Ninguém presta atenção. Estão a pensar sobre a dimensão vertiginosa dos próprios umbigos há uns quinze
minutos. E é bem provável que continuem pelos próximos quinze meses.
Quem sabe, quinze anos? Em um copo de umbigo caberá sempre um copo cheio: metade de ar, metade de
água (ou de vinho se houver bom gosto e um pouco de boa vontade combinando com uma alma clara e pura). Uma alma clara e pura, colchão para um corpo
cansado. Alguém para se deitar em cima ou ao lado. Alguém que dispense o uso de
travesseiros e segure suas mãos se elas estiverem trêmulas e diga amo você, mena tanda wena, i love you,
mi amas vin quando uma outra pessoa de verbo na ponta da língua não puder assim lhe dizer. Sim, mi amas
vin: eu te amo em
esperanto. Esperanto esperado. Desesperado. L íngua de sonhadoras bocas à procura de um único idioma, idioma diluído na saliva e privado do amor na carne da fé. Fé de férias. Caída. Cansada. Pálida e magra. Fé que sente. Fé distante. Fé doente.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
Frases de Livia Garcia Roza
Meu marido é pelo direito; eu, pelo avesso.
Na relação sexual ambos são objetos.
Tenho uma amiga que se deprime porque a vida é curta. Eu me alegro pelo mesmo motivo.
Sou a mulher da minha vida.
Do sol que foste, guardei a luz.
Marido faz parte de um tempo da vida da gente. Depois, com sorte, encontra-se um companheiro.
A cada encontro, um desencontro; e continuamos a nos lançar na falta que nos rodeia.
Um dia eu disse ao meu analista que tinha muita pena de quem não tinha mãe. E de quem tem, você não tem não? Disse ele.
Estou com dificuldade de estar com vocês porque estou me sentindo em NY. Espero que passe, ou que eu vá.
Somos seres separados. Alguns só se dão conta no final.
Na relação sexual ambos são objetos.
Tenho uma amiga que se deprime porque a vida é curta. Eu me alegro pelo mesmo motivo.
Sou a mulher da minha vida.
Do sol que foste, guardei a luz.
Marido faz parte de um tempo da vida da gente. Depois, com sorte, encontra-se um companheiro.
A cada encontro, um desencontro; e continuamos a nos lançar na falta que nos rodeia.
Um dia eu disse ao meu analista que tinha muita pena de quem não tinha mãe. E de quem tem, você não tem não? Disse ele.
Estou com dificuldade de estar com vocês porque estou me sentindo em NY. Espero que passe, ou que eu vá.
Somos seres separados. Alguns só se dão conta no final.
Atriz no divã
Saramagando
O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas.
-- José Saramago
-- José Saramago
terça-feira, 28 de agosto de 2012
Quando se morre a carne
Ali, no dedilhar do violão, nota-se a unha não roída, a carne não ferida, a cutícula não estraçalhada.
Naquele dia de alto violão via-se a pele limpa, barba feita, dentes escovados e sobrancelhas penteadas. As roupas bem passadas, cheirando a amaciante. Os sapatos lustrados. O bafo sem cigarro, nem bebida indicava o quanto eu o fazia mal antes de nos deixarmos.
Depois de mim a carne podre curou-se e eu ainda aqui chorando em espanhol a canção-carne que nunca ouvi.
Naquele dia de alto violão via-se a pele limpa, barba feita, dentes escovados e sobrancelhas penteadas. As roupas bem passadas, cheirando a amaciante. Os sapatos lustrados. O bafo sem cigarro, nem bebida indicava o quanto eu o fazia mal antes de nos deixarmos.
Depois de mim a carne podre curou-se e eu ainda aqui chorando em espanhol a canção-carne que nunca ouvi.
Da Série, Nus Aéreos
Essas fotos têm 25 anos, de autoria do neozelandês John Crawford -- BBC Brasil.
