sábado, 31 de julho de 2010

POESIA JAZIDA


E na lápide: "Cansou de tanto pensar." Incrivelmente exausto por ter passado a vida inteira analisando, questionando, enxergando, desvendando, reinventando. E sem nunca ter conseguido esgotar-se. Um anormal que pensava ser normal demais. Alguém que não aceitava somente sim ou não, que chegava a irritar-se com um talvez. Ele já não cabia mais dentro de si, porque à medida que os anos passavam, tornava-se mais ilimitado, dentro de uma cápsula protetora de limites definidos. Só agora percebe que nasceu inspirando a poesia do mundo, e seu primeiro choro foi seu primeiro verso. As brincadeiras da infância eram poesia. Seus desenhos e seus sonhos eram poesia. Só não era poesia a sua percepção do tempo. Mas agora é. Alegra-se com sua própria imprevisibilidade, qualidade sua, mas não tolera a imprevisibilidade daquilo que escorre de suas mãos, sendo que disto, vez ou outra, não consegue fazer poesia. Sabe que tem coisas que não cabem em seus poemas. Sabe que nem tudo pode ser traduzido em palavras. E esse ínfimo perdido em seus pensamentos é sua tristeza - que ele transforma em revolta, porque diz-se ser nem alegre nem triste. Esta é sua própria porção inatingível e inexplicável. Vivendo, ele passeia no comum e vê o que poucos veem: a beleza do horror e a tristeza da perfeição. Sabe que começou a vida sozinho e a terminará da mesma forma. Mas isto não lhe causa medo: ele tem a poesia, e ela é a sua redenção. A melhor companhia. A eterna companheira. A única coisa certa. Inexata, incontrolável, mas criação sua. A continuação. E na lápide, melhor dizendo: "Cansou de tanto pensar, desistiu de fazer caber no mundo sua poesia." Aqui jaz, poeta.

(Texto já publicado em O Passar dos Dias)

PARECE SIMPLES


Se sentires muito medo, ou uma coragem estranha, me chama. Se deixares, posso tentar te salvar até dos perigos reais. Sou boa nisso, eu mesma vivo me resgatando. Eu te encontro, e te levo para qualquer lugar: vamos fugir. Te faço rir. A gente se abraça. E a vida, simples assim, vai parecer boa, e tu vais parecer leve. Vai dar até para enxergar um futuro. E nos sentiremos quase felizes, eu com minha solidão sem remédio, e tu com esse teu querer intransitivo.

Alphonsus de Guimaraens - Hão de chorar por ela os cinamomos



Hão de Chorar por Ela os Cinamomos...

Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão — "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria.. . "
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: — "Por que não vieram juntos?"

Alphonsus de guimaraens, poeta simbolista, nascido em Minas Gerais em 1870, seus poemas privilegiam temas como o amor, morte, e a religião.
Aos 18 anos, perde sua noiva, Constança. Seus poemas, ou grande parte deles são dedicados a ela e a esse amor interrompido.

CONCURSO DE FOTO (PRÊMIOS EXCELENTES)

Aliança Francesa realiza concursos de fotos


Fotógrafos e amantes de fotografia têm um motivo especial para pegar a câmera e produzir belas fotos. A Aliança Francesa está com inscrições abertas para dois concursos de fotografias.

O Concours Photo é um concurso internacional realizado pela Fundação Aliança Francesa. O tema da foto é “Ter 20 anos em meu país”. O vencedor poderá expor seu trabalho em uma galeria de Paris e ganhará ainda uma viagem para a Cidade-Luz. As inscrições podem ser feitas até 15 de agosto no site: www.aliancafrancesa.com.br.

O segundo concurso realizado pela Aliança Francesa é o Prix Photo Web, por meio de uma parceria com a Câmara de Comércio França-Brasil. Poderão participar brasileiros e franceses. O tema é “Culturas urbanas como fator de integração social” e terá dois júris. Um prêmio de R$ 10 mil em dinheiro será entregue ao vencedor, eleito por um júri oficial. Outro participante será premiado com uma viagem para Paris. As inscrições estão abertas até 17 de setembro. Mais informações: http://www.prixphotoaliancafrancesa.com/

Santo Agostinho, Trechos do livro Confissões



Nota de Lisarda- Santo Agostinho(354-430, patrono de teólogos,cervejeiros e impressores, é considerado um laço entre a época antiga e a Edade Media.Aquí, um trecho das Confissões, das quales temos várias postagems sobre a memória na lisarda.blogspot.



Copio um trecho interessante de Miguel Duclós (em http://www.consciencia.org)em que analiza o dito livro.

No Livro X das Confissões Agostinho faz uma brilhante exposição sobre a memória, chegando mesmo a dizer que a memória é o espírito, ou a parte mais importante da alma humana. Nesta exposição está contida o grosso da doutrina Agostiniana de reminiscência, e suas adaptações em relação ao platonismo. Farei mais um vôo panorâmico para explicá-la.

