quinta-feira, 30 de junho de 2011

Definições definitivas...

Para o alfaiate, o amor é... terno.

A Chuva de Maria

Invenção da poesia: Martha Galrão
poetas de todo mundo escrevendo por toda parte

José Inácio Vieira de Melo

Aos porões o sempre



Que se diga primeiro que havia tristeza e silêncio nas horas do homem da história. Quanto à descrição do quarto sem luz em que o encontramos, que se enfatize a impossibilidade da porta e das janelas - era o mundo do homem só. Sobre a noite que avançava, saibam, não havia sono que o libertasse de si nem remédio para as feridas que colhera no tempo. A metros dali, estava a coordenadora da casa de repouso em que morria lentamente esse homem da tristeza. Esta, ao saber da escuridão e dos porões que guardavam as tristes memórias do mundo de antes do homem do quarto, decidiu convidar à história quem dela faria melhor uso – a moça da vingança. Assim, apareceu nessa tristeza contada a mulher que tinha mais passado no que vivia, e carregava em sorrisos de metade os traumas e as ausências. Começou a visitar o homem do silêncio na semana seguinte, fingindo ser aquela que usava afeto e sensibilidade contra a escuridão lá fora do sistema. Havia razões para odiar aquele que interditara décadas antes o caminho em que ela ia, mas encontrou ali um senhor de olhar distante, um velhinho indefeso. Mudanças. Com segundos planos, ela estendeu ao homem da solidão parada a estrada das mil possibilidades. No primeiro sorriso ele já acreditou. E foi tanta visita aos sentimentos que ele voltou a dormir. Também nos dias de sol arriscou alegrar-se; e com mais medidas de tudo voltou a amar. A moça da intenção velada, com idade de filha, devolveu o oposto do que recebeu em dobro; daquele silêncio distante reinventou um homem, deu-lhe vida. Então o amor passou a ser o tamanho do quarto, que ficou pequeno para existir dentro e só. Ela o levou aos passeios da cidade, aos sorvetes das tardes, ao colorido das manhãs, como se o amasse como pai, como se houvesse isso na intenção. No entanto ele, amando-a como se fosse filha, abriu os caminhos da alma; tanto assim escancarada para não haver volta, mesmo sem saber as dores. Eis o resultado: de amor estava consolidado o mais controverso laço. A moça conseguiu. Aos de vingança, o melhor momento de ataque é o percebimento da fragilidade do adversário. Foi isso. O homem era só de estima paternal e olhos no dia em que ela decidiu espalhar sobre a mesa as fotos de dois jornalistas que silenciaram para sempre nas mãos de um carrasco. Era um casal: mãe e pai da moça - discursos abafados; corpos enterrados em matagais. Foi fato não divulgado nos tempos da ditadura militar; tempos em que problemas se resolviam com pancada, com cordas, alicates e porões. Essa tristeza, velha companheira, rebocou-o de volta ao passado, ao silêncio do quarto pequeno na escuridão. Olhou para as mãos enrugadas. Não havia água que lavasse ali a sensação de sangue, nem música que apagasse os gritos ainda lá nos corredores sombrios da memória. Ela insistia com o amor nas fotografias, com dedos deslizantes sobre sorrisos de gente morta, a maldizer ainda seu destino de órfã, com perguntas sem intenções de resposta, só desabafo. Esse tanto de amor presenciado, recém-percebido, sem doer em lugar certo, torturava o homem da tristeza sem fim, que tanto investiu nas tramas do caminho oposto - violência. Curiosamente, a última lição a conferir deste amor era contra ele mesmo, algo a roer-lhe a consciência no sempre dos dias, a mostrar-lhe tardiamente o outro lado da história. A moça da vingança chorou mais três instantes e saiu. Antes, beijou, por mais intenção, a testa daquele que assassinou seus pais: era somente um homem idoso, assustado, vencido, mais morto que vivo, a secar no silêncio que cresceu dali para muito mais. Depois da porta, ainda que sem solução para as lacunas, havia o caminho; ela foi e nunca chegou.


A imagem acima é intitulada "Las manos del terror"; 
foi pintada por Oswaldo Guayasamín (1919-1999).

terça-feira, 28 de junho de 2011

Convite para exposição


Queridos amigos

convido a todos para minha próxima exposição, em conjunto com Ivonete, com abertura no dia 08/07/2011 às 19 horas na Galeria do Conselho, anexo ao Palácio da Aclamação, no Campo Grande em Salvador. Conto com a presença de todos para dividirmos esse momento feliz. Os que moram na Bahia, considerem-se intimados! Até breve!

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A cicatriz do ar




Abre a pele para receber o corte das frases e partilhar, com o sangue, o seu espanto. Abre a pele para multiplicar a lavoura e oferecer as suas nuvens mais uma  estação de chuvas. Abre a pele para engravidar-se, inesperadamente, de uma nova e rara literatura.

Fallorca blog: O cheiro dos livros.

Invernos


       Distraída, nem percebe a velocidade com que o chá esfria. Feita de sul, perde a maresia das horas e do verão adiado para o próximo ano, adiado como a si própria a esperar o momento em que há de desembarcar os vestígios que imobilizam os dedos antes de se materializarem as palavras congeladas já no céu da boca, céu sem nuvens e cristalizado em temporais de saliva.

domingo, 26 de junho de 2011

José de Nebra Blasco (1702-1768) por Liuwe Tamminga

Banho de Sol


Banho de sol

A natureza fala comigo.
Invade-me pelos poros
do corpo
Largado, solto na madeira
rústica
que emana cheiros de pinho.
Exausto.
O sol que me arde,
frio
Percorre-me a espinha
Transborda-me e me deixa vazio,


Rijo,
intenso.

Em convulsão...

Depois fraco,

sonolento,

completo e,
cheio de vitalidade.


Alexandre Pedro


sábado, 25 de junho de 2011

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Definições definitivas...

A língua é um órgão muscular erótico multidisciplinar, frequentemente utilizado pelos antigos para falarem.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Fugindo à Poesia:


Fugindo à Poesia:

...Eu vou tirar você de letra, vou riscar os meus rabiscos;

vou desfazer seu nome, suas rimas;

vou escandir seus versos e amarrar suas asas;

e então, calar suas palavras e esvaziar-lhes os sentidos.

Que aqui dentro você explode, e me faz fingir.


Alexandre Pedro
SP – 02/04/2011

Fotografia: Rodrigo Nogueira

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Definições definitivas...

Os Estados Unidos são um país tão desenvolvido, que até os mendigos falam inglês.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Definições definitivas...

Se nem Jesus admitia que a mãe dele fazia sexo, por que é que eu tenho que admitir que a minha o fez?

segunda-feira, 20 de junho de 2011

domingo, 19 de junho de 2011

Minha transgressão, raiva e cansaço

Há uns dias assisti ao programa de entrevistas Provocações, apresentado por Antônio Abujamra. Ele perguntava auma entrevistada o que tinha feito de mais transgressor na vida. Esta pergunta me chamou logo atenção e não lembro da resposta da convidada porque fiquei refletindo sobre as minhas transgressões. Eu achava que tinha feito muitas, comecei a lembrar de coisas, aprontes, pensamentos, mas logo percebi que nada era tão transgressor assim que pudesse responder ao entrevistador. A não ser o fato de ter escolhido a vida. Então achei a resposta para a questão: VIVER é o meu ato mais transgressor. Afirmo isso com todas as letras porque vivo num mundo que me diz o contrário, me estimula a não-vida, ao não-mundo. Sem acessibilidade e sem acesso às coisas como viver? É como se dissessem: oh meu filho, agradeça que você respira, se contente com isso, fique em casa tomando remédio, assisntindo a sua tv e nos deixe em paz, quietos. Você aqui nos atrapalha. Digo o mundo porque em nenhum lugar que já visitei é possível eu execer a liberdade de forma plena. Londres, Paris, Lisboa, Buenos Aires, São Paulo... em nehuma cidade dessa (nem conta as pequenas) há uma consciência sobre acesibilidade.  Umas com mais outras com menos, mas nenhuma completamente acessível. Eu teimoso e sem querer pensar na possibilidade de me excluir, insisto em me colocar na vida de forma plena, como uma postura política, como uma postura de luta, de briga, como escolha de vida.

Todo mundo quando vai sair para encontrar amigos ou paqueras, assistir a um espetáculo, beber um pouco com a turma, fazer uma noitada, se preocupa com o que vai usar, quer se fazer bonito para se sentir bem. Eu, além da roupa, tenho que pensar no arsenal que levarei à rua porque é certeza ter que lutar, o mínimo que seja, para que a noite seja proveitosa, para curtir o que me é direito.

Ontem esqueci e sai desarmado. Fui à Mouraria com uma amiga querida, companheira de tantas coisas, de perrengues até em Paris. Sentamos numa mesa na rua e conversamos animadamente, torcemos pelo futebol, falamos besteiras e tomamos cerveja. Como é sabido, cerveja é uma bebida diurética, poucos copos depois veio a vontade de ir ao banheiro. Nenhum bar do lugar (que pertence a mesma dona) tinha banheiro adaptado, para mim nem precisava seguir as regras (exigências de lei), mas que tivesse uma porta larga que a cadeira de rodas pudesse entrar. Eu já não aguentava mais de vontade e me dirigi a uma árvora para poder fazer minha necessidade. O bar fica atrás do Quartel da Mouraria. Quando acabei o "serviço" um militar colocou o rosto na janela da guarita e me repreendeu, dizendo que eu não podia ter feito aquilo. Expliquei a ele que em tese eu não deveria fazer, que sei que existe uma lei que combate este ato, mas que também existe uma lei que exige que todos os estabelicimentos tenham acessibilidade para pessoas com deficiência. Diante disse o que ele me indicaria a fazer? Ele despreparado completamente, me disse que não sabia onde eu podria ir, mas que eu não iria repetir aquilo. Minha amiga chegou e questionou a ele, criticando sua atitude. Ele então, bastante agressivo nos gritou:

- Olhe DESGRAÇA, eu disse que ele não vai mais fazer isso!

