segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A costela-de-adão


A minha mãe sempre falou com as plantas. Sempre disse que é preciso falar com elas, para que não morram. Não me lembro de nenhuma vez que tenha entrado em minha casa e não se dirigisse, em primeiro lugar, à costela-de-adão: Ai que bonita estás! Tão grande! E a Madalena, como se tem portado? Tem-se alimentado bem?
Muito trabalho, como sempre. Pois é.
E anda assim um tempo a falar com a planta, numa azáfama entre a cozinha e a sala. Água, vitaminas, um pano húmido para limpar as folhas.
Monólogos que sempre me fascinaram. Desde criança.
Vejo que não te tens esquecido de a regar, está linda. Chega-me aí a tesoura, que esta folha precisa ser cortada. E esta, também. Vamos virá-la, ajuda-me aqui. A tua sala é óptima para plantas, luz, tem muita luz. Bem que podias ter mais uma ou duas, se não te esquecesses de as regar. E falasses com elas. Ninguém vive sem conversar. Uma amor é uma conversa. Entendes? Deve ser uma pessoa com quem nos vemos a conversar uma vida inteira. Não ter que dizer ou vontade de o dizer, é o fim do amor, Madalena.
Ao menos um gato, não era? A Madalena, aqui sozinha, divorciada há mais de dez anos. E quantos namorados lhe conhecemos? Um namorado. E, agora, talvez nem esse. E não podiam viver juntos, ao menos? Andavam aí com a vida metida numa mochila, ela lá, ele cá. Pensam que não sei. Uma mãe sabe tudo. Um dia destes, tens quarenta anos, Madalena e não tens nada. Nem filhos. Tu, que adoras crianças. Uma casa tua, viagens. Mas o que é isso, quando vamos para velhos. Da tua idade já vos tinha aos seis. E que feliz fui. A melhor coisa da minha vida foi ser mãe. Repara: olha que bem ficou. Mais esguia. Tens de a virar, de vez em quando. Tem falado contigo, a Madalena? Sai a correr e nem bom dia te dá, não é?
A vida - estou a falar contigo, agora, Madalena - passa a correr, acredita em mim. Isto não tem poesia nenhuma, mas é verdade. Diz-me que te voltas a casar, filha. É uma preocupação. Olha as tuas irmãs. Mais novas, ainda por cima, com a vida arrumada. E tu? Diz-me que não ficas sozinha. Olha para mim e para o teu pai, há quantos anos não conversamos, desde que tu e os teus irmãos saíram de casa. Um vazio imenso. Uma solidão acompanhada. Talvez a pior das solidões. Mas não estamos sozinhos. Ao menos, não estamos sozinhos, compreendes, Madalena?

3 comentários:

  1. Essa idolatria de que só as mães são felizes...

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  2. rsrsrrs... mães, dessas mais antigas... como são gostosas e iguais sempre. Só mudam de endereço.
    A maternidade é uma escolha, não é inevitável nem tão pouco indispensável. E pode-se ser feliz sem ter filhos, sim! Muitas vezes são mães de muitos filhos as que se sentem mais sós.
    Beijokas.

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  3. Ótimo texto.

    É o estereótipo de mãe. Ora fala com a filha sem raízes, que um dia vai embora de casa e deixa saudades, e ora fala com a filha de raízes, que fica a sorrir onde a colocar. O que a mãe vê de comum às duas filhas, não sei, mas dá amor incondicional a ambas.

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