser eu mesmo
Eu quis ser alguém
Mas sou como os outros
Que não são ninguém

Acho que eu fico mesmo diferente
Quando eu falo tudo o que penso realmente
Mostro a todo mundo que eu não sei quem sou
Eu uso as palavras de um perdedor

As brigas que ganhei
Nem um troféu
Como lembrança
Pra casa eu levei

As brigas que perdi
Estas sim
Eu nunca esqueci
Eu nunca esqueci

Pouco adiantou
Acender cigarro
Falar palavrão
Perder a razão

Eu quis ser eu mesmo
Eu quis ser alguém
Mas sou como os outros
Que não são ninguém

Acho que eu fico mesmo diferente
Quando eu falo tudo o que penso realmente
Mostro a todo mundo que eu não sei quem sou
Eu uso as palavras de um perdedor

As brigas que ganhei
Nem um troféu
Como lembrança
Pra casa eu levei

As brigas que perdi
Estas sim
Eu nunca esqueci
Eu nunca esqueci

As brigas que ganhei
Nem um troféu
Como lembrança
Pra casa eu levei

As brigas que perdi
Estas sim
Eu nunca esqueci
Eu nunca esqueci

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Livros... livros à mão cheia...







No sábado, dia 20, façamos a diferença. Deixe um livro num ponto de ônibus, praça de alimentação, banco de jardim, balcão de padaria, açougue, farmácia...
Se você apoia esta ideia, compartilhe e divulgue em outras mídias.
Um dia = Um livro.
20 de agosto. Um sábado "a gosto".
Com dedicatória no livro ainda fica mais legal.




Ponto, de vista


Penso que o ensino nas escolas pouco evoluiu desde que concluí o ensino fundamental e médio, e lá se vão... muitos anos. As crianças continuam sendo bombardeadas por conteúdos excessivamente teóricos, com uma profundidade e detalhamento desnecessários, sem conexão com a vida cotidiana, obrigando-as a decorarem um sem número de informações absolutamente inúteis, guardadas na memória volátil, apenas para fazer a prova e tirar uma boa nota ou atingir a média.

Costumo ilustrar essa opinião com uma pergunta que minha filha me fez quando tinha 10 para 11 anos:

- Mamãe, pra que eu preciso saber que a língua do caracol se chama rádula?

Eu não soube responder, vocês saberiam?

Não seria mais interessante se as crianças fossem para a escola e assistissem palestras sobre temas atuais, que as ajudassem a compreender o mundo que as rodeia; se elas fossem preparadas para as relações interpessoais, através do desenvolvimento da solidariedade, empatia, cortesia; se fosse dada mais importância à redação, ao estudo da língua, à origem das palavras, em vez de força-las a decorar regras gramaticais que logo vão ser esquecidas;  se a teoria fosse sempre vinculada a uma aplicação prática do dia-a-dia?

Estou lendo uma prova de Biologia de minha filha, que está cursando o primeiro ano do ensino médio, que pergunta o seguinte:

A teoria celular proposta por Schleiden e Schwann em 1839 afirmava que todas as células vivas têm membrana nuclear e núcleo individualizado. Esta afirmativa é falsa ou verdadeira? Justifique sua resposta.

Tempo para pensar...

Talvez em algum momento do passado eu tenha sabido a resposta, não posso afirmar com certeza. Neste exato momento eu não faço a mínima idéia se a afirmativa está correta ou não. Tenho um palpite, mas não saberia justifica-lo.

Vou transcrever a resposta de minha filha na prova:

“Falsa. As células procariontes das bactérias e cianobactérias não possuem membrana nuclear e seu núcleo é desorganizado, disperso no citoplasma. Além disso as células procariontes possuem poucas organelas.”

E agora? Ela acertou ou errou a reposta? Nada de google...

Sua resposta foi considerada correta e ela ganhou os dois pontos que a questão valia.

Tenho quase certeza que se eu repetir a pergunta hoje (a prova foi aplicada em 22/03/11) ela, provavelmente, não saberá a resposta. E essa pergunta nem é das piores, se formos ver as perguntas de física ...