Saimos rápido porque sabíamos que uma pessoa dessa não é capaz de dialogar ou entender as situações, saber que existem coisas onde as regras têm que ser maleáveis, repensadas. Voltamos ao bar indignados e aproveitando que havia uma turma de advogados numa mesa ao lado explicamos o ocorrido e perguntamos o que deveríamos fazer. Primeiro era chamar a pessoa responsável  do bar para que tomasse alguma providência, uma vez que o constragimento e a agressão sofrida foi decorrente de uma falta do estabelicimento e que portanto deveria zelar pelos clientes e, no mínimo, fazer um comunicado ao Quartel. Enquanto conversávamos com os advogados, o militar da guarita chama três colegas que ficam na esquina, algusn instantes, com arma em punho. Lembro bastante de uma figura feminina entre eles. Depois se afastaram.

Chamamos o garçon que chamou a dona do bar. Esta teceu uma série de comentários desastrosos e preconceituosos, incluive perguntando porque voltei ao seu estabelicmento se eu já sabia que não tinha banheiro acessível. Ela já tinha colocado uma rampa na entrada do bar, que eu entrasse no banheiro feminino (que não dá passagem para a cadeira), que ela não poderia ser punida porque não foi ela quem me agrediu, que se eu queria processar porque acho que tenho direitos por ser deficiente, que... que.. que...

O advogado que estava conversando conosco se aproximou para explicá-la sobre a sua responsabilidade, tentando ver uma maneira de apaziguar a situação, mas ela demonstrava total ignorância e não reconhecia o problema provocado por ela, disse que vai abrir um banheiro e que esta era a única coisa que poderia fazer. que não entraria em contato com  o Quartel......

Enfim.... a noite acabou voltando para casa com a auto-estima destruida, com minha amiga arrasada, com todas as questões de desamparo, desalento, medo, ameaça, violência em nossos corpos, nossos peitos. O pior que não há um orgão que nos defenda. Porque lembro do problema que tive com o PROCOM e procurei o Ministério Público que me disse não entrar em briga com o Governo. Não tive um advogado que entrasse comigo na causa... e assim se repete todos os dias, todas as vezes. A Associação Baiana de Deficientes não tem uma assessoria jurídica que compre essas brigas. Então ficamos a mercê de uma briga isolada, individual e passando por chato, brigão, intolerante. O errado sou eu que decido sair e me defrontar com esse mundo perfeito, feliz e generoso.

Para completar, hoje precisei pegar um táxi, liguei para uma empresa e depois de muitos minutos me ligaram dizendo que não havia carro para pegar cadeira de rodas. Lembro que minha cadeira cabe até num fusca, porque desarma toda, tira roda, rodinha, pés.... Ou seja, assim como a dona do bar, uma empresa que deveria zelar pelos clientes, é conivente com os péssimos profissionais que se recusam a prestar o serviço a que se destinam. Um serviço, incluive, que são isentos de determinadas taxas, portanto menos impostos para nós, e prestam deserviço total. Não é a primeira vez que acontece isso e nem é a primeira ou única empresa que faz isso. Já dei queixa na Gtáxi umas três vezes e quando retorno a ligação, eles nem sabem do que estou falando, nem protocolam a queixa. Ficamos sem os direitos garantidos mais uma vez.

E eu tenho taxistas que me pegam, profissioanais ótimos que naquele momento estavam ocupados. Também não acho que eu tenha obrigação de ter uma lista telefônica de serviço particular porque as Elites Chame Ligue Táxi da vida, têm OBRIGAÇÂO de nos atender também.

Cansei.....

“No poeta há um filósofo que dança meio bêbado"

Entrevista com o poeta e artista plástico Marcantonio





“O que posso viver não preciso dizer”. A frase, retirada de um dos inquietantes poemas do poeta carioca Marcantonio – grande revelação da Poesia na blogosfera –, aguça ainda mais a curiosidade dos seus crescentes admiradores em relação à sua criação e às influências literárias que recebeu. A afirmação do poeta leva-nos a imaginar que a matéria-prima de seu ofício encontra-se em um lugar oposto ao da vida vivida, experimentada, a vida real. Faz com que pensemos a respeito desse ser mortal que serve de veículo ao poeta e instiga-nos a seguir avidamente o fio invisível com que ele tece seus devaneios poéticos, pra desvendar, quem sabe, um pouco mais da alma e beber da embriaguez dos olhos desse instigante artista.

Quando estreou seu primeiro blog – Diário Extrovertido –, em janeiro de 2010, um questionamento passou a acompanhar, como marcador, cada uma de suas postagens: “Serei poeta?”. A aparente dúvida, a respeito de si, desse “curioso desambientado” – conforme se autodefine no perfil do blog – soa, à primeira vista, como zombaria, uma vez que reconhecemos, de imediato, o seu talento e assistimos ao constante aumento do número de leitores, admiradores e poetas que o seguem também no segundo blog, criado oito meses depois do primeiro, O Azul Temporário.

Mas as dúvidas parecem mesmo mover, de algum modo, o artista, que declara em seus versos querer terminantemente ignorar o que é previsível, o que é óbvio. O poeta Marcantonio, decididamente, demonstra nutrir uma forte paixão pelo que chega sem aviso e se insurge contra a realidade prosaica. Presume-se poeta menor, enquanto seus versos vão traduzindo uma genialidade estonteante. Ainda sem livro editado, o poeta vai conquistando a cada dia novos leitores.

Em homenagem ao talento e ao seu 47º aniversário de nascimento, no próximo dia 22, amigos blogueiros – na sua maioria poetas –, admiradores e facefriends uniram-se aqui para conhecer um pouco mais desse misto de artista plástico, poeta e filósofo, numa entrevista informal que revela algumas facetas desse homem culto, engenhoso e original, que vem roubando a cena na blogosfera.
Com vocês, Marcantonio...