A memória era importante já desde a cultura helênica clássica. Na Teogonia de Hesíodo ela aparece como parte da primeira geração divina, como uma deusa, filha de Urano e Géia ( mnemósina ), que, amada por Zeus, foi mãe das nove Musas. De uma forma geral, pode-se dizer que sem memória não é possível conhecer. A memória está também associada ao destino das almas quando a morte ocorre e ela deixa o corpo, para ir ao Hades. Existe um poema órfico (9) que pretende guiar a alma ao chegar na mansão de Hades: (10)

”Encontrarás à esquerda da Mansão do Hades, uma fonte,
E a seu lado, um branco cipreste.
Não te aproximas deste manancial.
Mas encontrarás um outro junto à Fonte da Memória,
De onde fluem águas frescas e, diante das quais há guardiões.
Diz-lhes: “Sou um filho da terra e do céu estrelado;
Mas minha raça é do céu (somente). Vós próprio o sabeis.
E – ai de mim! – estou ressequido de sede, e pereço. Dai-me rapidamente
A água fresca que flui da Fonte da Memória”.
E eles mesmos te darão de beber do manancial sagrado,
E desde então tu dominarás entre os outros heróis”. (11)

As almas puras devem beber da sagrada fonte da memória, ao passo que as almas impuras devem banhar-se no rio Lete afim de se esquecer de seus “pecados” e iniquidades e poderem reencarnar. As almas puras poderão manter seu Ser e habitar junto aos deuses, em companhia dos heróis.

Mas voltemos à Agostinho. Diz o bispo de Hipona que nos recônditos do palácio da memória estão guardados todas as sensações e vivências dos indivíduos. Nas inúmeras concavidades e recônditos secretos estas imagens apresentam-se à inteligência, que as une, relaciona e ordena. Algumas imagens que residem na memória são fornecidas pelos sentidos, mas o entendimento que reside na memória não é. No livro X, capítulos 10-12 das Confissões , o autor exemplifica afirmando que, apesar de ter ouvido haver três espécies questões (12), não foi por nenhum dos sentidos do corpo que atingiu o significado contido nestes sons, mas o viu somente em espírito. Da mesma maneira, as inúmeras regras dos números e das dimensões estão guardadas na memória, mas não vieram pelos sentidos. Como resume Agostinho “os números são uma coisa e as idéias que eles exprimem outras”. (13)

De uma forma diferente, a felicidade também habita na memória. O homem antes do pecado original, foi em um tempo feliz, e ainda há resquícios desta felicidade. A vida feliz só pode ser alcançada quando se busca a Deus. É voltando a ele que o homem atinge a verdadeira felicidade, e seu ser se completa. Como diz Agostinho, “Tarde Vos Amei, Senhor”, pois sem que ele o soubesse, Deus sempre esteve presente em sua vida, e sua desesperança só teve fim quando retornou à Deus, ou quando se lembrou de Deus. Esta volta só pode ser feita por intermédio do Cristo. A teoria agostiniana de reminiscência afasta-se da teoria platônica, contudo. Nesta, a alma contempla as Formas eternas antes de nascer, em outro mundo. (14) Em Agostinho a contemplação da luz divina não é uma lembrança da vivência anterior da alma, mas uma irradiação presente. Deus ilumina o intelecto com sua luz, tornando-o capaz de conhecer segundo sua ordem natural.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

CAMINHOS

I

Se por ali passo, tenho
                          medo.
Se por aqui fico, tenho
                          medo.
Se me pacifico,   tenho
                          medo
                          ainda.

II

Ampliam-se as procissões pelas ruas da cidade.
Sentido imperceptível de um diluído prosseguir.
O outro ser é vácuo para os seres apressados.
Cada passo é a tranca de um caminho reservado.

As formigas já não se tocam na rota do trabalho,
E os peixes não se olham nas correntes do aquário.



Outros poemas meus AQUI

Los Kjarkas, Tuna Papita

Desembarcando no Rio Antigo



Comentei  hoje com a Cirandeira.
Tenho um sonho dourado: entrar na máquina do tempo e desembarcar no Rio antigo. Iria direto para Botafogo andar pela rua de Mata cavalos a procura de Capitu. Depois subiria até Santa Tereza e desceria até a Lapa em direção a Rio Branco. No centro encontraria um oficial tabelião e adquiriria uma chácara, um sítio, uma quinta, por poucos contos de réis, em Copacabana, Ipanema ou Leblon.

No Colo Do Anjo


Empoleirado
na torre do meu sonho
um anjo resplandece.
Cílios cintilantes
estrelas nos olhos
ele me acena com plumas
e me abraça com asas.
Juntos vagamos
entre rastros de astros
a cavalgar nuvens
por planícies etéreas
até que me sinto serena.
É como se mudo dissera
não temas véus ou névoas
qualquer neblina passa.
Mas eis que então fala:
Não sejas cega, menina.
O olhar de Deus tudo abarca.
Só os homens têm pálpebras.