E aí eu me pergunto, que utilidade tem um ensino dessa forma, que prepara o aluno para responder questões complexas de diversas matérias e entrega para a sociedade jovens que não sabem escrever, não sabem ler, precisam de calculadora para fazer contas simples, excessivamente preocupados com ter em vez de ser, consumistas, que colocam a aparência acima da saúde, que aprendem, momentaneamente, a obter a equação horária dos espaços de um ponto material que inicia o seu movimento (no instante zero) no espaço 20 m de uma trajetória, com velocidade de módulo 5 m/s contrária à orientação da trajetória, e aceleração constante de módulo 4 m/s² a favor da orientação da trajetória, mas não sabem para onde ir?

É claro que a responsabilidade de alguns desses problemas não é exclusiva da escola, mas acho que ela não tem contribuído como poderia para preparar nossas crianças no sentido de torna-las seres humanos comprometidos com o próximo, com o meio ambiente, social e politicamente responsáveis, enfim seres integrais em todos os sentidos.

A maioria das crianças que eu conheço vai à escola porque é obrigada e não pelo prazer de estudar, deve haver alguma coisa errada nessa equação, pois não há nada mais estimulante do que aprender.

Quantas gerações mais serão necessárias para que se perceba que há algo errado com essa forma de educar nossas crianças? O mundo mudou, a informação hoje está disponível através de uma rápida pesquisa na internet, através do celular e outros dispositivos portáteis que armazenam centenas de livros. Para que ficar decorando informações inúteis que estão disponíveis na velocidade de um click? Seria muito mais útil orientar o acesso a essas informações de forma segura, através da indicação de sites confiáveis e ensinando a fazer uma leitura crítica para a produção de textos que não se atenham ao simples “copiar, colar”.

Vejo as escolas gabando-se de que aprovaram tantos alunos no vestibular de medicina, outros tantos em engenharia, direito etc  Gostaria de ve-las divulgando que seus alunos desenvolveram um projeto para ajudar uma comunidade carente, que escreveram um livro  ou lideraram uma campanha contra a violência, contra a corrupção, contra a falta de serviços básicos gratuitos de saúde e educação, que estão preocupados com o bem comum e não apenas com seus próprio bem estar.

Utopia? Ingenuidade? Talvez. Mas ainda espero assistir uma mudança de rumo nessa trajetória cujo movimento, espero, não seja do tipo MCU – Movimento Circular Uniforme  (deu pra perceber que Física não é minha matéria favorita?).


Merreca roubada

Furtei, da lixeira digital do Tuca Zamagna, alguns de seus contos de réis. Ele viu, mas pouco ligou, exceto por me pedir que, caso quisesse postá-los, os atribuísse a autor desconhecido. Portanto, fiquem sabendo: os nanocontos abaixo são de autor desconhecido.
(Quem quiser conhecê-lo deve visitar o Desinformação Seletiva, blog do Tuca et caterva.)


Vantagem
A vantagem do cão que adotei sobre a criança que não quis ter é que ele não viverá o suficiente para me tratar como criança – nem como cão.

Herança
Dorme, meu filho, dorme. Vela-te a penumbra da minha pouca fé nos homens. Quando eu me for, herdarás sozinho toda a miséria do mundo.

Tempo
Quando andares, quando falares, quando te aventurares, quando envelheceres... envilecerás? Vendo-te o tempo que quiseres para responder.

Genealogia
Os gestos descoordenados de meu bebê embaralham-se com o Parkinson de meu pai, para traçar, com incrível clareza, minha descendência da minhoca.

Dotes
O assunto predileto de minha mulher, em qualquer roda, é o baita pau de nosso filho. Não condiz eu também me gabar do xerecão de nossa filha?

Não
O livro que não escrevi poupou a árvore que não plantei para o futuro do filho que não tive.

O homem do violão azul



Homem curvado sobre violão,

Como se fosse foice. Dia verde.

Disseram: "É azul o teu violão,

Não tocas as coisas tais como são."

E o homem disse: "As coisas tais como são

Se modificam sobre o violão."

E eles disseram: "Toca uma canção

Que esteja além de nós, mas que seja nós,

No violão azul, toca a canção

Das coisas justamente como são."


Não sei fechar um mundo bem redondo.