Tânia Regina Contreiras


RV- Marco, uma das descrições no seu perfil é a de um "curioso desambientado". Qual a influência dessa personalidade na sua poesia ou como a poesia influencia essa sua característica? (Fouad)
M
- Fouad, se me considero um desambientado é por experimentar um frequente desconforto, algo como um estranhamento diante das situações artificiais, do pensamento dominante, das exigências sociais, do confinamento em grupos, da demanda por adequação. É um sentimento ambivalente porque, em geral, oscilamos entre a vontade de nos adequarmos e uma urgência de diferenciação. É uma sensação de estar em trânsito, uma desterritorialização constante. Talvez seja por isso que me refira tanto ao viajante, viagens, paisagens movediças, etc. A viagem é uma forma de materializar essa situação crítica; nela há o prazer oculto de se desvincular da habitualidade, de não ser reconhecido, referido. Se não posso ser um andarilho de fato, por fim um mito romântico, então serei um viajante estacionado que se ausenta de si por artifícios mentais. Daí a curiosidade. Um dos textos de Nietzsche de que mais gosto é justo O Viajante, que encerra o Humano, Demasiado Humano, no qual ele diz que o homem que quer ter a liberdade da razão tem que ver a si mesmo como um viajante, não que tenha um destino predeterminado, porque esse não há, mas como quem caminha atento a tudo, de olhos abertos e sem a nada apegar-se exclusivamente, de passagem. Ele alerta, naturalmente, que quem assim proceder passará maus momentos, ao desabrigo, na solidão, encontrando portas fechadas, mas terá a recompensa de gozar o amanhecer de outras regiões onde se encontrará na companhia dos espíritos livres. Creio saber um pouco desse ônus meio patético, de ser de alguma forma um fracasso aos olhos da saudável sociabilidade e da eficiência social. Mas espero estar aqui na companhia de espíritos livres.
Quanto à influência disso na poesia, bem, creio que a poesia vem de um estranhamento diante dos objetos, eles não estão simplesmente lá, são presenças estranhas. Não creio em poesia que seja uma espécie de chancela para a vida, para a alegria de viver. Isso seria uma espécie de naturalismo idealista, se é que isso existe, uma visão do todo. Não é à toa que os dois primeiros grandes poemas do ocidente retratam situações críticas no estrangeiro, a Guerra, na Ilíada, e uma viagem de regresso e seus enfrentamentos, na Odisséia.
RV- Só muito recentemente “descobri” Marcantonio através de um poema postado no blog da Tânia Contreiras e ainda estou a vasculhar suas tantas belezas em arte /filosofia/poesia. Nem sei se à altura estou do talentoso poeta que tanto me tem encantado. Costumo responder, quando amigos me perguntam, que a palavra me incendeia e que às vezes provoco esse começo de incêndio com boa taça de vinho tinto... E tu, poeta, como se processa no Marcantonio esse momento da escrita? (Marlene)
M
- Marlene, não creio que eu possa definir isso de maneira estritamente consciente. Não há um gatilho, digamos, que deflagre nada, e se há, tenho a impressão que não sou eu quem o aperta. Às vezes é um objeto que se faz estranho, que muda aos meus olhos, e talvez seja a estes que eu tenha levemente embriagados. Como objeto, refiro-me também às idéias, sensações, imagens. Não raro me ocorrem idéias enquanto caminho, o que é um embaraço. Mas veja, se você memoriza a imagem, mesmo que em forma de esboço, você pode depois desenvolvê-la, é uma espécie de captura poética sumária, como achar alguns fósseis de ossos que permitam reconstruir todo o animal a que eles pertenciam. No fundo, creio que há uma predisposição para inspirar-se, um preparo para aproveitar o que surge, ou seja, um estado de reflexão que recebe estímulos. Talvez a velha imagem do lago onde se atira uma pedra que gera ondas concêntricas. Mas é preciso que o lago esteja lá, aparentemente estável.
RV- Gosto de pintar aquarelas e, como num caldeirão de bruxa, jogo as tintas e as palavras quando escrevo, e literalmente faço isso mesmo, enquanto a aquarela seca, retorno ao computador. Percebo que em ti essa mistura ocorre. Fala sobre isso... (Marlene)
M - Creio que essa equação se resolve pela sensibilidade que promove a confluência das duas linguagens. O impulso para tornar algo visível é comum às duas expressões, ressalvando-se o que é específico. A poesia ultrapassa a pintura porque incorpora a musicalidade que esta não tem. Mas ambas têm ritmo. Aliás, acho que tudo se entranha de ritmos. Em suma, diante de um fato visual qualquer você pode escrever um poema. E por um estímulo verbal pode pintar um quadro. Não comungo com artistas que crêem que o literário e o visual são intraduzíveis. Basta ver a arte contemporânea. E no meu trabalho de artista plástico costumo incorporar a palavra ao quadro, ela acrescenta ali duas dimensões, uma gráfica e outra semântica, não é?
RV – Marcantonio, há ainda espaço para o poeta nesta sociedade em que as emoções já nascem com prazo de validade? (Edney) .
M - Claro que há, Edney. Eu me recuso a crer num mundo que tome um rumo absoluto, único, imutável, fatalista. Imagine quantas vezes uma pergunta desse tipo já foi formulada em diversos contextos. Quantos não se perguntaram sobre o lugar do poeta em um mundo conflagrado durante as duas Grandes Guerras? Quanta coisa já foi soterrada neste mundo e depois redescoberta. E como podemos saber que já houve um momento absolutamente favorável ao poeta? A realidade é complexa, e para mim sequer o indivíduo é estável e previsível. Como a cultura mudaria se não houvesse nela a diversidade, a adversidade, as forças contrárias? E é justo por isso que nunca acreditei nessa história de morte da arte, morte da poesia, morte disso e daquilo. Quando a gente critica o menosprezo de certos valores por parte de uma maioria alienada, a gente de certa forma menospreza a força e a autonomia que certos registros culturais parecem ter. E, nesse sentido, gosto de uma idéia do filósofo Karl Popper quando ele afirma que se o mundo sucumbisse de repente, mas restasse uma das grandes bibliotecas mundiais e alguns indivíduos, o mesmo mundo poderia ser reconstruído inteiramente. Quer dizer, existe uma contiguidade estranha de coisas distantes no tempo. Quando li a Ilíada costumava ficar preso à leitura até de madrugada e aquilo me espantava: como é que eu posso estar lendo com tal apego o que esse cara escreveu há 2.800 anos? Então, por que alguém não estaria fazendo o mesmo neste exato momento do século 21?
E enquanto houver um indivíduo, você no caso, que se inquiete e se ressinta com o estado atual das coisas, a probabilidade de que ele não seja o único é muito grande, não? Salvo se ele se puser fora do mundo. Então, qualquer crítica às subjetividades parte de uma posição privilegiada, logo é um ato de esperança, mesmo que às avessas.
RV - Sua poeticidade entra em conflito com um mundo de emoções cada vez mais prosaicas? (Edney).
M
- Eu acredito que esse prosaísmo das emoções é fruto da inautenticidade. Uma ocorrência de superfície, uma fuga do contato com as próprias contradições por parte dos indivíduos. Muitos são renitentes em fugir de si mesmos e o sistema só alimenta essa fuga porque quanto menos você sabe o que quer, tanto mais fácil se torna que se lhe imponham algumas coisas. Mas eu desconfio que há um núcleo de maior densidade nas pessoas que está sempre sendo ativado pela vida e faz com que ressurjam emoções que não são descartáveis e estão ligadas ao medo, à morte, à perda, ao amor, ao tempo, à incomunicabilidade, à amizade, ao prazer menos efêmero. Não estão nesses sentimentos as raízes da poeticidade? Mesmo oscilando entre a angústia e o desejo de fuga? Precisaríamos ser verdadeiros dinossauros para não encontrar ecos em ninguém. Mas ainda assim chocaríamos por importunos. É difícil um poeta falar de algo que não precise ser ouvido por alguém de seu tempo.
RV - Sua literatura é confessional, ou forja-se na busca de um entendimento para ou com o mundo? (Edney)
M
- É preciso distinguir o que seja esse confessional. Há uma escrita narcisista, egoísta, particularista, que não me interessa e só deve agradar àqueles que coisificam a si mesmos e aos outros. Ela se baseia na forma mais banal de simpatia que não é intermediada por nenhum conceito universal. Mas há uma literatura só aparentemente confessional, em que o indivíduo se transcende. Se por exemplo você faz uma visita ao hospital do câncer e volta de lá preocupado apenas com a possibilidade de vir a ter a doença, com como aquilo o atinge pessoalmente, você, digamos, está fazendo o primeiro tipo de literatura confessional; mas se você volta refletindo sobre o sentido da vida, sobre o sofrimento, sobre o efêmero, sobre a imprevisibilidade, você está fazendo o segundo tipo. Trata-se de diferenciar uma atitude própria do o-mundo-em-mim de outra, a do eu-no-mundo. Então, eu diria que busco o entendimento que você falou. A poesia é uma visão subjetiva, mas não de uma subjetividade voltada para si mesma, é um espelhamento simbólico do mundo, da realidade. Acho que nada define melhor a poesia do que o drummondiano ‘sentimento do mundo’, mas “mundo” não é uma sensação ou emoção, é um conceito; então sentir o mundo é sentir o que você pensa sobre ele, ou pensar o que você sente sobre tudo o que não é você.
RV - Sua poesia incorpora elementos de diversas escolas poéticas, não tendo aparentemente vínculo estável com nenhuma delas. Transparece, isto sim, uma relação mais ou menos constante, quase matrimonial, com a filosofia, com o colorido imagético e com o humor (uma trigamia, portanto). É isso mesmo ou eu preciso beber mais que o engradado e meio de poemas seus que bebi até perder de todo a consciência? (Tuca)
M
- Ô Tuca, acho que você definiu bem. Mas por ter atingido essa compreensão não significa que você já deva se tornar um abstêmio da minha poesia, beba sem moderação. Que digo? Como sei que isso não intoxica ou enjoa?
Claro que eu gostaria que a minha poesia pudesse manter um harém de outras possibilidades. Mas, fazer o que? Eu só gostaria de dizer que esse matrimônio com a filosofia é um tanto aberto. Poesia e filosofia têm em comum a perplexidade, mas poesia não especula com rigor. No poeta há um filósofo que dança meio bêbado, é intuitivo, e costuma acertar no que não mirava. Não tem coerência, pois poesia coerente é não-poesia. Ele pratica uma dialética sem regras, equilibrando pratos, com 5 teses, 10 antíteses e ½ síntese. Afirma aqui, pra negar logo ali. Mas que painel se cria assim!
No fundo, acho que tenho uma relação estética com a filosofia, sobre a beleza configurada por idéias numa espécie de construção autônoma, que se afasta um tanto da ciência. Quanto ao humor, há nele uma boa dose de auto-ironia, um desejo de não me levar muito a sério. Há algum poema mais irônico do que o Poema em Linha Reta? “Onde é que há gente no mundo?”
RV - Onde mora o cinema na sua poesia? (Herculano Neto)
M
- Pergunta interessante. Eu gosto muito de cinema. Sobretudo de filmes que refletem sobre a própria linguagem do cinema. Mas gosto da narrativa tradicional também, até para ver onde o diretor teria ousado se tivesse verdadeira liberdade autoral. Engraçado é que o cinema, geralmente empenhado em contar uma história, estaria mais ligado à prosa, não? Mas eu sei que a prosa também pode se impregnar de poesia e que o sentido geral de uma obra pode encerrar uma visão poética. Mas quando relaciono poesia e cinema, penso na relação olho/câmera/edição independente da narrativa. Em geral se pensa na edição como montagem lógica, respeitando unidade de tempo e ação. Mas ela também não pode ser concebida como uma desmontagem do objeto e da narrativa em direção à poesia? Algo como o que ocorre quando a pintura deixa de representar e se torna mais abstrata, ou quando a fotografia deixa de documentar e passa a inventar, para além da noção de escolha de foco. O cinema comercial será sempre renitente a isso, e assim será sempre pouco poético. Gosto quando a imagem se metaforiza, quando coisas distantes são ligadas, quando o fragmento se impõe ao todo, quando prevalece o sketch, quando uma sequência se impregna de sentidos polivalentes. E vejo na natureza da câmera uma espécie de símbolo da solidão, que anda entre os entes de uma forma impermeável, vendo, vendo apenas sem interferir. Acho admirável a forma como o filme Arca Russa, do Aleksander Sokurov, inverte isso parcialmente. Enfim, creio que certos poemas são essencialmente compostos como uma edição fílmica, com supressão de vários fotogramas intermediários. Embora em muitos haja uma espécie de plano-sequência reproduzindo uma sucessão de imagens, no mesmo cenário, que passam na cabeça do poeta. Rapaz, isso é um tema e tanto pra discussão. Você não acha que o fato das postagens no YouTube “retalharem” os filmes pode ajudar as pessoas a perceberem mais a autonomia poética de certas cenas e sequências?
RV - Marco, o que tu enxergas por detrás do turbilhão que te habita, o que há debaixo dele? (Andrea Godoy).
M-
Angústia, Andréa. Mas também algo muito sutil que se opõe a ela repetidas vezes, de modo pouco duradouro, porém marcante: uma sensação que tenho de olhar os objetos como se fosse a primeira vez, intuindo o sentido de suas presenças sem, porém, conseguir verbalizá-lo, mesmo porque não é necessário. É um sentimento de que tudo está interligado, o que causa sensação enorme de prazer de existir. Mas são lampejos. Logo tudo volta a ser fragmentário.