Foram feitas em filme 35mm, com uma câmera Nikon F3 e uma lente
teleobjetiva de 180mm. Nenhuma delas foi alterada no Photoshop.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
No interior
No interior das palavras perdidas
vestidas de mundo
e de escrita
falam as mãos,
e as verdades
acontecem
entre as nuvens
e as mentiras.
domingo, 26 de agosto de 2012
Caprichos do mar
o mar embriagou-se
morreu na praia
dos desejos incandescentes
qual o luar...
maré alta baixa maré
vai e vem a saudade
da saudade do amanhã:
eu era feliz? não sabia...
o mar dessalinizou
se os dias eram doces
hoje o algodão é pano-de-chão:
todos pisam, todos sujam...
o mar quando quebra na praia
meus pensamentos esfacela:
dele sou estrela
água-viva a queimar na praia...!
sábado, 25 de agosto de 2012
(Dos sonhos VIII): "Fazer ressoar o verbo primitivo que está por trás das palavras”.
“”Venham para a beira.”
“Não podemos. Temos medo.”
“Venham para a beira.”
“Não podemos. Vamos cair!”
“Venham para a beira.”
E eles foram.
E ele os empurrou.
E eles voaram.
Venham.Vamos, voar juntos.”
“Não podemos. Temos medo.”
“Venham para a beira.”
“Não podemos. Vamos cair!”
“Venham para a beira.”
E eles foram.
E ele os empurrou.
E eles voaram.
Venham.Vamos, voar juntos.”
( Guillaume Apollinaire)
Um súbito clarão anunciou a ira divina, trovejada aos quatro cantos da terra. Eu precisava de um útero para me esconder de Deus. Precisava da concavidade sombria da rocha, do fogo nascido dos paus atritados, das danças e sacrifícios que abradam a fúria e devolvem ao homem o silêncio e a Vida.
Era tudo tão antigo. Riscos nas cavernas tentavam registrar uma linguagem que resistisse ao tempo. O sexo e a carne fresca dos bichos eram o que abrandava a fome. Tudo era indício de que eu precisava voltar. Procurar o início, monstros desaparecidos que hoje dormem no ventre dos homens.
E o eu onírico avançava. Em vigília, porém, a outra que eu era banhava-se em perfume amadeirado e tentava traduzir o mundo apenas pelos livros. Versos com garras afiadas precipitavam-se, contudo, sobre o papel branco, até sangrá-lo. O que eu queria, não sabia dizer. E fui caminhando em busca de mim mesma.
O eu vígil enfrentou, concretamente, o grande desafio de subir o morro e rolar deitada num saco fechado. Veio o medo da altura. Dos céus. Da ascensão. Mas a voz da “mestra” explicou, paciente: “Olhe apenas o passo seguinte. Não olhe o alto do morro, apenas o próximo passo". E assim cheguei ao alto do morro e desci rolando, na escuridão, a ribanceira acidentada e endurecida.
A sensação foi indescritível. Eu me atirara a um destino misterioso sem o controle dos sentidos e desfrutava do prazer de ver meu corpo girando sem domínio, sem segurança, sem saber o que me aguardava lá embaixo.
À noite sonhei, então, que dera à luz um menino índio, e que com ternura segurava-o nos braços, cravando meus olhos grandes nos seus pequeninos. Porque me atirara na escuridão do abismo, criei. Porque me entregara às profundezas sem medo, um novo rebento avivou minha alma e trouxe-me a consciência de que não é possível criar verdadeiramente sem mergulhar nas águas escuras e profundas do inconsciente.
Há abismos das alturas como o há das profundezas. Céus e infernos. Ambos são caminhos para a suprema integração. É preciso coragem, porém, para escolher o caminho sem fundo do abismo. É preciso acreditar numa outra orientação, que não passe pelos caminhos da razão. Atirar-se, sem enxergar, ao abismo é reanimar a criança aprisionada pelo medo, e, consequentemente, vislumbrar caminhos antes não vistos.
Um salto no escuro sensibiliza nossos sentidos ocultos e nos habilita a sermos os deuses criadores que somos. A Arte é filha da escuridão dos abismos aos quais nos atiramos. Criar é encarnar o Arcano Sem Número do Tarô, "O louco", que simboliza a criança, o vazio, a espontaneidade e a originalidades perdidas.
