quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A mudança e a miséria





A miséria existe. E a burguesia brasileira, que é das mais atrasadas, está sentindo isso na pele pela primeira vez. A chance de mudança está aí, nesta situação-limite. E há o inesperado, com o qual devemos contar. Um dia, lá em Paris, Sartre me disse que gostava de ter dinheiro no bolso para dar esmola. O sujeito chegava, Sartre dava um dinheirinho e quase agradecia por isso. Mudei minha opinião sobre a esmola. Como dizia o padre Teillard Chardin, quando ser for melhor que ter, estará
tudo resolvido..
A vida pode mudar a arquitetura. No dia em que o mundo for mais justo, ela será mais simples.
 
  A vida é um sopro. Por isso, não há motivo para tanto ódio. A Arquitetura não muda nada. Está sempre do lado dos mais ricos. O importante é acreditar que a vida pode ser melhor A vida é importante; a Arquitetura não é. Até é bom saber das coisas da cultura, da pintura, da arte. Mas não é essencial. Essencial é o bom comportamento do homem diante da vida.
  Acho muito bom a pessoa se recolher e ficar pensando em si mesma, conversando com esse ser que tem dentro dela, que é nosso sósia, né? Eu converso com ele a vida inteira. Tudo passa.
 
Acho que escola de samba deveria servir, às vezes, como veículo de protesto, para cantar os anseios da gente pobre. Afinal, os sambistas que descem do morro divertem a burguesia que bate palmas,acha fantástico, mas no dia seguinte tudo esquece.
 
Cem anos é uma bobagem. Depois dos 70 a gente começa a se despedir dos amigos. O que vale é a vida inteira, cada minuto também, e acho que passei bem por ela. Desejo ver um mundo melhor, mais fraternal, em que as pessoas não queiram descobrir os defeitos das outras, mas, sim, que tenham prazer de ajudar o outro. . Mais importante do que a Arquitetura é estar ligado ao mundo. É ter solidariedade com os mais fracos, revoltar-se contra a injustiça, indignar-se contra a miséria. O resto é o inesperado; é ser levado pela vida. No dia em que o mundo for mais justo, a vida será mais simples Nossa passagem pela vida é rápida. Cada um vem, conta sua história, vai embora e depois ela será apagada para sempre. A vida continua. Nunca acreditei na vida eterna. Sempre vi a pessoa humana frágil e desprotegida nesse caminho inevitável para a morte... Às vezes, muito jovem, o espiritismo me atraía, logo dissolvido pelo materialismo dialético, irrecusável. Se via uma pessoa morta, meu pensamento era radical. Desaparecera, como disse Lacan, antes de morrer. Um corpo frio a se decompor, e nada mais. Não acredito em momento de glória: somos insignificantes demais para pensar nessas coisas. Entende?    Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu País, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o Universo -
  O homem tem de ser modesto; tem de olhar para o céu.  O mais importante não é a Arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar. Meu avô, que foi ministro do Supremo Tribunal, morreu sem um tostão. Inclusive a casa em que a gente morava estava hipotecada. Sempre tive a idéia de que o dinheiro não vale nada. Achei bonito ele morrer assim. Já disse que teria vergonha de ser um homem rico. Considero o dinheiro uma coisa sórdida. 
Nunca me calei. Nunca escondi minha posição de comunista. Os mais compreensíveis que me convocam como arquiteto sabem da minha posição ideológica. Pensam que sou um equivocado e eu penso a mesma coisa deles. Não permito que ideologia nenhuma interfira em minhas amizades.
  Camus diz em "O Estrangeiro" que a razão é inimiga da imaginação. Às vezes, você tem de botar a razão de lado e fazer uma coisa bonita. A Humanidade precisa de sonhos para suportar a miséria; nem que seja por um instante.
 
 
OSCAR NIEMEYER, Rio de Janeiro (RJ) - 1907-2012

10 comentários:

  1. cirandeira,
    na arquitetura eu sou da opinião de que "forma deve seguir função".
    niemeyer fez monumentos lindíssimos e temos, la em bh, varias criações dele, todas muito lindas.

    uma das minhas favoritas é a igejinha da pampulha (que tem um painel estupendo de portinari, em cerâmica) e é linda-linda-linda... mas a sua forma (que a difere das demais igrejas e que parece uma telha cumbuca fincada no chão) faz com que a temperatura fique insuportável em dias de calor. dá a impressão de que entramos numa arapuca....

    eu não tô aqui aqui pra diminuir niemeyer - a quem admirei e admiro como idealizador, como artista das formas e como um homem do seu tempo - mas acho que, como sonhador de prédios, projetou monumentos, estátuas com gente dentro.

    a vontade de viver e trabalhar dele até o final - e tantas outras coisas - são, pra mim, enorme lição de vida.

    beijão do

    r.

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    1. Ô Roberto, o legado que ele nos deixou é fantástico, não
      apenas aqui no Brasil, mas pelo mundo..., ninguém é perfeito, não é?

      beijão :)

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  2. Um poeta da arquitetura. Eu só fico pensando: nossa, essa gente está indo embora, quem nos sobrará? Quem? Esse orgulho de ser pobre...bom, eu estou na fase de aprender a gostar de dinheiro porque preciso dele, então não vou comentar para não quebrar meu trabalho interno...rs...Mas tão bom se não existisse dinheiro, pobreza, miséria...enfim...
    Beijos, Ci!

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    1. Foi realmente uma grande perda, Tânia. Mas prefiro acreditar na renovação da humanidade, que outros surgirão,
      porque senão nada valerá a pena :)

      beijosss

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  3. Um humanista, Niemeyer faz parte daquela constelação de homens que vieram para plantar. E fez seu trabalho da maneira mais proveitosa possível. Tantas nulidades com quem esbarramos do dia-a-dia. Gente que só pensa poder, dinheiro, bajulação, esperteza... e este homem tão simples e tão completo. Realizou sua missão.

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    1. Concordo contigo, AC, e está cada dia mais difícil encontrarmos alguém assim, não é mesmo?

      um abraço

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  4. o arquiteto que imaginava formas e alumbramentos,


    bj

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    1. e arquitetava sonhos em suas formas...!
      Obrigada por tua leitura, Assis.

      bj

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