RV - Marco, sem pensar muito, pois isto aqui é uma entrevista amiga, não um esmaga-crânio: diga aí 5 poetas que você adorar ler e reler(Janaína Amado).
M - Jana, gosto de ler muitos poetas. Mas o diferencial aqui é esse “reler”, não é? Então, cinco dos que mais releio, sempre retornando a eles, são: Drummond, Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Mário Quintana e Fernando Pessoa.
RV - Marco, qual o poema seu de que você mais gosta? Não pergunto qual você acha literariamente o melhor, mas sim aquele pelo qual, por uma ou outra razão (qual razão? rs), você tem um carinho especial (Janaína Amado).
M
- Não sei se são os de que mais gosto, e estão longe de serem os melhores, talvez. Mas me comovem porque ligados a fatos marcantes da minha vida. Um que fiz para o meu primeiro filho, e o que escrevi no momento em que meu pai estava à morte. Eram instantes em que o transe não se distinguia da realidade.
RV -Você é um daqueles raros seres humanos com múltiplos talentos artísticos. Seus processos de criação na pintura e na poesia são muito diferentes entre si, ou a fonte comum de onde ambos nascem acaba prevalecendo? (Janaína Amado).
M
- Não sei se tenho tantos talentos assim nem se isso é de fato raro. Se os tenho, é certo que não os desenvolvi sistematicamente. Perdi muito tempo. E os mais próximos sempre lamentavam o meu “desperdício”. Bem, mas para responder essa pergunta só recorrendo àquela idéia dos filósofos românticos alemães que viam a poesia como subjacente a todas as demais artes. Há uma poética literária, uma visual, uma musical, etc. Faz algum sentido, embora muitos detestem essa idéia. Às vezes a sensibilidade estimulada responde as duas linguagens, noutras vezes elas se alternam. O curioso é que um estímulo visual pode desencadear um poema, e uma idéia, algo puramente conceitual, pode se resolver numa imagem, numa forma sensória, material
RV - Em que momento (cronologicamente falando) você percebeu que palavras e cores tinham o mesmo peso artístico para manifestar sua sensibilidade? (Betina Moraes)
M
- Betina, escrevo desde a adolescência, cheguei a reunir coisas em dois livros, mas acabei deixando-os de lado (ainda bem!). Porém, sempre me considerei mais um artista-plástico, bem precoce, aliás, e relapso. Percebi uma possível confluência quando em meados dos anos 90 passei a usar palavras nos quadros, criando verdadeiros fundos tipográficos. E de uma década pra cá notei um apego, na pintura, a mitos e símbolos que também habitavam a poesia. Justamente quando passei a escrever mais. Acho que é isso.
RV - O que é mais difícil para você, como criador, dar cor a uma palavra ou dar palavra a uma cor? (Betina Moraes)
M-
Não sei, Betina; talvez tudo que eu possa dizer a respeito não passe de racionalização. Criamos, em boa parte, movidos por intuições. É provável que a própria noção tríplice do que seja cor, possa significar algo a esse respeito. Existe a cor física, a da luz decomposta, que nos envolve mesmo sem nos darmos conta da sua natureza. Existe a cor matéria, pigmento, que o artista manipula. E existe a cor, digamos, impressão psicológica, uma filtragem da percepção, uma abstração. O artista plástico, claro, trabalha com a matéria, quer configurá-la num objeto simbólico, por mais que exista o conceito, ele será dependente da materialidade. Agora, tenho a impressão que o poeta faz o inverso, trabalha com o abstrato e o simbólico no esforço de torná-los um objeto concreto, mas que acaba sendo reinvestido de simbolismo. No fim, os dois esforços resultam em objetos simbólicos, ou seja, imperfeitos, porque se fossem perfeitos seriam puras presenças sem expressão, sem possibilidade de decomposição. A arte é feita de objetos instáveis, móveis, que não param no lugar, não têm um único sentido. Agora, outra diferença que creio fazer da poesia a maior das artes é o material que ela usa. O artista plástico usa um material incomum, tinta, pigmento, metais, pedra, etc., não são todos os indivíduos que os manipulam habitualmente. Já a poesia trabalha com esse material comum, no sentido de pertencer a todos, à comunidade, que é a língua. Acho isso fantástico: é a verdadeira alquimia, de um material usado cotidianamente, produz ouro. E de que precisa um poeta? Um pedaço de papel e um toco de lápis. Aliás, nem mesmo disso, talvez apenas da própria voz.
RV - A filosofia é claramente uma de suas paixões, é possível dizer que há um filósofo definitivo para o artista Marcantonio? Qual? (Betina Moraes)
M
- Bem, creio que essa resposta equivaleria a dizer qual aquele, ou aqueles, aos quais leio insistentemente. Nesse caso, seriam Platão e Nietzsche; num certo sentido, duas inimizades filosóficas. Aliás, os dois possibilitam uma leitura incidental, porque não são sistemáticos. Muitos diálogos de Platão terminam em aberto, e a maior parte dos textos de Nietzsche adota o fragmento, o tópico. E são escritas poderosas, belas. Diria que Nietzsche é o que mais me interessa, sobretudo por ser um extraordinário pensador da cultura e das motivações não aparentes. Um filósofo-artista que amava a arte, embora nem sempre amasse os artistas. Adoro o livro Humano, Demasiado Humano; o meu exemplar dele é totalmente avacalhado, todo sublinhado, rabiscado nas margens e recheado de marcadores improvisados.
Mas também tenho um quase-vício de ler e reler os Ensaios de Montaigne. É assustador o quanto ele conhece do ser humano. E é estranho que eu reconheça isso no século XXI, indício de que há coisas no homem que jamais mudarão.
RV – “Perceber no comum e no diário aquilo que é incomum e não diário, o mirandum, eis o princípio do filosofar”. Marco, tua poesia tem muito deste “mirar” além. Afinal, todo poeta é filósofo? E a arte, onde se situa, nesse caminho do olhar e do sentir além da conta? Beijo! (Nydia)
M - Nydia, como leitor, não creio que todo poeta seja um filósofo no sentido rigoroso que este termo deva ter. Mas acredito que todo grande poeta “pensa” e reflete em sua poesia os grandes problemas que movem a filosofia. O filósofo é cuidadoso, racional, esquadrinha o terreno em especulação. Se o poeta fosse assim perderia o sentido de ser poeta; ele vai distraído, fascinado com as intuições sintéticas que o fazem ver na parte o reflexo do todo. Se o filósofo quer ser sempre igual a si mesmo em coerência, o poeta é plural, como um espelho partido que reflete ora esse, ora aquele aspecto da realidade; ele hesita em fundir apressadamente os contrários. Gosto da expressão “pensar poético”. Não creio muito em poesia que seja apenas expressão de sensações puras ou fluxo descontínuo de imagens.
Agora, sinceramente, creio que a arte é um “apesar da vida”, naquilo que se entende a vida como limitação, logo, é sim fruto de um sentir demais da conta, de um ver além. O artista, o poeta, é uma espécie de Dr. Doolitlle que fala com os objetos, sendo que ele tem a impressão de que são estes que lhe dirigem primeiro a palavra (risos). Quem notaria a arte se ela não fosse uma exceção, um “à aparte”?
RV -Você prefere pudim ou sorvete? (Helena Bípede Falante)
M
- Prefiro mousse, Helena. Estaria aí o possível caminho do meio? Uma espécie de pudim-sorvete? E você não acha que mousse, mais do que sorvete, lembra nuvens?
RV - E afinal quem tem mais sabor: o Diário Extrovertido ou o Azul Temporário? (Helena Bípede Falante).
M
-Bípede, eu os vejo como complementares. Mas não há como não perceber que há certa preferência pelo Azul Temporário por parte daqueles que acompanham os dois blogs. Talvez em função das postagens diárias, ou da idéia de série que vem prevalecendo nele. Não sei. E, em geral, posto no Diário Extrovertido os poemas mais longos, mais “pesadões”. Na verdade, ele mudou da orientação original, era para conter textos de outra natureza, não apenas poesia. Mas a falta de disciplina, e certa indolência, fizeram com que ele se resumisse a isso. Mas ainda pretendo reconduzi-lo ao bom caminho.
RV - Sou um desses apreciadores da poesia, da arte e da cultura em geral, enfim, mas vamos à pergunta: Movido pelo encanto que poesia me proporciona desde a adolescência e pelo resgate que ela faz à minha alma nos momentos de turbulência, resolvi, de uns tempos para cá, adotar em minha vida o termo "viver poeticamente", termo esse que aprendi com Edgar Morin em minhas leituras e pesquisas diárias , mas também na fonte de vários outros escritores, músicos, artistas e poetas. Pensando nisso, pergunto: no seu fazer diário, nesses tempos em que tudo tende à artificialização, à padronização e à burocratização, é possível "viver poeticamente"? Ou seja, é possível às pessoas viverem, encontrarem o encantamento, a contemplação, a comunhão, essas coisas que, sem menosprezar às demais expressões, a poesia e a arte são capazes de resgatar? Dito de outro modo, ainda é possível encontrar a poesia da vida, na vida, no coração do cotidiano? (Samuel)
M-
Samuel, essa é uma questão e tanto e uma verdadeira pedra no sapato de um pessimista como eu. Isso a que você se refere, implica o afastar-se da noção de poesia como arte e adotá-la como vivência, estendê-la mais ao sujeito que percebe do que ao sujeito que cria e gera. Mas como seria isso? A poesia está nas coisas, nos objetos, ou está no sujeito que interfere nos objetos? Se ela estiver nas coisas mesmas, o papel do sujeito que almeje viver poeticamente seria o de não permitir a deformação da sua percepção, seu embotamento. Se, pelo contrário, ela está no sujeito, isso equivaleria a não ver exatamente os objetos como eles se apresentam, a negar, digamos, a realidade. Particularmente, creio que ela está mais no sujeito, e que por isso mesmo não pode ser constante, por se tratar da visão do que NÃO-ESTÁ-LÁ, uma espécie de desvio da percepção habitual, e ao mesmo tempo dependente daquilo que lhe é contrastante, o feio, a dor, o sofrimento, a banalidade. Quer dizer, nunca deixamos de ver contradições, e acho que não é possível manter uma percepção contínua da beleza; desconfio que a arte esteja sempre tensionada com a vida como um desejo de colocá-la em suspensão. Então, não acredito em viver poeticamente, mas sim em vivências poéticas descontínuas, conflitantes com o cotidiano. Parece estranho que eu diga isso, mas, veja, os termos que você usou, como contemplação, comunhão e encantamento, referem-se um pouco a isso, não? Uma fratura do tempo, um separar do conjunto. Acho que nem poeta vive poeticamente. Mas imagina, e se pudesse viver aquilo que imagina, sequer escreveria. Talvez o esteta termine sempre traído pela realidade.
Pra falar a verdade, sequer acredito na co-extensão entre vida e autor, desde que percebi que alguns dos maiores criadores tiveram uma vida que costumamos chamar de banal, sem grandes fatos exteriores. O que importa é o que criaram. Então não me importa tanto a vida do Drummond, do Rimbaud, do Nerval ou do Velásquez se como denominador comum elas só têm o que eles criaram. O que dialoga com o mundo é a obra. E se o artista desaparecesse sem deixar rastros, ainda assim a obra se imporia. A vida do artista é uma ficção continuamente retocada pela cultura a partir da obra. Não é o contrário. Se refletirmos sobre toda a metafísica que o homem cria partindo da “obra” natureza, isso fica bem claro, creio. Uma vez mais, como diz Nietzsche, os artistas não são homens de grande paixão, mas assim se apresentam porque se terá mais confiança na paixão descrita (ou inventada?) por eles.