Astrid Cabral Félix de Sousa

Bicho-de-Sete-Cabeças


À medida que envelheço
as sete cabeças do bicho
corto. Enfim o reconheço
íntimo de mim, meu próximo.

À medida que envelheço
conquisto-lhe o segredo.
Vejo a morte iniciação
à viagem pelo avesso.

À medida que envelheço
digo: o bicho é meu amigo.
Não, não há porque maldar
envenenando o sossego.

À medida que envelheço
sinto-me remanescente
num deserto onde tropeço
por entre sombras de ausentes.

À medida que envelheço
aprendo a perder o medo.
Todo bicho fica meigo.
E só botar no colo.


Astrid Cabral Félix de Sousa

Mãos


No deserto da insônia
a mão, triste, me acena
nua de anéis e luvas.
Dedos gesto de adeus
anunciam o abandono
da matéria efêmera.
Dos campos do sono
a mesma mão me chama
cintilante de estrelas.
Tento alçar-me da cama
no encalço do convite
mas a carne me amarra.
E enquanto o corpo dura
fico entre a dor da perda
e o desejo do encontro.


Astrid Cabral Félix de Sousa

Definições definitivas...


Quarenta anos é velhice para a juventude, e cinqüenta anos é juventude para a velhice.

Victor Hugo

Tempo Perdido...



“Todos os dias quando acordo...
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo...
Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder...
Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério...
E Selvagem! Selvagem!
Selvagem...
Veja o sol
Dessa manhã tão cinza...
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos...
Então me abraça forte...
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Não tenho medo...do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas...agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens...
Tão Jovens! Tão Jovens!...”

...Letra da música tão significativa de Renato Russo...


http://www.youtube.com/watch?v=059HEaYRve0

À espera do comboio na paragem do autocarro*

.


“Lá em baixo ainda anda gente
Apesar de ser tão tarde
Há quem cresça no escuro
E de dia se resguarde”

Lá em baixo, Sérgio Godinho

Finge, meu caro, finge que o mundo ainda tem alicerces ou que um risco ao contrário também encontra o seu caminho, também tem o seu lugar. Do fingir um fingimento faz tudo quanto te possa parecer de verdade, que duma palavra sem sentido tudo inclua sem se notar. Olhar pelo postigo pode ser mais difícil que bater na porta vezes sem conta, à espera do outro lado a resposta, uma silaba, um sim um não.
Não olhes o tempo que passa, olha para o tempo que foge, finge o tempo ancorado no tempo, espera o silêncio em silêncio, espera que essa palavra sem sentido se torne um sentido obrigatório, este olhar para trás fosse o momento passado sombra, fosse esse juiz que faz um inocente do seu réu, culpado; o outro lado da resposta teima aquecer os lábios, teima fingir o peito ardendo em chamas suaves enquanto chamas em silêncio essa palavra sem sentido. Acreditas, meu caro leitor, mas finges que essa resposta não te pertence, que não procuraste a pergunta, deste, desse tempo que então não passa, foge, finge um sim um não, um semáforo perdido no meio da rua, um olhar que finge ser uma pedra na mão.
Resta e dentro do que resta, do que passa, do que finge restar dum braço que se acena, dum braço que se toca devagar, duma cadeira que em silêncio desliza o chão que te afaga os pés, que escuta os teus passos, os teus braços que com os meus juntos crescem, que se soltam devagar, acredita que no teu peito todos os dias estará a refazer o teu próprio desenho, meu caro, mas não te fatigues logo com os abraços que se aceitam devagar, como que fingindo que se transformando, se transformam-se devagar; terás trabalho para uma vida inteira, porque afinal “somos sempre um pouco menos do que aquilo pensávamos e raramente um pouco mais. E como tal, finge, caro leitor, finge que ainda vives de olhos abertos e sem elos perdidos… ou não vás perder este autocarro!

... algures em 2006

|aparte: por vezes, é agradável gravar ficheiros nas pastas mais bizarras e distantes… aparecem-nos surpresas, como esta, que andei à procura durante tanto tempo, que tinha desistido… mas afinal, desde de 2006, mais coisa, menos coisa, “estacionou” numa pasta improvável na memória curta deste computador! |

.* titulo retirado de verso da canção Lá em Baixo, de Sérgio Godinho e os créditos da imagem não consegui identificar.
.

De quando havia Musa....!?

