Há que haver os loucos,
os alucinados, os videntes,
cujo lúcido espírito não repouse como um cadáver
sobre este mundo visível e as verdades consagradas,
e cuja voz profunda exprima o eco e as flutuações
das águas eternas e inaudíveis
que são o destino de todos os barcos.
Há que haver os que despertam à meia-noite
angustiados,
e põem-se a gritar e a clamar dentro das trevas
como uns loucos - não o sendo -
e exprimem numa linguagem que não é a sua,
nem a de seus pais,
nem a de qualquer outro povo da terra,
estranhas visões inacessíveis gravadas em suas retinas,
e depois serenam como o mar após a tempestade
e não sabem mais recordar aquilo que disseram,
e choram quando lhes mostram seus puros êxtases,
e sentem-se miseráveis despertados.
Há que haver os que deixam que suas finas mãos de marfim,
pálidas, sinuosas, quase fluidas,
se arrastem como profetas pelo deserto das longas pautas
e inconscientemente, totalmente a cegas,
gravem para a eternidade, como num frio rochedo,
palavras de fogo e de sangue,
ânsias, ódios, espantosos desesperos,
para depois se admirarem eles próprios daquilo que escreveram,
como sonâmbulos que, de repente e a sós,
despertassem vivos sobre o cume de inatingíveis montanhas
e não mais soubessem o caminho que os conduziu a tão altas paragens,
tão perto dos deuses.
Há que haver os que abandonam o lar, pátria, amigos, cidade,
Há que haver os que abandonam o lar, pátria, amigos, cidade,
velhos hábitos e confortos seculares,
e sem levar nada de seu,
apenas sua consciência desarvorada e lúcida,
põem-se a perseguir novas e estranhas verdades,
como que hipnotizados,
e não mais repousam e dormem, em sua peregrinação,
noite após noite, sol após sol,
até que sintam a paz descer como um bálsamo sobre as suas chagas
e vejam enfim mais nítido dentro da própria alma,
e pela primeira vez se reconheçam em toda a sua nudez,
como o amante à amante no momento supremo da posse.
Walter Campos de Carvalho, Uberaba (MG) - 1916-1998
Ci, que é que é isso? Interresantes as sincronicidades que tenho vivenciado através dos post, dos poemas. Esse me chega na fase da vida em que a mulher precisa enlouquecer para ser inteira. Muito tudo esse poema! rs
ResponderExcluirBeijos,
Um rompimento com um tudo foi o que me passou. Obrigada Cirandeira.
ResponderExcluirAmém a terapia semanal que faço!
Sílvia