RV - A Agustina Bessa-Luís afirmava que “memórias procriam como se fossem pessoas vivas”… O que faz o poeta com a memória? Procria na palavra o ser vivo, implanta na vida o sopro de vida? (LeonardoB.)
M
- Leonardo, creio que a memória é a matéria essencial da poesia, senão de toda arte. Desde o mito, não? Afinal, as musas são filhas da memória, propiciadora da unidade de qualquer canto. E nem sempre nos damos conta de que daí deriva o nome museu, tão injustamente associado ao velho, quando não à ausência de vida. Mas é só retoricamente que se investe contra a memória como se ela fosse um conservante de múmias, porque, no fundo, parece que ser é um continuar sendo, algo inapreensível sem o passado: lembro do que pensei, logo existo. A memória é viva, por isso procria. O próprio fazer do poema é um embate com a memória em busca de uma totalidade que vincule as partes, os versos, e creio que isso se faz num esforço de recapitulação muito mais amplo do que nós supomos, que recua bem além do primeiro verso do poema.
RV - A intensidade de “sentir” é assim tão intolerável, tão insustentável, para fazer do artista o corpo sem fronteira? Aonde pertence aquele que cria, onde habita a arte? (Leonardo B)
M
- A arte está no sonho de Dédalo de escapar ao labirinto da vida onde está encerrada a dor, a brutalidade, a violência, a morte. Quem para atender aos instintos básicos da vida precisaria da arte? Ela, como energia demiúrgica sem função, se vê associada ao processo civilizatório, servindo na construção de labirintos sociais onde ela própria se vê aprisionada, em um vão existente entre o indivíduo e a coletividade. No mito, o artista sabedor dos limites da sua criação (Dédalo) passa seu engenho ao filho Ícaro (outra faceta do próprio Dédalo?) que embriagado com suas possibilidades perde-se, morre. Daí vem a melancolia de jamais poder transformar a arte em vivência absoluta, de alcançar o impossível, aquele ponto de onde supostamente tudo se irradia.
Bem, se entendi corretamente o que você chama de corpo sem fronteiras (seria a sensibilidade levada ao grau de máxima permeabilidade, a ponto do sujeito mal se distinguir do objeto?), penso que é sim insustentável. Porque parece que, mais precisamente do que almejar a ausência de limites, o que o artista ambiciona é a ausência de limites para criar limites, o que se alinha com o tal sentido apolíneo. Na minha insignificância, não raro experimento, tomando a expressão famosa de Romain Rolland em relação ao sentimento religioso, um sentimento oceânico, um desejo de abarcar algo que é ilimitado para contraí-lo, dar-lhe forma, enfim, um limite compreensível, contrair o espírito do todo na parte.
RV - “O único universo que todos realmente conhecem e do qual têm consciência é aquele que carregam consigo como sua representação e que, portanto, constitui o seu centro. É justamente por isso que cada um é em si mesmo tudo em tudo.”… Onde está o Schopenhauer, nesta afirmação, onde está o Marcantonio? (Leonardo B.)
M
- Bem, essa é uma afirmação de idealismo filosófico que é sempre sedutora para um artista; porque, afinal, o material do artista é a própria percepção, não o objeto que ele percebe, mas a forma como ele percebe, o que sempre alimentou, aliás, o mito do artista aluado, distraído, fora de órbita.Tenho um amigo marxista que sempre que falo da arte como se ela fosse trans-histórica, me acusa de professar o idealismo que tudo fundamenta no sujeito. Na verdade, o que mais me obceca é a relação sujeito-objeto, indivíduo/sociedade/história, artista/cultura. O sujeito só existe mesmo quando é objeto para outros sujeitos? O ”eu” desaparece na cultura? Há realmente um sujeito irredutível à compreensão?

RV - Quais os artistas plásticos e escritores que mais o influenciaram e continuam a influenciar? (Lalo Arias)
M
- Isso é outra coisa que não sei, Lalo, se poderia se resumir a uma percepção objetiva. Mas se definirmos essa influência mais como afinidade espiritual do que como interferência formal, a lista pode ser grande. Quando os meios de difusão eram mais limitados (ou durante os períodos “combativos” da modernidade ou da vigência da vanguarda) as influências eram mais diretas. Na chamada pós-modernidade, porém, o artista pode fazer uma verdadeira recapitulação filogenética, digamos (risos). Então, amo coisas aparentemente distantes no tempo como o alemão Dürer, o flamengo Pieter Brueghel, Velázquez, Rembrandt, Goya, Cézanne, Van Gogh, o surrealista Max Ernst, o dadaísta Kurt Schwitters, Klee, Miró, De Kooning e outros nessa salada. Gosto de artistas que se mantiveram um tanto independentes, como Bacon e Lucien Freud. Sempre tive atração pelo expressionismo, e particularmente trabalho com imagens que remetam à relação desgaste/memória, gosto do que parece inacabado, rude matéria, e trabalho quase sempre com figuração, então, admiro com algum fascínio artistas como Tápies, o alemão Anselm Kiefer, os brasileiros Siron Franco e Daniel Senise e alguns outros que não me ocorrem agora. O que tudo isso tem em comum não sei dizer.
Com relação a escritores, bem, confesso que não leio muita ficção contemporânea, nesse caso, leio mais autores da década de 50 pra trás. Da poesia das últimas décadas tenho uma leitura fragmentária, um tanto ampla, mas com muitas lacunas. Gosto muito de ler o que chamamos de clássicos. Sobretudo Goethe e Shakespeare. Leituras extremamente marcantes foram Baudelaire e Blake. E considero um divisor de águas um interesse mais profundo despertado em mim pelas tragédias gregas. Afora isso, há a leitura recorrente de poetas do modernismo brasileiro e muito F. Pessoa.