Rio Antigo - Vendedor de galinhas (1919) - skyscrapercity


A MUSA DAS RUAS É A MUSA que viceja nos becos e rebenta nas praças, entre o barulho da populaça e a ânsia de todas as nevroses, é a Musa igualitária, a Musa-povo, que desfaz os fatos mais graves em lundus e cançonetas, é a única sem pretensões porque se renova como a própria Vida. Se o Brasil é a terra da poesia, a sua grande cidade é o armazém, o ferro-velho, a aduana, o belchior, o grande empório das formas poéticas. Nesta Cosmópolis, que é o Rio, a poesia brota nas classes mais heterogêneas. A câmara regurgita de vates, o hospício tem dúzias de versejadores, as escolas grosas de nefelibatas, a cadeia fornadas de elegíacos. Onde for o homem lá estará à sua espera, definitiva e teimosa, a Musa. Se tomardes um bonde modesto, encontrareis o palpite do bicho em versos, nas costas do recibo; se entrais nos tramways de Botafogo, o recibo convida V. Exas. numa quadra a ir a Copacabana. Os cafés são focos de micróbio rímico, os blocos de folhinha, as balas de estalo, as advinhações dos pássaros sábios, as polianteias, esse curioso gênero de engrossamento tipográfico e indireto, as tabuletas, os reclamos, os jornais proclamam incessantemente a preocupação poética da cidade, o anônimo mas formidável anseio de um milhão de almas pelo ritmo, que é a pulsação arterial da palavra...O verso domina, o verso rege, o verso é o coração da urbs, o verso está em toda a parte como o resultado absoluto das circunvoluções da cidade. E a Musa urbana, a Musa anônima, é como o riso e o soluço, a chalaça e o suspiro dos sem-nome e dos humildes.
A Musa urbana! Ela é a canção, começa com os povos na história, e talvez tivesse, como o homem, a sua pré-história. Contar-lhe a idade é tentar um mergulho intérmino na clássica noite dos tempos. O primeiro homem, para dar expressão à ideia, deu-lhe o ritmo; a primeira tribo, para exprimir os sentimentos mais complexos, descobriu a cadência. A civilização é a apoteose do verso popular, porque mais nitidamente acentua a facilidade de exprimir da massa ignorante. Os gregos faziam modinhas a todo o instante e a todo o propósito, e davam para cada uma denominação especial. Antes de saber ler tinham o sentimento do metro poético, e é o grave Aristóteles que nos faz sentir esta ridente ideia: canção e lei eram uma e a mesma palavra entre os helenos.

{.}

As artes são por excelência ciências de luxo. A modinha, a cançoneta, o verso cantado não é ciência, não é arte pela sua natureza anônima defeituosa e manca: é como a voz da cidade, como a expressão justiceira de uma entidade a que emprestamos a nossa vida - colossal agrupamento, a formidável aglomeração, a urbs, é uma necessidade da alma urbana e espontânea vibração da calçada.

(....)

Os poetas da calçada são as flores de todo o ano da cidade, são a sua graça anônima, a sua coquetterie, a sua vaidade anônima e a sua atração - porque afinal, o próprio Platão , que julgava Homero um envenenador público, considerava o poeta um ser leve, alado e sagrado.



"A Musa das Ruas", in A alma encantadora das ruas - João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto(1881-1921)

DEU NA FOLHA DE SÃO PAULO...

A minha indignação não permitiu que eu produzisse uma crítica isenta. Portanto, achei melhor postar logo a foto do artigo com data e página em que se encontrava, de modo que cada um possa ler e concluir o que entender melhor...

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Helloooo

Helloooo

"Não vemos as coisas como elas são,
mas como nós somos."

 (Anais Nin)

Aprendendo a ser...
Sílvia

Definições definitivas...


Se o meu silêncio não lhe diz nada, minhas palavras são inúteis.

Controle


Nós corríamos no meio do mundo. Plenos. Minha mãe sempre à frente, com algum cabelo solto e sorrisos, levando-nos a correr, correr, sem cansaço, com alma e delírio, para que bebêssemos mais da vida a essência dela juntos, meus três irmãos ligeiros e eu, olhos em tudo, entregues ao acaso, porque era gratuito e era nosso único jeito de existir com alegria, correndo. Então correr não iniciava, não findava; para nós era como imaginávamos uma família naquilo. Nossa mãe era daquele jeito que corria alheia e sorria, e isso tinha ajuste para nós, nosso código de enxergar. E não importava o modo como as pessoas nos enquadravam em suas censuras: ‘essas crianças suadas, eufóricas, sorridentes, soltas’. Era só essa coisa que nos deixava felizes, com demência, com paixão. Todos diziam disso que não colava no mundo uma brincadeira assim de correr pelas ruas, de mãe com filhos, de qualquer jeito, ao ar. Viver exige seriedade e susto, isso é assim; tão desse modo que se repete. Mas corríamos como se não ouvíssemos e fôssemos mais que o mundo todo a gritar, e éramos, pois tínhamos uma mãe com um sorriso para os dias, com um vestido ao vento e com amor para nosso sempre de criança, e nisso havia o brilho dos meus olhos, e vivíamos. Bastava-nos. E eu como  era o mais novo daquela distração de existir, o que menos sabia os caminhos, mais a mim deixavam o ofício de guiar as brincadeiras, só para sermos mais do devaneio e da falta, para sorrirmos ao fim do dia sem saber. É verdade que não avançávamos lugares nem pódios sociais, apenas corríamos, e incomodávamos porque retirávamos das ruas outro gás, irrespirável para muitos, e conseguíamos sorrir com o sol só por ser manhã, loucura, talvez. Então vieram as regras do mundo, em marcha, com amarras e seringas, e guardaram minha mãe dentro de uma casa de repouso, para que não mais corresse sem razão pelas horas, feliz e alheia, que não pode, e foi lá onde ela nunca repousou do coração que só tem euforia. E naqueles que ficaram meninos e sozinhos, acolhidos em lares encomendados, não houve palavra que remendasse a tristeza. Não sei ao certo o que dizer do resto que foi para cada um continuar nisso, viver, porque no caminho dos dias, o mundo, feito dessa tristeza normalizada, em geral, só diz que é disciplina e sociedade, mas é controle mesmo... e não há medida pronta que nos restitua correr daquele jeito, alheios, felizes, soltos, plenos de distração.

