domingo, 12 de fevereiro de 2012

Saudade é janela

Estar em viagem é algo muito solitário, penso eu. Mesmo que estejamos em excursão, coisa que detesto, em meio a uma multidão, sempre é o nosso olhar que vê determinada coisa, um pequeno detalhe que torna aquele momento especial, aquele monumento ou paisagem inesquecíveis, um cheiro, um sabor, aquele beijo... é porque partimos carregados de passado, de tudo que nos aconteceu e que nos formou. O que encontramos adiante, depois da partida, é capturado a partir de todos esses prismas, todas essas informações e nisso é impossível ter uma percepção coletiva, é tão somente nosso como este sabor de café que sinto agora em minha boca, enquanto escrevo, deitado numa cama que nunca foi minha e que passou a ser há três semanas. Isso de pertencimento também muda tanto. Algo que nunca foi e nunca mais será, começa a te pertencer temporariamente e isso também é a viagem. O cheiro do sabão em pó, a luz que entra pelo teto de vidro da cozinha, o quintal cheio de neve demorando a derreter, a cortina, o abajur, os três potinhos coloridos de palha e o rádio antigo que nunca cantou para mim. Nunca mais os terei, mas serão tão meus quanto a televisão no chão do quarto em Salvador, os três colchões empilhados no lastro, o guarda-roupa de cupim, as gavetas, as prateleiras e o corredor. Como também me perteceu a escada, a varanda, o telhadinho na frente da casa por onde Patricia fugia dos castigos e as janelas, os paralelepípedos e antes o chão de barro. Como aquele imenso corredor, quarto do meio, do santo, banheiro, bengala, torradas e janela que se abria para a rua que dá na praça. Talvez nunca mais os possua, certeza não possuir, mas são meus para sempre.

Eu falava de saudade.

Eu senti saudade antes mesmo de partir e vim compreender o porque há pouco tempo. Não era saudade do que ficou, não é somente porque deixei as pessoas lá, mas porque não as tenho aqui para copartilhar. Saudade, para mim, é esta falta de compartilhamento deste sabor de café que ainda está na boca, destes potes coloridos, do abajur, da neve, da cortina, da cama e sabão em pó. É porque ninguém sabe, nem saberá, quais as músicas que ouvi, o que senti, quais as minhas alegrias e tristezas e porque as senti. Saudade é quando a viagem se torna apenas silêncio, enquanto o mundo se agita aqui dentro e não tem quem venha ver nessa janela aberta.

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