RV - No processo criativo (criador, criação e criatura), quais os pontos em que divergem e confluem o poeta e o artista plástico Marcantonio? (Ribeiro Pedreira)
M-
Ribeiro, como não acredito em arte puramente formal (para mim tudo é simbólico), imagino que haja convergências de uma visão de mundo, muito mais a partir de uma inquietude um tanto perplexa do que de uma celebração da vida. Em uma palavra: melancolia. Isso a despeito de não saber se há ou não valor naquilo que faço, mas por uma inevitável intuição do que está ali contido. Agora, a divergência é interessante, e nesse caso também é uma percepção própria; não digo que seja interessante ao outro: a pintura é mais lenta, mais unitária, o que é plástico no processo é mais o objeto; já na poesia, a plasticidade está mais no sujeito (o poeta) e sua percepção interna, é algo mais incidental, plural, poder ser A num poema e anti-A no outro.
RV - Onde se esconde a persona, quando o artista entra em atividade? (Ribeiro Pedreira)
M
- Bem, deveria estar em boa parte submersa na Sombra, não é? Mas não sei, o ato criativo implicaria uma boa dose de energia inconsciente que certamente não seria facilmente assimilável pelo entorno ou pelo próprio artista não fosse o tal mecanismo de sublimação. O que acho interessante é o curioso jogo de espelhos e máscaras que se pode estabelecer entre obra, artista e observador. As coisas mudam, e atualmente esse “artista” pode não ser mais do que uma das faces da persona com uma considerável carga de gratificação social. Muitas vezes a obra não passa de um cordeirinho enquanto o artista veste a fantasia de lobo soprador de casas, o que, na verdade, só atende a uma grande demanda por fingido inconformismo. Algo como, por exemplo, um dadaísta fazendo propaganda da coca-cola. Um artista esperto como Salvador Dali já havia intuído isso. Acho, por exemplo, muito revelador como um ator comprometido com o sistema, atua duplamente, precisando fingir sempre que o que ele faz é muito mais relevante do que realmente é, em favor da estrutura que o mantém. E assim em outras áreas. Citando Álvaro de Campos: “Quem me dera ouvir de alguém a voz humana/.../Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!”
RV - Inspiração densa e ininterrupta ou gradual? (Ribeiro Pedreira)
M
- Gradual, mas com períodos de grande efervescência quando, então, dá a entender enganosamente que será ininterrupta. Infelizmente não há um banco 24 horas de inspiração.
RV - Caro poeta, define-se como "um curioso desambientado, blasé, interessado em filosofia e em todas as formas de arte". Acho que deva ser correto. Mas tem um ponto que percebo além disso: seu claro interesse pela psicologia, pelos interiores e seus silêncios, como demonstra sua série recente de poemas que vem postando ("interiores e vida silenciosa" - excelentes, por sinal). É apenas uma filosofada no assunto ou há algum interesse e/ou estudo específico seu nesta matéria? Queria que comentasse sobre isso. (Celso Mendes)

M - Celso, a sua observação é muito interessante e faz com que eu me dê conta desse aspecto, passando em revista rápida tudo que já li a respeito. Realmente, a psicologia sempre me interessou, desde sua raiz filosófica. Da psicanálise à gestalt, da formação da personalidade ao estudo da percepção. Claro que nunca foi um estudo metódico, sistemático. Mas quando você se interessa por Teoria do Conhecimento, e por aspectos relacionados ao intelecto e suas relações com a vontade, pela imaginação e pela memória, é natural passar à Psicologia.
Essa série, Interiores e Vida Silenciosa, para mim tem a ver com a percepção, com o sentido misterioso da presença, com introversão e extroversão. De fato, o gênero de pintura de costumes conhecido como “interior” simboliza ali o íntimo oposto ao externo, o que é continente visto de dentro, o que é suposto conteúdo, visto de fora, e o que é o exterior visto de dentro. E com a suposição de que nenhuma dessas visões é clara E a natureza-morta fala da função simbólica que os objetos possam ter quando injetamos neles intenções tal qual como fazemos com nossos semelhantes, inventando preenchimentos para suas inevitáveis lacunas. Quando eu leio um texto eu crio uma imagem, ou várias. A poesia carrega esse fascínio.
RV - Vou te propor uma colagem: te dou uns exemplos de poética e você imagina uma relação de pintores. Valéry, Baudelaire, Manoel de Barros, Neruda, Drummond, Bandeira e João Cabral. Abraço (Assis)
M - Interessante pergunta, Assis. Confesso que ainda não havia feito conscientemente essa relação. Bem, para Valéry é mais complicado porque não tenho uma extensa leitura dele, mas pelo que já pude ler, talvez fosse algo entre Cézanne e Odilon Redon ou os Nabis franceses. Baudelaire, sem dúvida, Delacroix, talvez até por escolha dele mesmo. Manuel de Barros... talvez Chagall, Henri Rousseau ou Volpi. Neruda é difícil, mas para o Neruda do Canto Geral, quem sabe um dos muralistas mexicanos; para outros momentos, um Matisse, talvez. Para Manuel Bandeira, às vezes, me vêm à cabeça Cícero Dias, Di Cavalcanti e o Picasso da fase rosa. Drummond? Nem me atrevo, seriam muitos pintores. E quanto ao João Cabral, uma mistura de Mondrian com o espanhol Antoni Tàpies, sendo que provavelmente ele próprio sugeriria também o pernambucano Vicente do Rego Monteiro.
RV - Os blogs que nos aproximaram tanto só nos revelam até certo ponto. Queremos vê-lo acima dos joelhos, poeta. (rs) Portanto, fale para os seus amigos feitos "aqui" sobre o cidadão Marcantonio: rotina, família, o que gosta de fazer... Sim, é natural que esta seja uma resposta longa, ou, como diria o Walter Franco, ou não, não é? ... Pode começar a soltar a língua... temos todo o tempo do mundo (Roberto Lima).
M
- Roberto, acho que um observador externo não registraria fatos extraordinários na minha vida, salvo se ele pudesse intuir os meus valores e afetos. Sou casado e tenho quatro filhos que só me dão alegria; me sentir unido a eles e vê-los em desenvolvimento é algo extraordinário, e já estão até se tornando mais ajuizados do que eu. Gosto da vida em família. Sou autodidata e não tenho nenhuma formação específica. E pouquíssimo senso prático. Não sou de forma alguma um modelo de adaptação social, e algumas idiossincrasias me tornam um tanto arredio e pouco maleável em fazer concessões. De forma que sou um tanto individualista, sem que eu saiba ao certo até hoje se é por timidez e insegurança, ou por convicção mesmo, afinal a tudo a gente pode racionalizar.
Bem, grande parte do meu prazer está em fazer, lidar e pensar em arte. E grande parte da minha angústia também. De forma que, se pudesse, abriria mão disso tudo. Mas não dá.
No mais, adoro ler, ouvir música, cinema e conversar com amigos.
RV - É possível utilizar o seu blog como se fosse uma galeria virtual? Você já comercializou algum de seus quadros graças a esta nova ferramenta? (Roberto Lima)
M
- O Cadernos de Arte seria, na verdade, um portfólio. Mas ainda pretendo fazer um mais específico. Quanto à comercialização, ainda não. Surgem sim contatos, interações e visões do trabalho que são bem interessantes, e que talvez não ocorressem se não houvesse essa forma de mostrá-los. Creio que ainda desconheço muito das possibilidades deste instrumento.
RV - Qual o papel da poesia nos quadros que você pinta? É possível misturar tinta e verbo? (Roberto Lima)
M - Ô Roberto, para mim, é certo que há uma poética da imagem. Mas acho que os meus trabalhos não são identificados imediatamente com um conceito mais apressado do que seja poesia, porque há certa rudeza no que faço, um gosto pelo inacabado, pelo desgastado, pela economia de cores, pelo agreste. Porém, gosto de pensar que há uma poética nisso. E, veja, desconsiderando a minha própria posição, foram muitos os pintores que escreveram poesia, a começar por Miguelangelo, passando por Blake e seguindo por uma lista considerável. Agora, uma ironia sobre a relação verbo e artes plásticas: nunca antes a palavra foi tão empregada para justificar imagens, escrevem-se verdadeiras bulas verborrágicas como justificativa para aquele determinado evento visual, como se ele próprio não se bastasse. E às vezes não se basta mesmo...
RV - Muitos escritores têm manias relacionadas ao momento da criação. Alguns praticam até estranhos e complexos rituais propiciatórios. Confesse: qual é a sua maluquice para efervescer a inspiração? (Wilden Barreiro)
M
- Wilden, acho que nesse aspecto sou decepcionantemente são. E dependo da conspiração de forças externas. O que não raro me ocorre é ter a idéia nos momentos em que é difícil registrá-la, em trânsito, por exemplo. Outro fato estranho seria o de escrever muitas vezes em pé.
RV - Ler é sempre um estímulo para escrever. No meu caso, dicionários, textos legislativos e obras de filosofia e de medicina legal são ótimas fontes de inspiração. Que tipo de leitura o influencia neste sentido? (Wilden Barreiro)
M
- Acho impossível que um poeta não leia poesia e não se inspire com isso. Até poeta popular teria contato com alguma tradição ou expressão análoga a sua, mesmo que fosse por uma forma de transmissão oral. A leitura de poesia cria uma espécie de predisposição; não que seja temática ou formal, mas abre uma espécie de limiar espiritual. Agora, em leituras de outra natureza, me sinto tentado a escrever movido por alguma discordância em relação ao autor, é uma coceira inquieta por fazer uma réplica.