Ricardo Fabião (Julho - 2010)

Aos poetas e pensadores:
Aluisio Martins, Fred Caju e Jairo Cerqueira, 
pela inquietação de ser, viver.

Todo dia é dia...



ACORDO...
E RELEIO MINHAS MEMÓRIAS...

ACORDO...
E PENEIRO MEU FUTURO...

E SIGO ASSIM...
DIA A DIA...

Beijos...
Leca

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Madonna, Você vai ver



Você acha que eu não posso viver sem o teu amor
Você vai ver,
Você acha que eu não posso ir em outro dia.
Você acha que eu não tenho nada
Sem você ao meu lado,
Você vai ver
De alguma forma

Você acha que eu não posso rir de novo
Você vai ver,
Você acha que você destruiu a minha fé no amor.
Você acha que depois de tudo que você fez
Eu nunca vou encontrar meu caminho de volta para casa,
Você vai ver
De alguma forma, algum dia

Tudo por mim
Eu não preciso de ninguém em todos os
Eu sei que vou sobreviver
Eu sei que vou ficar vivo
Tudo por conta própria
Eu não preciso de ninguém neste momento
Ele será meu
Ninguém pode tirar isso de mim
Você vai ver

Você acha que você é forte, mas você é fraco
Você vai ver,
É preciso mais força para chorar, admitir a derrota.
Eu tenho a verdade do meu lado,
Você só tem mentira
Você verá, de alguma forma, algum dia

Tudo por mim
Eu não preciso de ninguém em todos os
Eu sei que vou sobreviver
Eu sei que vou ficar vivo
Eu estarei em meu próprio
Eu não preciso de ninguém agora
Ele será meu
Ninguém pode tirar isso de mim
Você vai ver

Você vai ver, você vai ver
Você vai ver


O ROSTO

O ROSTO
O rosto e o tempo
Cruzam-se num espelho
Rachado. E dialogam.
É uma conversa de surdos.
O rosto e o tempo divergem
Na mesma vertigem do absurdo.
Ambos não se reconhecem.
(Ah, tão misterioso este rosto,
Tão plácido este tempo,
Tão cruel este espelho).
Armando Artur (poeta moçambicano)
Postagem encantadora: Casa da Mara: Lusofonia Poética
Blog: http://mdebrassilusofoniapoetica.blogspot.com/
Espelho
Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..." Mário Quintana

Com amor e carinho,
Sílvia

Definições definitivas...


Realidade é um estado de consciência causado pela falta de álcool.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Azulão

AZULÃO

Vai, Azulão, Azulão

Companheiro, vai

Vai ver minha ingrata

Diz que sem ela o sertão

Não é mais sertão

Ai voa, Azulão, vai contar

Companheiro, vai...

Composição: Jayme Ovalle e Manuel Bandeira


Beatriz Kauffmann's Web Site
MIDI
 Clicar... Fechar os olhos, se deleitar...
Lindo!
Com amor e carinho,
Sílvia

Definições definitivas...


Quem vive de passado é museu, quem vive de futuro é vidente... E quem vive de presente é papai noel!

Fico à Espera...



Eu sou fanática por livros...
os ilustrados então...me encantam...
outro dia...
tive o prazer de dividir esse livro com o Alexandre...
do blog Biricuticu's...
e é claro que percebi um brilho nos olhos dele...
Deixo a indicação aqui...pois...

"Fico à Espera" de Davide Cali e Serge Bloch foi lançado pela editora Cosac Naify... nele...cada página vai mostrando o desenrolar de um fio...
o fio da vida...
mostra um menino crescendo...virando adulto...ganhando...perdendo...
É lindo...
Salve esse nome...e quando estiver em uma boa livraria...
não deixe de procurar...não deixe de ler...de ver...de se emocionar...
Ele é um livro marcante...

Beijos...
Leca

segunda-feira, 26 de julho de 2010

(...)


Outra noite. Dele, restou apenas o perfume nos lençóis. Ela fecha os olhos e repousa em imagens e sentimentos inexatos. Então vem aquele rosto cujos traços ela ainda não decorou. Preciso, apenas o azul esverdeado daquele olhar em que deixou-se perder. E conhecida, somente a pele decifrada até na mais profunda escuridão. Existia algo além do sentir? Além do agora? Seus lábios febris e inquietos foram calados antes mesmo da primeira palavra. E mesmo depois, úmidos e libertos, seguiram em permissivo silêncio sussurrado.

