sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Nicolás Guillén Landrián, Coffea Arábiga (1968)

Coffea Arábiga (1968) from CanalDocumental TV on Vimeo.



Nicolás Guillén Landrián, mais conhecido por Nicolasito, era sobrinho de Nicolás Guillén (1902-1989), o “poeta nacional de Cuba”, que além de ostentar essa alcunha pela reconhecida qualidade de sua obra poética, desempenhou importantes funções políticas ao longo de sua vida, como os cargos de diplomata, de presidente da Unión de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC).

Em sua trajetória de cerca de 10 anos no instituto (de cinema) se destacam vários documentários controversos, como En un Barrio Viejo (1963), Ociel de Toa (1965), Retornar a Baracoa (1966), Cof fea Arábiga (1968), Taller de Línea y 18 (1971), dentre outros filmes não finalizados ou que acabaram sendo exibidos de forma restrita, a públicos específicos ou em curtíssimas temporadas. Nesses documentários é possível notar algumas marcas de seu estilo individual, permeado pela influência do neo-realismo italiano e as vertentes documentais dos anos sessenta: narração carregada de subjetividade; longos silêncios entremeados a seqüências ágeis; pouquíssimos diálogos, entrevistas ou depoimentos; enquadramentos que valorizam closes e o olhar do personagem na direção do espectador; exploração de recursos de montagem (montagem de atrações); uso criativo de trilha sonora, de foto-animação e de recursos gráficos (efeitos com letras e desenhos geométricos em movimento), dentre outros elementos.


Além da questão da inadequação de seus documentários pouco convencionais, contribuiu para a gradual reprovação de Nicolasito como cineasta, pelos dirigentes, seu
comportamento anti-social, como se dizia na época: o jovem negro e robusto, em vez de
dar o exemplo como artista e intelectual revolucionário, cuja conduta deveria ser
irreprovável, bebia, usava drogas e não dispensava boemias. Assim, ao longo da década o cineasta foi acumulando acusações – políticas e morais – até ser considerado mentalmente “perturbado” e ser preso, no final dos anos sessenta, por diversionismo ideológico e outras faltas. Nicolasito ficou algum tempo internado num hospital psiquiátrico em Havana e foi obrigado a trabalhar por dois anos numa granja especial para cidadãos que apresentavam conducta impropia, à semelhança do que ocorria em campos de trabalho denominados Unidades Militares de Ayuda a la Producción (UMAPs)

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Após ter recebido esse “tratamento” para se curar, teve permissão para regressar ao ICAIC, onde foi lhe dada uma segunda chance. Para provar que estava reabilitado, foi incumbido de fazer Coff ea Arábiga (1968) para o Departamento de Documentários Científicos Populares. Acreditamos que essa concessão obtida pela direção do ICAIC não haveria existido se não se tratasse de uma pessoa com o parentesco importante como o dele, pois era pouco comum intelectuais ou artistas que haviam “caído em desgraça”, ao terem sua imagem e sua conduta questionadas dessa maneira, serem readmitidos em suas antigas funções.



Ainda assim o documentário de Nicolasito foi rodado e aparentava ser “politicamente
correto” em sua concepção. Porém, logo nos primeiros momentos, a narração fragmentada, sua trilha sonora incomum e as rápidas intervenções em forma de animação gráfica, como um contradicurso à imagem, denunciavam a presença de uma forte dose de irreverência e ironia na abordagem pretensamente “científica”. Vale dizer que o filme é hoje considerado um dos mais insólitos feitos na Ilha, apresentando uma estética bastante original.

Mais do que tratar de “café”, das técnicas e etapas de seu cultivo, Nicolasito abordava a
sociedade cubana, o papel ininterrupto dos negros como mão de obra nas plantações, o
pouco entusiasmo da população no cumprimento obrigatório das sucessivas tarefas e
“planos” criados pelo governo, a relação das massas com o líder (Fidel) e outros temas ou críticas mais ou menos explícitos que eram inseridos na estrutura aparentemente didática do documentário.

Uma das temáticas recorrentes da obra de Nicolasito – o papel do negro, a contribuição da cultura negra afro-caribenha para a identidade cubana (tema fartamente explorado também na poesia de seu tio) – reaparecia em Cof ea Arábiga de forma alegórica: na destacada “negritude” do café, no histórico da cultura cafeeira na Ilha apresentado na parte introdutória do filme (onde se enfatiza que eram negros aqueles que plantavam o café...), em trocadilhos com a trilha sonora (como o refrão alterado, para ser “políticamente correto”, de uma famosa canção popular intitulada Mamá Inês, conhecida na voz do intérprete Bola de Nieve: “todos los negros – y todos los blancos – tomamos café”), e até num momento em que a narração anuncia que camponeses costumam comemorar a época da colheita e se vêem negros dançando e entrando em transe, como nos então prohibidos rituais afrocubanos de santería. Essas passagens traduzem uma questão cara para aquele cineasta e para os minoritários intelectuais cubanos negros: a impossibilidade, no novo regime, de se levantar discussões sobre o racismo ou sobre a identidade negra, uma vez que, segundo o discurso oficial, a Revolução já havia solucionado tais questões – os estava prestes a -, ao considerar iguais todos os cidadãos cubanos e ao instaurar, com o socialismo, total igualdade de oportunidades.


Fuente: Mariana Martins Villaça, Limites da contestação no cinema documental cubano:a trajetória de Nicolás Guillén Landrián.
Em Revista Eletrônica da Anphlac - número 6

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