RV - Marco, você acha que as palavras são capazes de expressar melhor o sentimento do que uma imagem? (Adriana Karnal)
M
- Acho sim, Adriana. A imagem pode ter um incrível poder evocativo e catártico, quase instantâneo, mas em termos expressivos ela é mais indireta. Estou considerando, claro, a intencionalidade de expressão por parte do sujeito. A palavra, por sua vez, expressa nuances, contradições, e até o que se pretende ocultar, às vezes. Imagine ver uma foto que retrate algum ato de violência gratuito; você poderá sentir ódio, repulsa, compaixão, etc. Mas pode-se afirmar que era desejo do fotógrafo expressar esses sentimentos? Agora, se você tiver de descrever a tal cena, poderá até se esforçar por atingir uma objetividade jornalística, mas se tiver liberdade, na sua descrição aparecerá muito dos seus próprios sentimentos em relação ao fato.
RV - Antes de tudo mais, um abraço cheio de amizade e o desejo sincero e intenso de que você tenha o sucesso que tanto merece. Que sua vida seja feliz e sempre produtiva, como nós conhecemos. E que o livro que tanto esperamos chegue a nossas mãos de admiradores. Agora, duas perguntinhas que não querem calar, só pra te conhecer melhor: Marco, tenho a maior admiração pelo empenho com que você busca o conhecimento e ao mesmo tempo realiza tanta coisa no domínio da arte. Quem chegou primeiro, o estudioso ou o artista? (Dade)
M-
Dade, o artista. Fui até bem precoce, mas, digamos que traí essa precocidade ao não me empenhar suficientemente e optar por alguns desvios. Mas eu diria que não produzo tanto assim. Artes plásticas demandam recursos e não tenho tanta facilidade de produzir o que imagino. Sou, então, um guardador de idéias, o que requer paciência e me dá certa melancolia. Também não sou um estudioso no sentido rigoroso do termo. Jamais fichei um livro em toda a minha vida (risos). Nunca poderia me dizer um intelectual. Tenho uma formação muito irregular, sem método. Mas leio muito, com ânsia de saber, o que acaba fornecendo a habilidade, ao menos, de saber onde estão as fontes, onde procurar. Mas acho fundamental a atitude de querer saber, existencialmente falando, porque o grande problema nosso, dos indivíduos, não é propriamente a ignorância, mas a presunção de saber, uma espécie de cristalização que cega. Imagine ter uma curiosidade contínua como condição de existir; muda tudo, transforma uma simples ida ao mercado numa aventura, transforma até a forma de ver o outro, as pessoas, suas relações. Eu gostaria de atingir isso. O que fazemos é justo o contrário. Presumimos saber tudo a respeito do presente (mesmo no sentido de presença), o que nos torna negligentemente apressados.
RV - Também faço umas pinturas de vez em quando. Mas é difícil dividir o tempo entre do dia-a-dia, a escrita, a leitura e a pintura. Como você faz pra conciliar tudo? Você é um cara organizado? Ou vai fazendo as coisas sem muito planejamento? (Dade)
M
- Não, não sou organizado ou metódico. E não me orgulho disso. Porém, quando encontro um filão, uma idéia, procuro derivá-la ao máximo por um esforço de investigação, pela manutenção de um foco em meio ao caos.
RV- Como foi o teu processo de descobrimento da poesia, essa coisa de criar com os pincéis e com as letras? Deve ser algo muito fora do comum, fala um pouco sobre isso, pra nós... (Cirandeira)
M
- Não, não há nada incomum. Foi tudo muito intuitivo. A primeira vez que tive alguma consciência do que era poesia foi na quinta série, quando um professor de voz tonitroante leu um poema que escrevera no quadro negro, “Versos Íntimos” de Augusto dos Anjos. Foi um choque. Dois anos depois, um professor de português que me parecia muito culto, que falava de arte, de cinema, lendo as minhas redações, dizia em sala de aula, para meu constrangimento, que eu seria poeta. Curiosamente, o meu pai tinha muitos livros, mas nenhum de poesia, mas havia uma biografia de Castro Alves do Pedro Calmon, e eu ficava lendo os excertos de poemas ali publicados (risos). Depois me caiu nas mãos uma antologia do Vinícius, na casa de uns tios. Comecei a escrever naturalmente e fui comprando meus próprios livros de poesia, o primeiro foi uma antologia de Manuel Bandeira. E foi por aí. Sem nunca deixar de sentir a necessidade premente de escrever, critério essencial segundo Rilke, não é?
RV - Por acaso achas (ou sentes) que por seres um artista a vida se apresenta de uma forma diferente? Fala um pouco sobre isso... (Cirandeira)
M
- Cirandeira, eu costumava falar de privilégios de visão e sensibilidade e todo aquele discurso apologético que se costuma utilizar em relação aos artistas. Hoje em dia não faço mais, e pelo menos em relação a mim mesmo, esforço-me por desmistificar. Mas sei que o que faz um artista não é apenas uma habilidade específica. Muitos a têm e, no entanto, não vão além do comum, ou mesmo a renegam. Talvez a explicação esteja na sensibilidade e na percepção de si mesmo que surge do confronto com aquela habilidade. Pode-se ganhar um telescópio e usá-lo para investigar de modo mesquinho a vida da vizinhança. Mas pode ocorrer o seu direcionamento casual para o céu, e assim se alcançar visões ao mesmo tempo sedutoras e perturbadoras. E nada mais vai ser como antes. Parece que paga-se um preço, ou uma multa por isso, por esse desvio da vizinhança.
RV - Viver a fantasia é prosa ou poesia? (Cris de Souza)
M
- É arte, Cris, qualquer das artes.
RV - A cigarra repara o silêncio? (Cris de Souza)
M
- Acho a formiga uma chata, caxias, provedora/previdente. Mas a cigarra... Às vezes estraga o silêncio; não é à toa que também se costuma chamar as campainhas de cigarras. Agora, se é reparar no sentido de notar, depende se se trata de cigarra narcisista.
RV - O pranto do pirilampo é provável? (Cris de Souza)
M
- Por que um ser que possui luz própria choraria?
RV - O que se espia num olho mágico? (Cris de Souza)
M
- Talvez a verdade, finalmente!
RV- O que há de querer a metáfora no fundo do mar? (Cris de Souza)
M-
Talvez perder os sentidos para ser resgatada por um poeta de longo fôlego.
RV - Como se conjuga o verbo "ser" estando ausente? (Cris de Souza)
M
- Só é possível em um único tempo verbal: o presente da posteridade. Tal qual quando dizemos, por exemplo, "Miguelângelo É um artista formidável" sem notarmos a sua ausência.
RV- Marquinho, para essa última pergunta, nós, leitores e admiradores de seu trabalho, temos a resposta. Mas façamos de conta que o Marcantonio esteja entrevistando a si próprio, já que essa dúvida – colocada desde o início do Diário Extrovertido – parece persistir (recentemente, você a expressou novamente no facebook). Você já encontrou resposta para o “serei poeta?”? Marcantonio já se considera um poeta? E essa aparente dúvida já interferiu de algum modo no momento da criação? (Tânia)

M - Tânia, imaginei que você perguntaria sobre isso. Parece estranho que alguém que escreva poemas se pergunte se é ou não poeta. Pode até ter parecido uma afetação de modéstia, mas a expressão, na verdade, indica uma expectativa de retorno. Como dizia o Drummond, poesia é uma coisa muito séria. E poeta é quase um arquétipo. Então, sempre me pareceu estranho me autonomear poeta sem que antes outros o fizessem. Já devo ter falado da frase de Marcial que diz: “Ninguém acredita mais em si do que um mau poeta”. Causa certo pânico, mas parece verdadeiro isso. Então, escrevo e pergunto ao outro que é menos predisposto a se iludir: Serei poeta?
A dúvida não interfere na criação, mas na valoração do que crio. E a tradição pode ser cruel, porque diante de tanta coisa admirável, aquilo que escrevo me parece pequeno demais, quase indigno. Mas, como seria uma vaidade às avessas pretender me comparar aos grandes, e como escrevo por uma necessidade interna, prossigo e tento, sabendo que no fim das contas não serei eu mesmo a julgar o valor do que faço. Por fim, considero os meus blogs espaços de experiência, de ensaio, de teste; não são definitivos como livros, por exemplo. Não soa bonito, então, associar a isso a pergunta “Serei poeta?” como parte da própria experiência interativa? No momento digo que me suponho poeta, ainda que menor. Neste ano e meio de blog, julgo que recebi um belo retorno em termos de incentivo, vindo, por exemplo, de você e de todos que aqui perguntaram. É algo pelo qual agradeço muito.
Só resta agradecer o seu convite para esta experiência inédita para mim, e a atenção e carinho de todos. E espero não ter me excedido na extensão das respostas. Obrigado e grandes abraços!

