A minha mãe sempre falou com as plantas. Sempre disse que é preciso falar com elas, para que não morram. Não me lembro de nenhuma vez que tenha entrado em minha casa e não se dirigisse, em primeiro lugar, à costela-de-adão: Ai que bonita estás! Tão grande! E a Madalena, como se tem portado? Tem-se alimentado bem?
Muito trabalho, como sempre. Pois é.
E anda assim um tempo a falar com a planta, numa azáfama entre a cozinha e a sala. Água, vitaminas, um pano húmido para limpar as folhas.
Monólogos que sempre me fascinaram. Desde criança.
Vejo que não te tens esquecido de a regar, está linda. Chega-me aí a tesoura, que esta folha precisa ser cortada. E esta, também. Vamos virá-la, ajuda-me aqui. A tua sala é óptima para plantas, luz, tem muita luz. Bem que podias ter mais uma ou duas, se não te esquecesses de as regar. E falasses com elas. Ninguém vive sem conversar. Uma amor é uma conversa. Entendes? Deve ser uma pessoa com quem nos vemos a conversar uma vida inteira. Não ter que dizer ou vontade de o dizer, é o fim do amor, Madalena.
Ao menos um gato, não era? A Madalena, aqui sozinha, divorciada há mais de dez anos. E quantos namorados lhe conhecemos? Um namorado. E, agora, talvez nem esse. E não podiam viver juntos, ao menos? Andavam aí com a vida metida numa mochila, ela lá, ele cá. Pensam que não sei. Uma mãe sabe tudo. Um dia destes, tens quarenta anos, Madalena e não tens nada. Nem filhos. Tu, que adoras crianças. Uma casa tua, viagens. Mas o que é isso, quando vamos para velhos. Da tua idade já vos tinha aos seis. E que feliz fui. A melhor coisa da minha vida foi ser mãe. Repara: olha que bem ficou. Mais esguia. Tens de a virar, de vez em quando. Tem falado contigo, a Madalena? Sai a correr e nem bom dia te dá, não é?
A vida - estou a falar contigo, agora, Madalena - passa a correr, acredita em mim. Isto não tem poesia nenhuma, mas é verdade. Diz-me que te voltas a casar, filha. É uma preocupação. Olha as tuas irmãs. Mais novas, ainda por cima, com a vida arrumada. E tu? Diz-me que não ficas sozinha. Olha para mim e para o teu pai, há quantos anos não conversamos, desde que tu e os teus irmãos saíram de casa. Um vazio imenso. Uma solidão acompanhada. Talvez a pior das solidões. Mas não estamos sozinhos. Ao menos, não estamos sozinhos, compreendes, Madalena?
Essa idolatria de que só as mães são felizes...
ResponderExcluirrsrsrrs... mães, dessas mais antigas... como são gostosas e iguais sempre. Só mudam de endereço.
ResponderExcluirA maternidade é uma escolha, não é inevitável nem tão pouco indispensável. E pode-se ser feliz sem ter filhos, sim! Muitas vezes são mães de muitos filhos as que se sentem mais sós.
Beijokas.
Ótimo texto.
ResponderExcluirÉ o estereótipo de mãe. Ora fala com a filha sem raízes, que um dia vai embora de casa e deixa saudades, e ora fala com a filha de raízes, que fica a sorrir onde a colocar. O que a mãe vê de comum às duas filhas, não sei, mas dá amor incondicional a ambas.
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