Ainda que o remende como sei

E chegue quase ao homem que não cantei.

Canto heróis de grandes olhos, barbas

De bronze, mas homem jamais cantei.

Ainda que o remende como sei

E chegue quase ao homem que não cantei.


Mas se cantar só quase ao homem

Não chega às coisas tais como são,

Então que seja só o cantar azul

De um homem que toca violão.


Wallace Stevens, Pensilvânia(EUA) - 1879-1955

Tradução de Paulo Henrique Britto

Imagem: "La tristesse du roi", de Henri Matisse.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

As canções da minha vida (4)


Uma canção que me comove sempre que a escuto. Dizer que Dalton foi a Holiday da folk é redutor, mas não deixa de ser um elogio tremendo. A sua voz imperfeita é um acquired taste -- e eu adquiri-o.

Carta de repúdio a Edital do MINC

Há mais de uma semana recebi com espanto e preocupação a nótícia de que o Ministério da Cultura estava lançando um Edital de Inclusão, o Prêmio Arte e Cultura Inclusiva 2011 – Edição Albertina Brasil – “Nada Sobre Nós Sem Nós”. A princípio parece uma boa iniciativa, mas o que vemos são equívocos que pretedem repetir a exclusão pela inclusão e premiar a deficiência ao invés da qualidade artística, da importãncia da pesquisa ou as iniciativas de respeito. Um dos muitos absurdos é solicitar laudo médico do deficiente. Num edital que pretende contemplar iniciativas de inclusão, teremos que enviar documentação e registro confirmando as ações. É inadmissível e desrespeitoso com os profissionais, terem que se deslocar para conseguirem laudo médico. Entre outras coisas.

Sabemos também o quanto de oportunistas existem em todas as áreas, mas no que se refere a Inclusão este número é enorme e corremos o risco dessas pessoas serem premiadas e receberem o aval do Governo. Os deficientes são as pessoas que menos ganham com esse tipo de iniciativa.

Lembro que acessibilidade não se restringe a quem trabalha com deficiência ou às pessoas que a possuem, mas diz respeito à toda sociedade e é de responsabilidade de todos, sim. Acessibilidade plena e não apenas rampas de mentira e discursos bonitinhos para aliviar a culpa de quem tem.

Por favor, peço que vocês assinem este abaixo-assinado feito por um grupo de respeito e envolvidos neste assunto. Temos pressa em recolher o maior número de assinaturas porque terça-feira haverá, em porto Alegre, um encontro com o pessoal do MINC e poderemos entregar em mãos este documento. Assim, teremos respaldo para reclamar e pedir providências.

Link para assinatura:  http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N13330

Link para ler o Edital: http://www.escolabrasil.org.br/

Divulguem também, por favor.

Fernando Pessoa

A morte chega cedo,

Pois breve é toda vida

O instante é o arremedo

De uma coisa perdida.

O amor foi começado,

O ideal não acabou,

E quem tenha alcançado

Não sabe o que alcançou.

E tudo isto a morte

Risca por não estar certo

No caderno da sorte

Que Deus deixou aberto.

Carta para Josefa, minha avó




Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela
rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos
grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça
toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol
todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete
universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria
cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de
aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte.
Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete
vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia,
nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas
centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto
viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos
de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha.
Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes
dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra
Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de
légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma
bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei
sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de
interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu
riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue,
mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o
mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era
quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, umas
coisas que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um
quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e
chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua
face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos
carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo
que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas
disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se
soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses
compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem
mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras
não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que
me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas
tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa,
para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o
silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a
tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua
adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta
pena de morrer!”.
É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.

José Saramago

terça-feira, 16 de agosto de 2011

As canções da minha vida (2)


Uma cantora perfeita, mesmo -- sobretudo? -- quando já não lhe restava voz.

Coisas do sul do Brasil

Da série escritos dentro de um livro IV






                             Danação de saliva é essa que afoga o meu verbo e transforma em voz o meu sussurro. Danação de língua é essa que suga-me as palavras e não me beija a boca. Danação de boca é essa que ferve-me o corpo e não se derrama sobre mim.