Definições definitivas...


Doa a quem doer, o facto é que a violência machuca.

Eu levo, ou deixo?

wikaricatura de Rui Barbosa



Conta a lenda, que certo dia, ao chegar em casa, Rui Barbosa (1849-1923)ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Foi averiguar e constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se lentamente do indivíduo e, percebendo que ele ía pular o muro com os seus patos, bradou-lhe:

- Oh bucéfalo anácrono!!! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica, bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência, que o vulgo denomina nada!

E o ladrão, confuso, pergunta:

- Dotô, resumindo...
eu levo, ou deixo os pato????

...blá...blá...blá...blá...blá...


Sempre te Quis...
da Banda...Paralamas do Sucesso...
Composição...Herbert Vianna

Todo o meu tempo
Todo o meu zelo
Todo o meu prédio já sabe que eu tenho um amor...

Todo receio
Todo remédio
Tudo que sempre causava
Dor e medo
Se foi...

Foi por te ver andando reto
Entre tudo que há de incerto em mim...

E fui andando...voltei ao zero
Um recomeço é uma forma de se encontrar
Por ser tranquilo...por ser sincero
Não me preocupa
O que não for é o que vai passar...

Foi por te ver andando reto
Entre tudo que há de incerto em mim...

Que eu sempre te quis
Sempre te quis assim
Só prá mim...

Sempre te quis assim
Só prá mim...

http://www.youtube.com/watch?v=lduZ2eA4RMQ

MSN conversa

*eu amei
*durante 4 anos
luana diz:
*ok
*pra vc tudo tem data de validade?

domingo, 25 de julho de 2010

OS HÁBITOS DOS OUTROS

No centro da recente polêmica sobre a proibição de burcas e afins reside um resíduo de autoritarismo inexplicável para os padrões de regras de convivência da sociedade global. Sobretudo quando esta referência abrange os países europeus como um todo. A mesma França que valeu-se da mão de obra barata e conveniente vinda da Argélia em tempos de reconstrução no pós-guerra, esta mesma França, agora, anos depois e sem nenhuma reflexão memorial agradecida, se imiscui na cultura do islamismo proibindo o uso do véu. Pois foram os islâmicos que de forma particular, contribuíram para o reerguimento de países europeus dizimados pela Segunda Guerra. Antes ainda, à época das colonizações, foram pobres imigrantes em busca de melhores condições de vida que passaram a ocupar postos menos dignos da força de trabalho, situação que desde sempre tem perdurado a olhos nus na Inglaterra, sobretudo no caso dos indianos vistos a varrer corredores de aeroportos, e africanos em banheiros públicos parisienses, também atendidos por faxineiros de outras etnias. Nestes mictórios onde fedemos todos igualmente, só não se encontram franceses. Proibir o uso da burca e do simples véu (e eu não defendo a sua conveniência quanto à estética, mas tampouco posso crer que unicamente sejam usados por expressas ordens de maridos cruéis ), me parece algo inconstitucional em qualquer país democrático que se digne a rechaçar ondas autoritárias. Seria como proibir aos judeus ortodoxos de usar aqueles trajes e chapéus pretos, e aqueles cachos ( visivelmente ridículos aos olhos contemporâneos ), e mais ainda, de fazer com que seus filhos usem indumentária assemelhada. Será que estas crianças de livre vontade se vestiriam assim ? Trata-se de culturas diversas que em qualquer lugar do mundo deveriam ser respeitadas como tradições milenares que são. O mundo não nasceu na Europa e não surgiu da América, disso todos sabemos. Não há explicação justa para tais proibições. A sensatez, entretanto, ensina que há pontos de vista diferenciados sobre a matéria. O Ministro inglês da Imigração, Damian Green, em entrevista ao “Daily Telegraph ”, na contra-mão desta ignomínia discriminatória, afirma que “ dizer às pessoas o que elas podem ou não podem usar, se elas estão apenas andando nas ruas, seria algo não britânico.” Uma digna lição de civilidade, I suppose.
[Andrea de Godoy Neto]

(artista: Anónimo de la Piedra - obra da série:Paisaje Cultural )


O Poço

Sentada à beira do poço, que habita minhas entranhas,
a ele lancei olhares, pedras, flores
lancei-lhe moedas (quem sabe fosse este um poço dos desejos?)
a ele lancei lamentos, pedidos, preces
quando mais agitada, a ele lancei meu grito
quando já mais calma, lancei-lhe beijos

Sentada à beira do poço, que habita minhas entranhas
já fiz de tudo,
lancei-lhe estrelas e nuvens, espadas e poemas
mas, nada retornou a mim
é muito profundo, o poço que me habita as entranhas

Agora, sentada à beira dele
lanço-lhe uma linha de pesca e espero
de tudo o que lhe lancei, algo eu hei de pescar
então vou me sentar e, pacientemente, aguardar
de tudo o que lhe lancei,
o que me há de retornar.



