sexta-feira, 3 de agosto de 2012

(Dos sonhos VI): pari versos em contrações ritmadas



Eu sou sua mãe, mas ela não sabe. A mulher que a acompanha passa por ser a mãe que eu não pude ser. Havia, sim, uma certa felicidade no rosto da menina, de modo que eu não me sentia culpada por tê-la posto em outros braços, um dia, quando ainda era um bebê.

Quando ela entrou sorrindo, uma ternura sedosa envolveu meu coração e uma voz sussurrou a mim que aquela era minha filha. Que era preciso oferecer-lhe o melhor de mim, ofertar o presente mais bonito do mundo, ainda que ela não soubesse exatamente por que o ganhara.

Estranhamente, nunca parei para pensar o que era, de fato, o melhor de mim, onde se encontrava. Mas no rosto da menina um olhar iluminou meus sentidos e reconheci a riqueza que iria deixar para minha filha: a poesia! Era mesmo estranho que eu soubesse, de repente, que o meu legado e a minha riqueza fossem a poesia.

Encorajei-me a chegar perto da criança e perguntei, sem jeito: “Você quer aprender poesia uma vez por semana?”. A resposta veio rápida e enfática: sim! E combinamos que nos veríamos na primeira aula, semana seguinte.


A criança do sonho era eu própria. O meu dom de criadora negado. A dimensão dos sonhos sedenta de vida. Começo de reconciliação entre a velha senhora saturnina que modelava minha face mundana e a criança asfixiada que buscava transformar estrelas em coroas douradas, metamorfoseando o mundo.

Era preciso criar sem medo, apelando para a espontaneidade infantil, imune aos julgamentos alheios.

E pari versos em contrações ritmadas.

Na poesia dormem filhos que não pude ter.

8 comentários:

  1. que beleza
    poemar é dar à luz
    sempre

    abração

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  2. Tânia!!!
    Que belo!, que belíssimo texto!
    E que bela poeta!!!

    beijoss

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  3. Passei e passo a vida a me dar luz.
    Há dias em que nasço de parto normal.
    Há outros em que me enrolo no cordão umbilical.
    Que raro, profundo e inquietante texto, Tania.
    Você está em uma fase de esplendor literário.
    beijoss

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  4. Ando atenta aos sonhos, Lelena. Essa linguagem sem filtro, voz direta do inconsciente. E aí essa fase de transformá-lo em escrita.

    Beijão,

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