Escrito em 8 de outubro de 2010 dentro do Lavoura Arcaica.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

As canções da minha vida (1)


Uma versão entre muitas possíveis.

Caetaneando

*


me deshabito de pronto
en calles amarillas
camina solo mi cuerpo
y
la luna se oscurece
en el espejo oxidado
me atrapó el patio
me   encerró un pasillo
me ataron la luz
del verano y las
mariposas de marzo,
caí en el pozo
cerrado de estrellas

[implacables sogas de seda]*







Meu espelho

Retrato - Cecília Meilreles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?

Hipócritas. Mil vezes hipócritas!

Sob o título "Hipócritas. Mil vezes hipócritas!", o artigo a seguir é de autoria do juiz Milton Biagioni Furquim, de Minas Gerais. O texto trata da indignação diante do assassinato da juíza Patrícia Acioli e da insatisfação dos magistrados com as condições para o exercício da função.

Hipócritas, mil vezes hipócritas! Precisa que uma juíza seja covarde e barbaramente assassinada para que a sociedade, governo, juristas, imprensa, políticos, Desembargadores, Ministros, Corregedora do CNJ, Presidente do STF, padeiros, açougueiros, etc. fiquem consternados (será?) e lamentem o episódio.
Ora, pois! Até agora só ‘metiam o pau’ nos juízes, críticas de toda ordem carregadas dos piores adjetivos referindo-se aos salários de ‘marajás’, quando se sabe que os promotores ganham mais que os juízes, sem falar nos que insistem para que os juízes sejam equiparados e tratados como meros servidores públicos.

Se não bastassem as críticas acerbas e injustas, ainda temos o CNJ aterrorizando juízes e fazendo cobranças de toda ordem de modo a nos deixar sem tempo para judicar, para podermos sentenciar com qualidade. De quebra ainda temos que reverenciar Presidentes dos Tribunais de Justiças que nada fazem pela classe e só estão preocupados em melhorar seus currículos fazendo o papel de idiotas e bobos da corte se humilhando e curvando perante os outros poderes.
Que moral o presidente do STF e a Corregedora do CNJ têm prá falar em nome dos Juízes? Será que um dia na vida estiveram juízes como nós mortais? Oras bolas, se estão Ministros se devem a três fatores: boa relação com o governo, falar bonito e escrever bem. Deveriam, ao menos um só dia, ter estado juiz mortal como nós e ter dado a ‘cara’ prá bater como nós damos a toda hora. Deveriam ter tido a oportunidade de, na pequena comuna, anular uma eleição, cassar o prefeito, prender polícia, olhar na ‘cara’ do jurisdicionado 24 horas por dia como fazemos. Deveriam, por justiça, sofrer ameaça de toda ordem como nós sofremos, a exemplo da colega assassinada. Na lista dos jurados para morrer tem Desembargador e Ministro? É evidente que não. Por certo é diferente do que ficar em seus suntuosos gabinetes e distante do cidadão carente e ávido pela rápida prestação jurisdicional, e do juiz que teve a coragem de enfrentar a bandidagem.
Ninguém mais do que eles - Desembargadores, Ministros, os Conselheiros fabricados do CNJ, a nos expor perante a sociedade como somos expostos de forma a atrair a ira do cidadão incauto, dos fabricadores de opinião contra a Magistratura. Hoje a sociedade perdeu de vez o respeito que outrora os juízes detinham. Somos vistos com reservas e desconfiança. Como uma classe de privilegiados em detrimento da pobreza do povo.
Os deuses dos Tribunais só sabem cobrar, mas é fácil cobrar quando um dia sequer vivenciaram o dia a dia dos juízes mortais.

