sábado, 25 de fevereiro de 2012

Presença de Manuel Bandeira em 1922






Os Sapos


Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...

Manuel Bandeira escreveu esse poema em 1918, foi publicado em 1919, e em 1922 Ronald de Carvalho o declamou por ocasião da Semana de de Arte Moderna em São Paulo, dando início ao Modernismo na Literatura e nas Artes no Brasil. Nesse poema Manuel Bandeira satiriza os poetas parnasianos comparando-os ao coaxar dos sapos, pois essa corrente da poética só aceitava a poesia rimada, formal.

2 comentários:

  1. Sempre há a hora de se extrair a palavra da fôrma gasta, ainda que [e sobretudo se] consagrada. Bandeira deu o recado.

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  2. Que posso dizer diante de Bandeira e Marcelo constatando o fato!

    Brilhante!

    Beijos

    Mirze

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