Nossos sonhos são, certamente, nossos guias mais fieis. Traduzem, simbolicamente, a linguagem das águas turvas das nossas origens. Mas a Arte é também, na maioria das vezes, um salto no escuro. Caminho para retratar o fundo do abismo. Muitas vezes, diante do papel em branco, fico pensando nas palavras do escritor alemão Gerhart Hauptmann: “Poetar quer dizer fazer ressoar o verbo primitivo que está por trás das palavras”. Cair no abismo e levantar inteiro, diria eu.
Um salto no escuro sensibiliza nossos sentidos ocultos e nos habilita a sermos os deuses criadores que somos. A Arte é filha da escuridão dos abismos aos quais nos atiramos. Criar é encarnar o Arcano Sem Número do Tarô, "O louco", que simboliza a criança, o vazio, a espontaneidade e a originalidades perdidas.
Nossos sonhos são, certamente, nossos guias mais fieis. Traduzem, simbolicamente, a linguagem das águas turvas das nossas origens. Mas a Arte é também, na maioria das vezes, um salto no escuro. Caminho para retratar o fundo do abismo. Muitas vezes, diante do papel em branco, fico pensando nas palavras do escritor alemão Gerhart Hauptmann: “Poetar quer dizer fazer ressoar o verbo primitivo que está por trás das palavras”. Cair no abismo e levantar inteiro, diria eu.
Mais "sonhos" no http://roxo-violeta.blogspot.com.br/
As falas do silêncio
O rosto inspira
silêncio
na paz na guerra
um silêncio brilhante
intenso.
Não é um silêncio de
mortos
antes dos vivos
tranquilo
como se fossem velhas
casas
silêncio de céu
nublado
estrelas ressurgidas
silêncio branco dos
descampados.
O rosto inspira
tantas vezes
silêncios rubros de
horas de amor
cálidos
ternos
silêncios bons.
O rosto amigo
que às vezes
entristece
e tantas vezes encontro
reúne silêncios
de repousar
viver
entendimento puro
de quem há muito
já não precisa das
palavras.
Os mortos de sobrecasaca
Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,
alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,
em que todos se debruçavam
na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.
Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes
e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos.
Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava
que rebentava daquelas páginas.
Carlos Drummond de Andrade, em Sentimento do mundo
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Agora
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
Imagem: http://envolverde.com.br
Namor, meu príncipe submarino,
em noites de festa,
você é o peixe
a que me agarro
para surfar à flor da água.
Eu sou a humana
abraçada a seu corpo de boto,
Amazônico,
sou a moça que mergulha e voa
confiante em suas guelras
e em seus pés alados.
Depois, cansados,
eu sou a sereia
grávida de sonho e águas
que repousa a cabeça
em seu peito prata.
em noites de festa,
você é o peixe
a que me agarro
para surfar à flor da água.
Eu sou a humana
abraçada a seu corpo de boto,
Amazônico,
sou a moça que mergulha e voa
confiante em suas guelras
e em seus pés alados.
Depois, cansados,
eu sou a sereia
grávida de sonho e águas
que repousa a cabeça
em seu peito prata.
Martha
terça-feira, 21 de agosto de 2012
Vida, vida
Não acredito em presságios nem temo
os pressentimentos. Não fujo nem da calúnia
nem do veneno. A morte não existe.
Todos são imortais. Tudo também.
Não há sentido em temer a morte aos sete,
ou ao setenta. Só há aqui e agora, e a luz;
nem morte, nem escuridão existem.
Já estamos todos à beira-mar;
E eu sou um desses que vasculham as redes
quando um cardume de imortalidade passa nadando.
Poema de Arsêny Aleksándrovitch Tarkóvski
Não há sentido em temer a morte aos sete,
ou ao setenta. Só há aqui e agora, e a luz;
nem morte, nem escuridão existem.
Já estamos todos à beira-mar;
E eu sou um desses que vasculham as redes
quando um cardume de imortalidade passa nadando.
Poema de Arsêny Aleksándrovitch Tarkóvski
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
«Poderia ter escrito a tremer de respirares tão longe
Ter escrito com o sangue.