(Republicação daqui)


Leia mais: Andrea de Godoy Neto em Olhar em Versos e Inversos: O poço
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Gilda, Se me ha perdido un corazón

Definições definitivas...


O suicídio não deve ser cometido em outra pessoa.

Ars Poética

Lituânia


Sempre aspirei por uma forma mais ampla, que não fosse nem poesia nem prosa em demasia e permitisse a compreensão, sem expor niguém, nem autor nem leitor, a grandes tormentos.

Em sua essência, a poesia é algo horrível: nasce de nós uma coisa que não sabíamos que está dentro

de
nós,
e piscamos os olhos como se através de nós tivesse saltado um tigre,
e tivesse parado na luz, batendo a cauda sobre os quadris.
É por isso que afirmam, com razão, que a poesia é ditada
por um espírito,
embora haja exagero em afirmar-se que se trata de um anjo.

É difícil entender a soberba dos poetas,
por que se envergonham quando a fraqueza deles é
descoberta.
Que homem inteligente gostaria de ser o país dos demônios,
que nele se multiplicam como em sua própria casa, falam inúmeras línguas,
e como se não lhes bastasse roubar-lhe a boca e as mãos,
ainda tentam alterar-lhe o destino a seu bel-prazer?


Porque hoje se respeita tudo o que é adoentado,
alguém poderá pensar que estou brincando apenas,
ou que encontrei uma outra maneira
de elogiar a Arte, através da ironia.
Houve um tempo em que somente livros sábios eram lidos,
que ajudam a suportar a dor e a desgraça.
Mas isso não é o mesmo que examinar milhares
de obras oriundas das clínicas psiquiátricas.


Mas o mundo é diferente daquilo que nos parece,
e nós próprios diferentes de nossos delírios.
Por isso as pessoas conservam sua silente cortesia,
para obter respeito de parentes e vizinhos.


A vantagem da poesia consiste no fato de lembrar-nos
da dificuldade de manter a identidade,
pois a nossa casa está aberta, não há chave na porta,
e hóspedes invisíveis entram e saem.


Concordo, o que estou contando aqui não é poesia.
Poesias devem ser escritas poucas vezes e de má vontade, sob uma pressão insuportável e apenas na esperança
de que os bons espíritos, e não os maus, tenham em nós o
seu
instrumento.



Czeslaw Milosz, Lituânia (1911-2004)

sábado, 24 de julho de 2010

Hoje perguntaram-me...

Hoje perguntaram-me se sou anjo ou demônio.
Hoje perguntaram-me se sou fada ou feiticeira.
Hoje perguntaram -me como existo e se preexisto.
Hoje perguntaram-me se habito na luz ou se me escondo nas trevas.
Hoje disseram-me sobre a necessidade do bem e sobre a nefasta sobrevivência do mal.
Hoje disseram-me que existem caminhos a serem trilhados.
Hoje mostraram-me a direção ao norte.
Hoje mostraram-me por onde não devo  pisar.
Hoje disseram-me que os homens tem valores.
Hoje mostraram-me o céu e localizaram-no entre as estrelas decadentes.
Hoje disseram-me que as brasas são quentes e que podem ferir.
Hoje tentaram fazer-me ouvir.
Escutei tudo como aluna pronta.
Hoje perguntaram-me se sou anjo ou demônio.
Hoje perguntaram-me se sou fada ou feiticeira.
Hoje perguntaram -me como existo e se preexisto.
Hoje perguntaram-me se habito na luz ou se me escondo nas trevas.
Hoje disseram-me sobre a necessidade do bem e sobre a nefasta sobrevivência do mal.
Hoje disseram-me que existem caminhos a serem trilhados.
Hoje mostraram-me a direção ao norte.
Hoje mostraram-me por onde não devo  pisar.
Hoje disseram-me que os homens tem valores.
Hoje mostraram-me o céu e localizaram-no entre as estrelas decadentes.
Hoje disseram-me que as brasas são quentes e que podem ferir.
Hoje tentaram fazer-me ouvir.
Escutei tudo como aluna pronta.
Mas, meus sentidos espontâneos não entenderam nada.
Porque os homens naturais não estavam lá e as vozes que ouvira, eram ocas.
Porque seus corpos , lábios moviam-se, mas de forma desconexa.
Apenas um pequeno ponto insistia em permanecer no mesmo lugar.
Era vermelho rubi e irradiava sem parar.
Mas, eles não o sentiam.
Porque estavam preocupados demais com a oratória e com o que há ao lado.
Eu, com o Amor.
NRC

Corrida contra o tempo

Depois de enfrentar seres mitológicos, fantasmas e espíritos do mau, finalmente conseguiu fugir do casarão assombrado em que estava preso. Começou a correr, e em pouco tempo adquiriu a velocidade de um condor. Como estava na altura das nuvens, começou uma descida íngrime entre campos e florestas de araucáricas em direção ao mar. Quando percebeu estava voando sobre as ondas que quebravam no rochedo, sem qualquer medo. Havia somente o vento, o sol, as rochas e o mar que pareciam se mover em alta velocidade sob seus pés. Ele esquecera de tudo. Com uma manobra incrível, conseguiu aterrissar entre duas pedras pontudas. Mas já era tarde, havia perdido a corrida contra o tempo. A condenação fora aplicada. Restava-lhe apenas a saída de cena.