É fácil cobrar quando não se está na pele da juíza assassinada. Consternação, indignação, exigir uma rápida investigação, mandar coroa de flores aos familiares da juíza é o ‘prêmio’ que ela ganhou por enfrentar a bandidagem. Você viu um presidente do TJ e um Ministro ser ameaçado de morte? Como pode um Ministro se colocar na pele de um juiz mortal se nunca teve a oportunidade de enfrentar com a 'cara' e a coragem todo tipo de pressão e ameaça?
Concordo em gênero, número e grau com os que propalam e defendem, em especial a imprensa, o Senador Suplicy e tantos outros desavisados e maldosos, a tese de que nós juízes devemos ser tratados como meros servidores públicos, sem qualquer diferenciação. Quero uma audiência com o Senador para hipotecar-lhe o meu apoio para acabar com as férias dos juízes e dispensar a nós juízes o mesmo status e regime dos servidores públicos.
Concordo porque se assim formos reconhecidos e tratados, então devemos começar o nosso trabalho às 8 horas da manhã, com uma hora de almoço, e terminar o expediente às 17 horas, exatamente como fazem os gloriosos e abnegados servidores públicos.

Assim, nesse ínterim faremos tão somente o que os servidores públicos fazem e nada mais. Durante o expediente devemos tão só realizar as audiências, no máximo duas, despachar e sentenciar processos e cuidar da parte administrativa e, pronto. Assim seremos verdadeiros servidores públicos sem qualquer diferenciação. Justiça feita. Nada de levar processos prá casa; nada de tirar férias para dar ‘cabo’ nos processos. Os servidores públicos não levam os serviços para a casa, e assim como todo servidor público poderemos nos dedicar às boas coisas da vida, como por exemplo, dar mais atenção aos familiares, cuidar melhor da saúde, dedicar ao lazer, jogar conversa fora com os amigos no final da tarde, nos finais de semanas e feriados.
E a prestação jurisdicional como ficará então? Oras bolas, como diria o bom e produtivo servidor público, que se dane o cidadão, a imprensa, o Senador. Que esperem e aguardem o momento oportuno de ser analisado o seu pleito. Se vai levar tempo para dar uma resposta ao pleito do cidadão – uma liminar, uma revogação da prisão preventiva, uma tutela antecipada e tantas outras medidas de caráter urgente, o problema não será nosso (juízes, agora servidores públicos), mas sim do próprio cidadão, da imprensa e do Senador que insiste em nos ver e tratar como um servidor qualquer.
Hipócritas, mil vezes hipócritas! Negam-nos um salário condigno com a atividade que exercemos, com a monstruosa carga de serviços e de responsabilidades; negam-nos direitos adquiridos que temos; negam-nos segurança; negam-nos a dignidade e o respeito e, então, como querer que o cidadão nos respeite? Aprovam leis sem saber o que estão aprovando dando salvo conduto a bandidagem e ainda querem que os juízes façam milagres? Roubam descaradamente o povo e não admitem uma simples investigação. ‘Uai, pobre de nóis sô’, como dizia minha recém falecida mãe.
Uma simples 'denúncia' inconsequente e lá estamos nós perante a CGJ e o CNJ nos contorcendo para safar-se e olha que não é fácil. Que constrangimento.