Também poderia ter escrito as visões
Se os olhos divididos em partes não sobrasssem
No vazio da ceguez
E luz.
Poderia ter escrito o que sei
Do futuro e de ti
E de ter visto no deserto
O silêncio, o fogo e o dilúvio.
De dormir cheio de sede e poderia
Escrever
O interior do repouso
E ser faúlha onde a morte vive
E a vida rompe.
E poderia ter escrito o meu nome no teu nome
Porque me alimento da tua boca
E na palavra me sustento em ti.»
Ter escrito com o sangue.
Também poderia ter escrito as visões
Se os olhos divididos em partes não sobrasssem
No vazio da ceguez
E luz.
Poderia ter escrito o que sei
Do futuro e de ti
E de ter visto no deserto
O silêncio, o fogo e o dilúvio.
De dormir cheio de sede e poderia
Escrever
O interior do repouso
E ser faúlha onde a morte vive
E a vida rompe.
E poderia ter escrito o meu nome no teu nome
Porque me alimento da tua boca
E na palavra me sustento em ti.»
Poesia, Daniel Faria (Ed. Assírio & Alvim)
domingo, 19 de agosto de 2012
sábado, 18 de agosto de 2012
Baias da memória...
Um 'mimo' para "dade amorim"
O poema abaixo - Baias da memória - me fez lembrar dessa poesia cantada.
Viagem
De: Paulo Cesar Pinheiro
Por: Emílio Santiago
Com amor e carinho
Sílvia Costardi
Baias da memória
Imagem sem menção de autor.
As casas onde morei fizeram água
e as árvores do pomar perderam a sombra.
Só me restaram coisas sem valia
que envolvi em sedas coloridas.
Nas baias da memória
moram um alazão alado
e um baio esguio e bonito
que não consigo arrear.
Mora um gato almiscarado
numa urna de alabastro
e uma sereia de sol e tabaco
que em dias frios
desfaz as tranças na praia
e some em grutas de rio.
O sono rouba o sossego
e traz de volta faces do passado
acaricia traiçoeiro meus cabelos
e traça rumos ao céu dos quatro ventos
onde me perco.
e as árvores do pomar perderam a sombra.
Só me restaram coisas sem valia
que envolvi em sedas coloridas.
Nas baias da memória
moram um alazão alado
e um baio esguio e bonito
que não consigo arrear.
Mora um gato almiscarado
numa urna de alabastro
e uma sereia de sol e tabaco
que em dias frios
desfaz as tranças na praia
e some em grutas de rio.
O sono rouba o sossego
e traz de volta faces do passado
acaricia traiçoeiro meus cabelos
e traça rumos ao céu dos quatro ventos
onde me perco.
O cerco da memória é como um sono
a devorar as portas do presente.
Mas onde deixarei minha bagagem
se a estância do presente não tem baias?
Para onde voarão minhas imagens
abandonadas sem asas neste chão
ainda que seja o único existente?
Essa letra
Ó
essa letra
não espera frase
e procura a cama
pra destravar
Ó
a caligrafia
e os nós
desse corpo
entortado
em linha.
essa letra
não espera frase
e procura a cama
pra destravar
Ó
a caligrafia
e os nós
desse corpo
entortado
em linha.
Da série ouvindo no carro
Porque se chamava homem também se chamava sonhos e sonhos não envelhecem...
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
As nuvens
As nuvens são cabelos
crescendo como rios;
são os gestos brancos da cantora muda;
são estátuas em voo
à beira de um mar;
a fauna e a flora leves
de países ao vento;
são o olho pintado
escorrendo imóvel;
e a mulher que se debruça
nas varandas do sono;
são a morte(a espera da)atrás dos olhos fechados;
a medicina branca!
Nossos dias brancos.
João Cabral de Melo Neto
Fernando Pessoa(s) !
- Sonhei, confuso, e o sono foi disperso,
- Fernando Pessoa, 28-9-1933.
Mas, quando dispertei da confusão,
Vi que esta vida aqui e este universo
Não são mais claros do que os sonhos sãoObscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusão
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.
Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.
Nada é real, nada em seus vãos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa só ouvida.