Blogs do poeta Marcantonio:

Diário Extrovertido: http://diarioextrovertido.blogspot.com/
Azul Temporário: http://azultemporario.blogspot.com/
Cadernos de Arte: http://cadernosdearte.wordpress.com/

Participaram desse encontro:

Fouad (http://fouadtalal.blogspot.com);

Marlene Severino (http://www.alemdoquintal.blogspot.com);

Edney Santana (http://cartasmentirosas.blogspot.com);

Tuca (http://tucazamagna.blogspot.com);

Herculano Neto (http://herculanoneto.blogspot.com);

Andrea Godoy Neto (http://olharemversoseinversos.blogspot.com);

Betina Moraes (http://queomundoacabe.blogspot.com);

Nydia Bonetti (http://nydiabonetti.blogspot.com);

Helena Bípede Falante (http://bipedefalante.blogspot.com);

Leonardo B.( http://abarcadosamantes.blogspot.com);

Lalo Arias (http://laloarias.blogspot.com);

Ribeiro Pedreira (http://ribeiropedreira.blogspot.com);

Celso Mendes (http://sentedire.blogspot.com);

Assis Freitas (http://mileumpoemas.blogspot.com/);

Roberto Lima (http://cronicasderobertolima.blogspot.com);

Wilden Barreiro (http://maracasecangalhas.blogspot.com);

Adriana Karnal (http://anndixson.blogspot.com);

Dade Amorim (http://inscries.blogspot.com);

Cirandeira (http://giramundo-cirandeira.blogspot.com);

Cris de Souza (http://tremdalira.blogspot.com);

Tânia Contreiras (http://roxo-violeta.blogspot.com) .

Janaína Amado;

Samuel Moura;

sábado, 18 de junho de 2011

Definições definitivas...

Se algum dia alguém te chamar de burro, não ligue, mas... continue pastando!

Na Meia Noite, Paris Alucina

Esse poster não diz o que é o filme


Esse Owen Wilson é mesmo um bom ator. Salvador Dali ficou impressionado com seu nariz torto e o chamou de Rinoceros. Wilson é Gil que é Woody que deu um tempo para Nova York, foi para Londres, Barcelona e agora  Paris. Paris da Belle Époque, da Era do Jazz, dos Fitzgerald, do Cole Porter, do Monet, do Matisse,  do Rodin, do Picasso e também, of course, do Hemingway. Gil é do bem,   roteirista de Hollywood que vai casar com Inez, gostosa mas  uma baita chata que não gosta, por exemplo, de passear, dar uma banda na rua em dia de chuva. Realmente não deve ser fácil conviver com Inez e sua 'tea party family'. Gil passeia, com seu nariz torto,  pela Paris notívaga - completamente alone. Ele se perde e é tragado pelo tempo das celebridades. Onde elas estarão reunidas nesse exato momento?  É quando Paris alucina.  Como se diz por aqui: um baita filme. E o pessoal da Zero Hora deu três estrelinhas... Ora, pois.

Título original: (Midnight in Paris)
Lançamento: 2011 (EUA, Espanha)
Direção: Woody Allen
Atores: Owen Wilson, Rachel McAdams, Kurt Fuller, Mimi Kennedy.
Duração: 100 min

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Círculos


                 Se a fúria invadir o cérebro e sequestrar o bom senso e derrubar em lascas de ira a vilania das palavras sobre os dedos delicados da mão que desenha e saturna as imagens, que a mão que desenha e saturna as imagens deixe-se escorrer feito chuva caída de nuvem despedaçada sobre a relva das injustiças, seja noite seja dia, e aproveite a água e a lama e os crucifixos para reconstruir-se em círculos de persistência, ânimo e poesia.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Pegadinhas de português...!

Você que gosta tanto de escrever !
Você que adora ler !
Você que ama um bom bate-papo !
Que tal dar uma checadinha no seu português clicando no endereço abaixo?

http://educarparacrescer.abril.com.br/100-erros

NÃO VALE PESCAR !?

El Hombre De Al Lado



Juro que fiquei impactado com esse filme argentino. São dois homens tão diferentes, cada um vivendo  seu mundo. Um fechado em seu "design" egocêntrico- individualista-pós moderno e tem o privilégio de residir numa casa construída por Le Corbusier -- a única feita pelo renomado arquiteto suiço/francês na América Latina -- e o outro é exatamente o contrário, um invasor que alastra sua simplicidade feroz para além de seu território. No entanto, eles são vizinhos e um buraco é aberto para a construção de uma janela que liga os dois mundos. Definitivamente, Marx tem uma certa razão -- e quem afirma isso é uma vítima do marxismo, o grande Sándor Marai -- a mola que movimenta nossas vidas é a luta de classes. Um filme que faz pensar e isso, por si só, é mais do que suficiente.


Nome: O homem ao lado
Nome Original: El hombre de al lado
Cor filmagem: Colorida
Origem: Argentina
Ano de produção: 2010
Gênero: Comédia
Duração: 110 min
Classificação: Livre
Direção: Gastón Duprat, Mariano Cohn
Elenco: Rafael Spregelburd, Daniel Aráoz , Eugenia Alonso.




Casa de Corbusier em La Plata - Argentina



Projeto de 1954. Casa Curutchet em La Plata -- capital da Província de Buenos Aires -- Argentina.

Sobre 'Malas', Turmas e Vãs Filosofias


Tem gente que não admite crítica e ao mesmo tempo tenta impôr sua vã filosofia para todos, quer universalizar sua chatice. Muitos desses podem ser chamado de 'malas'.

Os que não querem saber de turmas, aqueles que não se enquadram nas aglomerações sociais, nos discursos românticos das minorias participativas, não são filiados a sindicatos, ongs, associações, grêmios e o escambau são chamados de individualistas ou egoístas. Alguns individualistas também são malas, porque são individualistas e a humanidade nasceu para ser solidária, essa é uma imposição social. Questionável, of course.

'Ai' daqueles que têm a ousadia de questionar a ordem pré estabelecida de nossos dias, que é bem diferente da ordem de outros tempos, dos tempos da ditadura, por exemplo. Hoje a ordem é ser politicamente correto. Esses são os bacanas, os "balas" porque defendem os direitos das minorias, do meio ambiente, dos que não têm voz, dos que não têm renda. Quem assim não fizer ou participar estará fadado ao limbo social do fascismo, porque a pior coisa do mundo, hoje em dia, é ser chamado de fascista.

O grande equívoco de toda essa discussão - que, enfatizo, não vai levar a nada - é a generalização. A generalização é o grande equívoco de tudo. Existem turmas legais, como o pessoal do ciclismo que gosta de dar uma banda no fim de tarde e turmas completamente 'malas', como alguns ecologistas que exigem que se coloque lâmpada branca na sala, porque ecológicamente correto. Ou aqueles babacas que desprezam tudo o que a grande mídia diz, só porque é a voz da grande mídia.

Eu, de minha parte, prefiro ser 'mala' do que ter turma. Prefiro ficar na minha observando os movimentos da vida e atirando pedra, com luvas de pelica, no coração e na alma do pensamento caduco.

Mariana Botelho

terça-feira, 14 de junho de 2011

Definições definitivas...

A melhor coisa do mundo é um banco bem administrado. A segunda melhor coisa do mundo é um banco mal administrado.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

domingo, 12 de junho de 2011


Gastão Cruz, «Escarpas». Lisboa: Assírio & Alvim, 2010.

Poesia Angolana



As muralhas da Noite


A mão ía para as costas da madrugada

As mulheres estendiam as janelas da alegria

onde não se apagavem as alegrias

Entre os dentes do mar acendiam-se braços

Os dias namoravam sob a barca do espelho

Havia uma chuva de barcos enquanto o dia tossia

E da chuva de barcos chegavam colchões,

camas, cadeiras, manadas de estradas perdidas

onde cantavam soldados de capacetes

para pintar no coração da meia-noite

Eram os barcos que guardavam as muralhas

da noite que a mão ouvia nas costas

da madrugada entre os dentes do mar...

João Maimona, poeta nascido na província de Quibocolo, município de Uíge, Angola. É autor de Trajectória obliterada, Traço de união, As abelhas, entre outros.

Definições definitivas...

O que torna a velhice tão melancólica é o desaparecimento não de nossas alegrias, mas de nossas esperanças.

UM POEMA

ASSIM É PRECISO

Fiz de te amar
Uma imagem marítima:
O mar adentro que é o teu corpo
De rotas fluidas
Para um navegante desprendido
Que a ponto algum quer chegar.

Navego-te de olhos fechados,
Imprevidente, sem presságios.
Solto, navego-te nos ventos favoráveis,
Navego-te, rindo
Da imprecisão dos astrolábios:
Astros mesmos são teus lábios
Capturados,
Incandescendo
Na minha boca.

Gravura de Pablo Picasso




















Também no Azul Temporário

sábado, 11 de junho de 2011

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Definições definitivas...

Administrar dinheiro é fácil. Difícil é administrar a falta dele.

Esperando Que As Nuvens de Cinzas se Dissipem

Avião no Aeroporto de Bariloche Argentina

Painel no Aeroporto de Carrasco em Montevidéu, Uruguai.

Aeroporto de Ezeiza, Buenos Aires, Argentina

Painel no Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre

Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre

Hoje, ao Meio Dia, o sol brilhava límpido em Porto Alegre: fazia 14 graus e não se enxergava nenhuma nuvem no céu. Paradoxalmente o aeroporto Salgado Filho estava completamente fechado por conta de uma invisível "nuvem de cinzas" do tal vulcão chileno que entrou em erupção depois de anos adormescido. É o assunto do dia  na pacata e provinciana Porto Alegre. Amanhã o grande imortal tricolor joga no Morumbi contra o São Paulo, a equipe do Renato está em Porto Alegre aguardando. Será que vai ter jogo?