Tamanha hipocrisia nunca vi. Eu aconselhei um sobrinho que queria ser padre para que deixasse dessa bobagem porque jamais ele iria chegar a ser papa e, às vésperas de ordenar padre abandonou e hoje faz medicina, mostrou ser um menino inteligente, então eu sempre aconselho meus amigos e estudantes de direito para esquecerem a idéia de querer prestar concurso prá magistratura, e tentem o Ministério Público, ou então a ser Desembargador pelo quinto, ou então Ministro do STJ, STF, ou o melhor de todos, aventurar-se pela política, caso contrário vá plantar abobrinha, criar galinhas.
Hoje não se vê um só juiz que esteja satisfeito com a instituição, com o tratamento que nos é dispensado. Pior, todos, mas sem exceção, estão desmotivados, frustrados, acabrunhados. É certo que ser juiz é um projeto de vida, mas vale a pena hoje bancar esse projeto de vida? Vale a pena você ter que ver os Presidentes dos TJs mendigar e se humilhar perante os dois outros poderes que vivem envoltos com a corrupção para que alguma migalha nos seja dada a fim de melhorar nossos vencimentos, ou então nos pagar o que temos por direito, ou melhorar nossas condições de trabalho e segurança?
Hipócritas. A colega assassinada se tornou mártir ao ser covardemente assassinada. Então pergunto: e nós que ainda estamos vivos nos tornamos o quê? Por certo o vilão dessa história toda por estarmos vivos. Quem sabe, aos olhos da repórter que ironicamente nos criticou, da imprensa, do deputado, do Senador, do açougueiro, do padeiro, do CNJ e dos Ministros, somos corruptos, marajás, vagabundos, servidores públicos privilegiados, enganadores e outros adjetivos desqualificados.  Mil vezes hipócritas!
É muito incômodo e revoltante para os magistrados sérios e competentes que se dedicam á causa da Justiça ter que conviver com tamanho desrespeito e com críticas maldosas. Já foi dito que os juízes não têm armas ao contrário dos outros poderes. Não têm o poder econômico e não têm o costume de ir à mídia. Acrescento que não sabem lidar com a mídia porque não sabem ser demagogos e não conseguem enganar o povo. O Judiciário, entenda, os juízes da inferior instância, é o mais fraco dos poderes e por isso tem que ser resguardado e cuidado com carinho, porque ainda que hajam algumas mazelas, mas ainda é a última trincheira e esperança do padeiro, do açougueiro, do frentista, do repórter. Por certo não é a última esperança do Senador, do Deputado e outros, pois legislam em causa própria.
Precisa o cidadão conscientizar de que se não mais poder recorrer e confiar no juiz de primeira instância, não terá ninguém mais quem lhes atenda e aí, com certeza a sociedade não dormirá tranqüila, porque magistrado medroso não é magistrado é arremedo de juiz.  E por certo a colega assassinada viveu em toda plenitude a grandeza de ser juíza, ao contrário dos nossos Ministros.
Espero, enquanto um mortal juiz, ter o direito de externar minha revolta com esse estado de coisas sem a ameça de ser punido, não pela bandidagem, mas pela minha Instituição.
 

Hipócritas, mil vezes hipócritas!

sábado, 13 de agosto de 2011

Pavão misterioso




Drummondeamar

Amar

Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

LEGADOS DE IANELLI, matéria escrita para o Jornal ZERO HORA, publicada em 13 de agosto de 2011