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
Da série ouvindo no carro
Quando eu ando assim meio down, escuto Kleiton & Kledir e, bah, tri legal!!
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
terça-feira, 14 de agosto de 2012
(Dos sonhos VII): Pele escamosa e poesia sibilante
Primeiro vieram as dúvidas, trêmulas lamparinas a iluminar o rosto da Verdade. A Dúvida é um vento que levanta os finos véus através dos quais enxergamos a existência. Prece libertadora bradada aos quatro cantos do mundo: “Que a Dúvida possa me levar aos inúmeros caminhos que ainda não percorri, até que descubra, enfim, que toda a vida é apenas ilusão”.
E, assim, intensificou-se o vento, derrubando crenças e credos, deixando à mostra verdades que nunca me ensinaram e que contradiziam os ensinamentos de todos os mestres eventuais ao longo do caminho.
Epifanias. Coisas que nunca me disseram incendiaram minha mente com o seu clarão, e eu era então portadora do fogo divino. Como mulher, sabia-me agora guardiã de segredos ocultos, seculares. Vestida no corpo de plácidas anciãs, aprendi a ser guia, a fazer cessar a chuva, abrir caminhos entre as nuvens, a abdicar da condição de costela e a fazer-me inteira, nascida de mim mesma.
Depois veio a noite e o sonho. Uma grande serpente fixou seus olhos rasgados nos meus. Quem era ela e o que queria de mim, eu ainda não sabia. Diminuta, diante dela, esperei. Nada me disse e eu era puro assombro paralisado.
Não era a primeira vez que ela viera. No primeiro sonho, anos atrás, ela tomava, inteira, a cabana coberta de palha onde eu dormia. Assustou-me por ser tão infinitamente maior que eu. Daquela vez deixou silêncio, mudez, fagulhas de luz que reaçalvam as trevas, sem, no entanto desvendá-la.
Agora era diferente. Eu já me dera conta da cauda que eu escondia sob o delicado vestido azul. Eu já conhecia minhas retinas ardendo na escuridão da madrugada. Decifrava os augúrios dos bichos. Meu pranto abafado pelo travesseiro era uivo.
Fiz longo caminho para reencontrá-la. Andei para trás. Troquei o olfato pelo faro. Defrontei-me com minha pele escamosa e arrisquei a poesia sibilante. Sabia que o meu veneno era também antídoto.
A serpente mostrou-se a mim como o velho Deus primário encontrado na origem de todas as cosmogêneses, antes que as religiões do espírito a destronassem. Sua mensagem é revitalizadora: já não necessito da moral simplificadora do Bem e do Mal, que reprime no inconsciente as aspirações e inspirações mais profundas do ser. O velho Deus primário mostrou-me sua face. Agora posso entregar-me à Noite sem medo.
Mais sonhos no Roxo-violeta:
domingo, 12 de agosto de 2012
Num exercício de cartas
Pelo canto das palavras
uma fileira de olhos desfila
apesar do que dizem
a história
ainda sem fim.
Pelo canto das palavras
uma letra entra dentro da outra
nos pingos de um músculo
blindado
como um céu
afastado do sul.
Pelo canto das palavras
uma moça joga paciência
num exercício de cartas
embaralhadas de nuvens
navalhadas de amor.
sábado, 11 de agosto de 2012
Mensagem
Há que haver os loucos,
os alucinados, os videntes,
cujo lúcido espírito não repouse como um cadáver
sobre este mundo visível e as verdades consagradas,
e cuja voz profunda exprima o eco e as flutuações
das águas eternas e inaudíveis
que são o destino de todos os barcos.
Há que haver os que despertam à meia-noite
angustiados,
e põem-se a gritar e a clamar dentro das trevas
como uns loucos - não o sendo -
e exprimem numa linguagem que não é a sua,
nem a de seus pais,
nem a de qualquer outro povo da terra,
estranhas visões inacessíveis gravadas em suas retinas,
e depois serenam como o mar após a tempestade
e não sabem mais recordar aquilo que disseram,
e choram quando lhes mostram seus puros êxtases,
e sentem-se miseráveis despertados.
