Nós corríamos no meio do mundo. Plenos. Minha mãe sempre à frente, com algum cabelo solto e sorrisos, levando-nos a correr, correr, sem cansaço, com alma e delírio, para que bebêssemos mais da vida a essência dela juntos, meus três irmãos ligeiros e eu, olhos em tudo, entregues ao acaso, porque era gratuito e era nosso único jeito de existir com alegria, correndo. Então correr não iniciava, não findava; para nós era como imaginávamos uma família naquilo. Nossa mãe era daquele jeito que corria alheia e sorria, e isso tinha ajuste para nós, nosso código de enxergar. E não importava o modo como as pessoas nos enquadravam em suas censuras: ‘essas crianças suadas, eufóricas, sorridentes, soltas’. Era só essa coisa que nos deixava felizes, com demência, com paixão. Todos diziam disso que não colava no mundo uma brincadeira assim de correr pelas ruas, de mãe com filhos, de qualquer jeito, ao ar. Viver exige seriedade e susto, isso é assim; tão desse modo que se repete. Mas corríamos como se não ouvíssemos e fôssemos mais que o mundo todo a gritar, e éramos, pois tínhamos uma mãe com um sorriso para os dias, com um vestido ao vento e com amor para nosso sempre de criança, e nisso havia o brilho dos meus olhos, e vivíamos. Bastava-nos. E eu como era o mais novo daquela distração de existir, o que menos sabia os caminhos, mais a mim deixavam o ofício de guiar as brincadeiras, só para sermos mais do devaneio e da falta, para sorrirmos ao fim do dia sem saber. É verdade que não avançávamos lugares nem pódios sociais, apenas corríamos, e incomodávamos porque retirávamos das ruas outro gás, irrespirável para muitos, e conseguíamos sorrir com o sol só por ser manhã, loucura, talvez. Então vieram as regras do mundo, em marcha, com amarras e seringas, e guardaram minha mãe dentro de uma casa de repouso, para que não mais corresse sem razão pelas horas, feliz e alheia, que não pode, e foi lá onde ela nunca repousou do coração que só tem euforia. E naqueles que ficaram meninos e sozinhos, acolhidos em lares encomendados, não houve palavra que remendasse a tristeza. Não sei ao certo o que dizer do resto que foi para cada um continuar nisso, viver, porque no caminho dos dias, o mundo, feito dessa tristeza normalizada, em geral, só diz que é disciplina e sociedade, mas é controle mesmo... e não há medida pronta que nos restitua correr daquele jeito, alheios, felizes, soltos, plenos de distração.
Ricardo Fabião (Julho - 2010)
Aos poetas e pensadores:
Aluisio Martins, Fred Caju e Jairo Cerqueira,
Aluisio Martins, Fred Caju e Jairo Cerqueira,
pela inquietação de ser, viver.
o que podemos er daqui em diante?
ResponderExcluirserá que perdemos tempo?
ou será que ganhamos mais uma oprtunidade de fazer de novo?
abraço.
Mas que maravilhosa e soberba mãe essa mãe em alta velocidade dando pernas para os filhos, ensinando a correr feito vento!
ResponderExcluirQue conto mais lindo dos lindos Ricardo Querido!" Mas corríamos como se não ouvíssemos e fôssemos mais que o mundo todo a gritar, e éramos, pois tínhamos uma mãe com um sorriso para os dias, com um vestido ao vento e com amor para nosso sempre de criança, e nisso havia o brilho dos meus olhos, e vivíamos. Bastava-nos."
ResponderExcluirSaudades da infância. Eramos em cinco filhos. E meu Pai, não o viámos (sustentar-nos não era fácil). Em toda minha memória é com a Wilma, Mãe querida, fazendo Pipas, Balões, giz no chão a ensinar pular amarelinha, meu cabelo comprido, então Rabo de Cavalo ou duas tranças... Vestidos para Quadrilha todos os anos, esconde - esconde, São vicente, correr na areia naquele mar imenso... Sim! Um pouco de um tudo... Minha Mãe quem nos ensinava a sermos felizes! Obrigada. Lindo!
Com carinho,
Sílvia