Contemplar a obra de Arcângelo Ianelli equivale a passear pelos melhores caminhos da arte brasileira guiado por quem sempre ocupará privilegiado assento entre os grandes mestres da pintura e da escultura. Ianelli trilhou uma carreira visivelmente gradativa, construiu uma obra suo tempore, sobretudo coerente e plasmada no profundo conhecimento das cores que soube distribuir sobre telas de rara plasticidade. É, em resumo, um artista digno de ser exposto nos maiores museus do mundo. Estes, muitas vezes, apresentam espaços exíguos, o que os obriga a formar acervos limitados, e de forma geral dispõem de verbas minguadas, que os impedem de adquirir novas obras. Mas estas circunstâncias, considerando Arcângelo Ianelli, não justificam que se refutem obras-primas de artistas de sua densidade. No ano passado, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), do qual Ianelli foi estreito colaborador durante sua vida, e de cujo Conselho participou intensamente, rejeitou 14 das 16 obras deixadas em testamento pelo artista, falecido em 2009. A alegação do MAM foi de que eram redundantes em relação a outras do mesmo Ianelli já existentes no acervo da entidade. À polêmica, amplamente discutida pela imprensa do centro do país, estarrecidos com a decisão do MAM, juntaram-se vozes respeitáveis como as de Ferreira Gullar, Fábio Magalhães e Emanoel Araújo. Também ao MARGS, que não possui nenhum exemplar de sua obra, Ianelli legou 15 expressivos trabalhos, dentre os quais duas primorosas marinhas pintadas a óleo, datadas de 1958, quando o artista encontra o esplendor de sua preciosa fase figurativa. Estes quadros estão catalogados no livro IANELLI – Os Caminhos da Figuração, editado pela FAAP por ocasião de uma retrospectiva do artista, ocorrida no Museu da Arte Brasileira, em 2004. Outra tela doada ao MARGS (óleo nas dimensões 2,00mx2,50m), pertence à fase mais conhecida por Vibrações, na qual o artista coroa sua extensa carreira, esbanjando absoluto domínio da luz e dos efeitos de transparência. As demais obras são sete pastéis sobre papel, quatro gravuras e uma escultura, todas elas igualmente importantes. Trata-se, em poucas palavras, de uma seleção ampla e expressiva da trajetória de Ianelli, capaz de sozinha sustentar uma exposição gloriosa. Entretanto, estas doações, ofertadas há mais de um ano e meio, ainda não participam do acervo do MARGS pela falta de recursos da entidade para o pagamento de um imposto de transmissão de valor pouco inferior a R$ 8.000,00. Este caso, paradoxal por sua natureza, suscita uma reflexão sobre o descaso dos governos para com a Cultura em geral. Num Estado como o nosso, em que o orçamento destinado à área mal alcança meio por cento do geral, torna-se difícil chancelar a seriedade da gestão pública que não valoriza uma generosa doação de bens avaliados em torno de meio milhão de reais e que não é acolhida por ser indisponível irrisória cifra para o pagamento de uma simples taxa. O fato reproduz um pouco a história da administração pública do Brasil, onde é comum acontecer que se percam projetos e oportunidades por “decorrência de prazo”, isto é, um eufemismo para exprimir inépcia. As obras de Ianelli foram indiscutivelmente aceitas pelo núcleo de acervo do MARGS, ao contrário do que se passou no MAM de São Paulo. Mas remanesce, fruto de uma política equivocada do governo em relação à história de um museu com mais de meio século de existência, uma pendência tão prosaica quanto inaceitável. Alguma solução poderia vir da Associação de Amigos do MARGS, suporte financeiro do museu, entidade que há alguns anos, através de um organizado trabalho junto a mecenatos, logrou adquirir um pequeno acervo em número de peças, mas rico em conteúdo, no qual pontificava uma estupenda tela de Guignard. Cabe à Associação de Amigos procurar recursos para cumprir metas do cotidiano - e ressaltemos que esta não é uma meta do cotidiano, mas uma ação que, a um custo simbólico, pode significar a aquisição da década para o acervo do maior e mais importante museu de arte do Rio Grande do Sul. O risco que corre o MARGS em acabar não recebendo as obras de Ianelli é maior do que se possa imaginar, porquanto a família do artista aguarda o pagamento do imposto de transmissão para o efetivo encerramento do inventário. Até quando poderão os doadores, por interesse próprio ou por imposições legais, manter em aberto este processo ? A decorrer algum prazo retardatário além do admissível, estas obras poderiam ser oferecidas a outros museus nacionais e estrangeiros que as receberiam com festas de foguetório, como o fizeram o MASP, a Pinacoteca e o Museu da Arte Brasileira, todos de São Paulo. Raramente ocorre a oportunidade de um artista do quilate de Arcangelo Ianelli legar grupos de obras a entidades, e menos ainda seus testamenteiros insistirem em levar tal missão ao cabo. Estas considerações terminam por evocar outra, de caráter institucional. Museus no mundo inteiro cobram ingressos para a visitação, muitas vezes estabelecendo diferentes classes de tarifas de acordo com a importância e o número de exposições exibidas. A França, onde os museus nacionais são congregados por uma só entidade, a Réunion des Musées Nationaux, isso é tratado assim na integralidade. No Reino Unido, excepcionalmente, há algumas políticas de gratuidade, mesmo em casas importantes como a Tate Britain. Mas a opção do Estado inglês em subsidiar estas visitas é compatível com a devida contrapartida financeira por ele alcançada aos museus que não cobram ingressos. Aqui, diferentemente, o Estado não se interessa por dotar museus de verbas compatíveis com um funcionamento digno. Não é difícil compreender este tabu da não cobrança. Ele está preso a um antigo conceito de Estado paternalista em que prevalece a noção de que a arte é ainda-e-para-sempre incipiente, e que cobrar ingressos de um público específico significaria uma afronta a toda luia sociedade. Uma grande falácia. No caso da doação Ianelli, por exemplo, o imposto de transmissão já há muito tempo teria sido pago com recursos diretos de ingressos. A cobrança, mesmo que simbólica, e excetuados alguns casos como os de estudantes e idosos, por exemplo, valoriza os museus ao mesmo tempo em que move a economia da cultura: para os museus, mais acervo, mais publicações, melhores condições disponíveis ao usuário e, por consequência, maior visitação; para os artistas, maior reconhecimento de seu fazer; para os marchands, melhores vendas e mais compras aos que produzem arte. É um ciclo saudável e compatível com a realidade de um país como o nosso, cujo governo se jacta de enfrentar crises econômicas com galhardia e incentiva o consumo a rodo. Que consumamos cultura, pois, e que possamos perceber o baixo custo para o enriquecimento da alma. Ars longa, vita brevis.