Há que haver os que deixam que suas finas mãos de marfim,
pálidas, sinuosas, quase fluidas,
se arrastem como profetas pelo deserto das longas pautas
e inconscientemente, totalmente a cegas,
gravem para a eternidade, como num frio rochedo,
palavras de fogo e de sangue,
ânsias, ódios, espantosos desesperos,
para depois se admirarem eles próprios daquilo que escreveram,
como sonâmbulos que, de repente e a sós,
despertassem vivos sobre o cume de inatingíveis montanhas
e não mais soubessem o caminho que os conduziu a tão altas paragens,
tão perto dos deuses.
Há que haver os que abandonam o lar, pátria, amigos, cidade,
Há que haver os que abandonam o lar, pátria, amigos, cidade,
velhos hábitos e confortos seculares,
e sem levar nada de seu,
apenas sua consciência desarvorada e lúcida,
põem-se a perseguir novas e estranhas verdades,
como que hipnotizados,
e não mais repousam e dormem, em sua peregrinação,
noite após noite, sol após sol,
até que sintam a paz descer como um bálsamo sobre as suas chagas
e vejam enfim mais nítido dentro da própria alma,
e pela primeira vez se reconheçam em toda a sua nudez,
como o amante à amante no momento supremo da posse.
Walter Campos de Carvalho, Uberaba (MG) - 1916-1998
Corpo ou Espelho
Provavelmente serei eu
quase minha
aquela sombra embaciada
no espelho
mar inteiro de sete espinhos
em concha
a coroa
manchada a radiografia do tempo
onde eu
toco, traço, tramo
o todo cada dia em cansaço.
E aparentemente, meu
quase meu
tecido nublado no dia, pano cru
áspero e opaco,
lugar velho
e quebraluz que no corpo não me condiz,
que se apega e aparenta
onde eu
toco, traço e engano
todo o cada dia, um traço
o tanto aparente eclipse.
E provavelmente serei eu
a quase toda a manhã
que me encomendo ao mapa
das transparência
dos voos da ave
que trago no meu corpo, no canto que migratório
se faz céu na minha pele
onde eu
toco, traço o tempo
desfeito sombra no espelho
no todo o cada dia,
o cada lugar meu
onde nunca serei raiz.
E aparentemente, esse espelho
essa sombra,
já cansaço, corpo gasto, braço de rio
essa solta corrente, devagar
o pouco lugar que me reclama.
Poema de Leonardo B.
http://abarcadosamantes.blogspot.pt/
Imagem: Katia Chausheva
Música: Flor da noite
Autoria:Celso Fonseca e Ronaldo Bastos
Por: Nana Caymmi
O mais que possa, o mais que saiba, incondicionalmente...
Um 'mimo' ao Poeta Pássaro Leonardo B. Minha homenagem
Com amor e carinho,
Sílvia Costardi
O poema
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
Do que é maior
intento que o silêncio
seja maior que nós
que qualquer palavra
seja demasiadamente mínima
para preencher este espaço
de tanta distância
então, revolvo minha sede
nada nem ninguém
nos salvará
a não ser isso:
um silêncio íntimo
e infinito que pulsa
na casa do coração
(Luiza Maciel Nogueira)
O desenho é uma homenagem para um grande filósofo Gaston Bachelard, que já dizia que a casa é um "estado de alma".
seja maior que nós
que qualquer palavra
seja demasiadamente mínima
para preencher este espaço
de tanta distância
então, revolvo minha sede
nada nem ninguém
nos salvará
a não ser isso:
um silêncio íntimo
e infinito que pulsa
na casa do coração
(Luiza Maciel Nogueira)
O desenho é uma homenagem para um grande filósofo Gaston Bachelard, que já dizia que a casa é um "estado de alma".
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
E por fim... "Não é Pecado"!
Com os níveis de ansiedade controlados o melhor que
pudemos e soubemos, por fim divulgamos o trabalho, os mistérios a que nos dedicámos,
eu e o João Ricardo, durante uma semana intensa, vivida, gratificante em torno
dum desafio lançado pela Anamar, há umas semanas, em que não era mais nem menos
que a partir do seu novo single “Não é Pecado” cada um dos participantes
realizasse um videoclip a partir da Master Final, que a cantora cedeu para o
efeito...