Cicatrizes...



"Algumas vezes quebram minhas pernas...
chutam minha cara...
pisam nos meus dedos...
Eu sobrevivo...
Tenho sobrevivido...
Sou marcada...Sim...
Mas...
Faço valer cada uma das minhas cicatrizes"

Palavras de Clarah Averbuck...
Tela de Kelly Vivanco...

Os beijos são meus...
Leca...

OS DIAS


Talvez bastasse para ele acender um cigarro para lhe fazer companhia e pensar sobre a sua vida de forma simples. Como se ele não fosse tão só, tão triste, tão fechado. Talvez ele não fume. Talvez hoje ele prefira não pensar. Talvez ele prefira continuar achando que é melhor ser assim, um solitário. Que pessoas vêm e vão, e que isso sempre vai doer. E que ele vai continuar escolhendo a sua própria dor - quase dissimulada - que de certa forma o protege e não o expõe. Talvez ele acredite mesmo que a tristeza é mais segura do que a felicidade. Mas talvez um dia, bem distante de hoje, ele entenda que viver assim só faz a vida correr, deixando dia após dia, um vazio ainda maior.

Dois Poemas

BESOURO

Coleóptero negro pousado na vidraça,
Tu tens mais sentido do que eu,
E aptidão  para a vida
Nessa tua aparição arbitrária.

És tão específico como estrutura compacta.

Tão blindadas são as tuas vísceras!

E ainda compartilhas com os anjos
A euforia de ter asas,
E com as feras a efígie medonha.

Inseto negro pousado na fria vidraça.


UM SÓ DIA 

Eu pretendia lhe falar dos preceitos
Para ter uma bela vida.
Mas, percebi a tempo
Que eram apenas fábulas coligidas
À margem do alvoroço do dia
Perseguido pelos jornais.

Perceba que logo os matutinos serão outros,
Porém, o dia ainda será o mesmo.

Portanto, apenas posso lhe sugerir
Que desconfie dos calendários:
É você que transcorre
E não o índice numérico dos dias ilusórios

Definições definitivas...


A insónia consiste em dormir ao contrário.
Foi ao segundo copo de vinho. Tinto, aveludado, forte. “Já fui casado, a minha mulher morreu, sabias?”. Luzes. O brilho das unhas vermelhas pelos copos. Risos de mulheres. Sim, eu sabia, mas não lhe disse. Cravei os olhos nos dele. Parece ser o homem mais feliz daquela escola. O homem que mais me sorriu num ano de trabalho comum. “Em cinco anos, morreu o meu pai, tive um cancro e a minha mulher morreu.” Risos de homens, calor de um Verão que se cumpre. Jantar de final de ano. Não sabia de tanto, só sabia dela. “Quando vimos a carta para o médico e a lemos juntos, ela disse-me: sabes que isto vai ser uma guerra. Vamos ganhá-la”. Ele venceu. Um ano mais tarde ela sucumbiu. Madalena. Vi Deus, juro que vi, a sair da sala deles nesse dia. Um vulto a voltar-lhes as costas. Ficaram sozinhos e lutaram com todas as armas, as dos homens e as do coração. Só um pode vencer. Foi ele. “Tenho saudades dela, sabes que lhe havia prometido que não morreríamos sem irmos juntos a Paris. Fomos um mês antes dela saber que estava doente, morreu cinco meses depois, às vezes parece que é….”. Ia dizer Deus, mas não conseguiu. O terceiro copo de vinho. Os meus olhos, eram uma tempestade de água e sal. Tanto calor. Os olhos dele, um Pacífico. Como se consegue? O que vai lá dentro? O que vai lá dentro? Decotes e pernas longas a passarem por nós. A Madalena. Que saudades da Madalena. Tantas vezes repetido. Os meus olhos, barcos sem vela, inundados. O sorriso dele. O afago pelo meu braço nu. “Agora já consigo falar dela assim.”. O meu anuir.
Saímos mais tarde para dançar, uma noite num Verão que se cumpre para quem Deus, deixa cá estar. Madalena. 23 de um Julho cheio de estrelas no céu. Madalena.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

ISMÁLIA

Na livro de Mônica Menezes, Estranhamentos, há um poema interessantíssimo intitulado "Como Ismália", quando a poeta parte da ideia contida no poema "Ismália", de Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), para construir a sua personagem poética tal como aquela famosa, que enlouqueceu...

ISMÁLIA
Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...


Ilustração: Lua, de Tarsila do Amaral.

Mateus Aleluia