GRAMADO 2011: Festival virou “Série B” do Cinema Brasileiro



Celso Sabadin, enviado especial a Gramado 

Muito se pergunta: o que está acontecendo com o Festival de Gramado? A maioria dos filmes latinos está sendo exibida em DVD (DVD mesmo, destes iguais aos que a gente tem em casa), os filmes brasileiros pouco ou nada empolgam, e a seleção de curtas está simplesmente desastrosa. Olhando para trás, percebe-se que esta decadência de Gramado não é recente, e hoje, nesta 39ª. edição, o que vemos é o coroamento de um evento que cada vez mais se preocupa com o lado de fora da sala de exibição, com as aparências, e cada vez menos cuida do que será visto na tela. Quanto maior o tapete vermelho, piores os filmes.
Há motivos para isso. Nos últimos, digamos, dez anos, o cinema brasileiro se transformou por completo, enquanto Gramado estacionou na sua empáfia turística e badalativa. Enquanto isso, a produção nacional se multiplicou qualitativa e quantitativamente, e outros festivais vieram com propostas mais sérias. Tiradentes, por exemplo, buscou e encontrou o caminho do cinema independente e do debate de ideias. Paulínia transformou-se num poderoso polo de produção e criou um festival forte, oferecendo inclusive polpudos prêmios em dinheiro. Brasília, a partir deste ano, também busca se reinventar, e parte igualmente para a premiação monetária. Enquanto isso, Gramado continua mais preocupado com as cervejas e os chocolates que seus patrocinadores distribuem no saguão da sala de exibição. É provavelmente o único Festival que tem muito mais público do lado de fora da sala que do lado de dentro. Belas promotoras sorridentes do lado de fora e muito descaso quanto aos filmes, do lado de dentro, fazem de Gramado, cada vez mais, um festival jeca. Na noite de ontem (9/8), duas piadas corriam soltas pela plateia: que o evento iria mudar de nome para “39º Festival de DVD de Gramado”, e se a organização já havia colocado à venda a caixa de DVDs com os filmes latinos desta edição. Piadas de lado, um festival deste porte exibir filmes em DVD é totalmente inaceitável.
Hoje, muitos cineastas brasileiros preferem arriscar um pouco mais alto, e estrear seus filmes em festivais internacionais. Outros, é claro, buscam os prêmios em dinheiros oferecidos por Paulínia e Brasília. Outros preferem eventos mais sérios. O que sobra para Gramado? Pouco. Ganhar o Festival de Gramado não tem mais a força e o peso de décadas passadas, e isto por culpa do próprio evento. Dá para levar a sério um Festival, dito de cinema, que homenageia Xuxa Meneghel com um Kikito especial? Quantas Fernandas Montenegro terão de ser homenageadas para que se apague esta gafe histórica? Dá para levar a sério um Festival que exibe em DVD doméstico os seus filmes competitivos internacionais? Dá para levar a sério um Festival que sequer cuida do conforto dos espectadores, mantendo as mesmas insuportáveis poltronas por décadas? Dá para levar Gramado a sério? A ausência total de grandes nomes do cinema brasileiro em suas mostras competitivas já dá a resposta.
Usando a terminologia esportiva, Gramado hoje se constitui na ”Série B” do Cinema Brasileiro. É sem dúvida um festival que caiu para a segunda divisão, e terá de brigar muito para voltar à Série A. Quem sabe no ano que vem, ao comemorar sua 40ª edição, Gramado consiga se libertar de sua administração que pouco ou nada conhece de cinema e, a partir daí, tentar voltar aos velhos tempos da “Série A”. Torcemos por isso. O cinema brasileiro merece um Festival de Gramado digno e forte, como foi em décadas passadas.

Foto: Edison Vara/Divulgação

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