Quase naturalmente, hesitei muito em aventurar-me numa área
que desconheço por inteiro, mas com o impulso, com a empatia do meu garoto, com
o seu entusiasmo, “arregaçámos as mangas” e fizemos, dedicámo-nos, entregámos o
melhor de nós a cada instante na realização do clip; dos momentos de filmagem à
montagem do filme, dos visionamentos dos filmes da Maya Deren para “retirar”
quatro segundos de filme à aventura que foi filmar a Tânia, sem que ela
soubesse rigorosamente nada do que se estava a passar, de toda a entrega e
empenho que colocámos, fazendo destes simples amadores por momentos sentirem-se
“realizadores à séria”, tudo isso só foi possível pelos astros e… pela canção,
pelo momento único que é o regresso da Anamar, artista que trago “entre os meus”,
desde os tempos em que a Ama Romanta representava (e ainda representa!) o que
de melhor se fez em Portugal… e a Anamar estará sempre ligada, nesta modesta
opinião, ao momento em que a arte neste país se superou, foi muito além das
colagens à efémera arte dos tops… mas isso são outras questões!...
A Anamar está de regresso, no melhor regresso que poderia acontecer, com uma canção (para já!) que se entranha, sem estranhar sequer… e nós, eu e o João, sentimos um especial carinho, um especial orgulho (sem ponta de pecado!) em estarmos associados, também, a este momento; o nosso, é um trabalho infinitamente pequeno diante do que merece este momento, esta canção… mas a esse entregámos, incondicionalmente, tudo… até uma lágrima final, e até porque não é pecado!
Tão gratos por este momento, único, singular, tão especial… somos e entregamo-nos incondicionalmente, nesse
Imenso Abraço, Anamar!
E tão Grato, João, pelo ser especial que és… e por tudo o que faço e farei por ti; estive neste projecto, pela tua forma de seres especial… e afinal foi muito mais além; fiquei e fico nesta arte que não si dominar, por completo!
[breve aparte: deixo um abraço duplamente especial à Anamar pelo momento inexplicável que senti, ao escutar “de coração aberto”, depois dumas cento e muitas vezes a canção no MP4, e aquando da montagem do vídeo, como um riscar de fósforo inexplicável, senti um “arrepio na espinha”… pois que ainda não me tinha apercebido que, verso por verso, o texto, o poema “Não é Pecado”, poderia ter sido escrito… para mim!... e que num momento particularmente vulnerável, fez-me sentir… especial!
Tão Grato nesse Imenso,
Imenso Abraço, Anamar!]
A Anamar está de regresso, no melhor regresso que poderia acontecer, com uma canção (para já!) que se entranha, sem estranhar sequer… e nós, eu e o João, sentimos um especial carinho, um especial orgulho (sem ponta de pecado!) em estarmos associados, também, a este momento; o nosso, é um trabalho infinitamente pequeno diante do que merece este momento, esta canção… mas a esse entregámos, incondicionalmente, tudo… até uma lágrima final, e até porque não é pecado!
Tão gratos por este momento, único, singular, tão especial… somos e entregamo-nos incondicionalmente, nesse
Imenso Abraço, Anamar!
E tão Grato, João, pelo ser especial que és… e por tudo o que faço e farei por ti; estive neste projecto, pela tua forma de seres especial… e afinal foi muito mais além; fiquei e fico nesta arte que não si dominar, por completo!
[breve aparte: deixo um abraço duplamente especial à Anamar pelo momento inexplicável que senti, ao escutar “de coração aberto”, depois dumas cento e muitas vezes a canção no MP4, e aquando da montagem do vídeo, como um riscar de fósforo inexplicável, senti um “arrepio na espinha”… pois que ainda não me tinha apercebido que, verso por verso, o texto, o poema “Não é Pecado”, poderia ter sido escrito… para mim!... e que num momento particularmente vulnerável, fez-me sentir… especial!
Tão Grato nesse Imenso,
Imenso Abraço, Anamar!]
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