quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Carta ao meu futuro filho


Camila é jornalista, tem um blog desatualizado, e se descobriu feminista recentemente.

Não sei se vocês sabem, mas quero ter filhos. Dois. Um deles, pelo menos, menino. E, vide os muitos acontecimentos machistas e homofóbicos vistos nos últimos 2012 anos, achei que era quase imperativo eu fazer uma listinha de coisas que falarei ao meu garoto:

1. Se você vir fotos de você bebê usando macacões rosa, ou roupas com flores: não estranhe. Não farei você aprender que uma cor é ligada a nenhum gênero. Se você ficar lindo de roxo, usará roxo. Se ficar lindo de azul, usará azul. Se ficar mais lindo ainda de cor de burro quando foge à tarde, será essa a cor de sua roupa.
2. Por favor, compartilhe os seus brinquedos. Com todos, sempre! É divertido brincar em conjunto.
3. Brinque com meninas.
4. Tenho certeza que adorará o seu quarto cheio de brinquedos. Carrinhos, bola, panelinhas, vassourinhas e mini-cozinhas.
5. Quando for para a escolhinha, tenha “amiguinhas” e não “namoradinhas”. Meninas e meninos podem ser amigos sem nenhum interesse por trás, e é bom que perceba isso desde pequeno.
6. Se a mamãe seguir pelo caminho que vai pro trabalho, é capaz que ela muitas vezes tenha que viajar ou passar algumas horas a mais na redação. Não se sinta desprestigiado ou não-amado. Entenda, a mamãe quis muito ser o que é, desde que era do seu tamanho. Ela ama o que faz um pouco menos do que te ama, mas ama, de qualquer forma.
7. Nunca, em hipótese alguma, tire sarro ou humilhe alguém porque essa pessoa é diferente de você. São todos iguais a você, filho. Trate as pessoas, de todas as idades, gêneros, credo e cor de pele de maneira educada e respeitosa. Sem esperar nada em troca.
8. Nunca seja conivente com humilhações alheias. Ficar em silêncio é tão ruim quanto, de fato, humilhar.
9. Se você se interessar por futebol, legal. Se gostar de basquete, legal. Se for ballet, legal. Se tiver vontade de tocar tuba, legal. Se quiser fazer teatro, legal. Nada disso lhe tornará menos menino.
10. Se alguém te chamar de “gay” ou “mulherzinha”, responda: “muito obrigado”. Nenhum desses nomes é xingamento, não para você, pelo menos. Não entre no preconceito dos outros.
11. Tente duvidar da maioria. Nem sempre aquilo que é bom é feito por todos.
12. Respeite as leis. Nem sempre elas farão um benefício direto para você. As leis existem para um bem comum. Se, depois de você seguir as leis, perceber que algumas não dão certo: fale. Tente mudá-las, não as burle.
13. Nunca trate uma mulher, garota ou menina como objeto. Nem como rainha. Elas são iguais a você.
14. Dentro disso de objeto, não sinta a necessidade de “comprar” alguém. Se for pagar a conta para uma garota com que sair (olha como estou me adiantando!), faça por gentileza, e não porque você quer alguma coisa a mais com ela.
15. Não deixe as suas cuecas aparecendo para fora da roupa. É feio e extremamente deseducado. Se você não pode ver a calcinha de uma menina, mesmo quando ela senta de saia, é bom que ela não seja obrigada a ver as suas roupas de baixo. (No ensejo, não olhe a calcinha das meninas, ou o sutiã, elas não são objetos)
16. Adolescência é complicada, compre Playboys/G Magazines e veja filmes pornô, se sentir vontade. Mas coloque na sua cabeça que nada disso é real.
17. Se quiser ter o cabelo comprido, tenha. Caso puxar o meu, ficarei feliz em te dar dicas sobre os melhores shampoos e condicionadores.
18. Se nascer branco, não tema os negros ou suspeite deles. Se nascer negro, não odeie os brancos, mais ódio não é algo que o mundo precise.
19. Quer gostar de metal? Goste! De funk? Goste. De axé? Goste. Desde que não escute nada disso tão alto que incomode as pessoas do seu lado. Ninguém é obrigado a gostar e apreciar aquilo que você gosta.
20. Use sempre camisinha. Sempre.
21. Se nascer hétero e acontecer um “acidente” com a sua namorada, nunca, em hipótese alguma, NUNCA, pergunte: “Você tem certeza que é meu?”. É ofensivo e repulsivo. Ela está falando com você, é lógico que o filho é seu.
22. Se nascer homo e quiser adotar, farei de tudo para ajudar. Mas não peça para eu cuidar sempre de seu filho, a responsabilidade é completamente sua.
23. Caso seu pai faleça, ou ele desaparecer da face da terra, ou eu não tiver um companheiro, por favor, não sinta a necessidade de ser o “homem da casa”. Na verdade, não use a expressão “homem da casa” em hipótese alguma.
24. Nunca “compre” uma mulher. Nem seja conivente com isso. É degradante.
25. Não se sinta “menos homem” se, por ventura, você chorar, quiser mostrar seus sentimentos, cuidar de sua aparência ou achar que seus pensamentos são complicados.
26. Gostar de meninos não te fará menos homem. Continuará sendo o meu garoto!
27. Ficar com muitas meninas não te fará mais homem! Acredite.
28. Se uma menina estiver se “insinuando” para você, rolar aquele clima e ela falar não, respeite-a. Não é sempre não.
29. Nunca, em hipótese alguma, diga coisas indecorosas para uma mulher que não conhece. Principalmente se ela estiver andando na rua.
30. Evite brigar. Se acontecer algum desentendimento, e, acredite, eles vão acontecer bastante, não se valha da sua força, além da do argumento.
31. Nunca, em hipótese alguma, nunca, nunca, se aproveite de ninguém que está em um estado pior que o seu.
32. Aprenda a lavar, passar e cozinhar. Não precisará pagar ninguém para fazer isso, muito menos pedir que sua parceira faça por você.

Sou nova, ainda vai demorar um pouco para eu ter filhos. Então, se tiver um menino, siga um pouco dessa lista. Ensine essas coisas pro seu filho. Talvez a sociedade se torne mais igualitária daqui a um tempo.•.

FONTE: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor do arco-íris,
ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras,
 mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia, se ama,
 se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)
Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade,
recompensa, justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados,
 começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo,
 eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.
 
 
 
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Antiga bênção irlandesa



Que a estrada se erga ao encontro de seu caminho. 
Que o vento esteja sempre às suas costas. 
Que o sol brilhe quente sobre sua face. 
Que a chuva caia suave sobre seus campos. 
E até que nos encontremos de novo, 
Que Deus te guarde na palma de sua mão. 



Lilies of the valley

Antología de Drummond ganha prêmio voltado a escritor vivo




O Prêmio Biblioteca Nacional de Literatura, que só aceita inscrições feita pelo autor --ou pela editora mediante autorização por escrito do autor--, escolheu antologia de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) como vencedora na categoria poesia.
Bernardo Ajzenberg, diretor executivo da Cosac Naify, aparece como vencedor por ser "detentor dos direitos autorais" de "Carlos Drummond de Andrade Poesia 1930-62" (Cosac Naify), organizado por Julio Castañon Guimarães.
Dois jurados da categoria, Francisco Orban e Leila Míccolis, não foram localizados para comentar. O terceiro integrante do júri, Carlito Azevedo, informou que não comentaria o assunto.
A Cosac Naify preferiu não se manifestar oficialmente por ora. No Facebook, Ajzenberg disse que "não faz sentido" figurar como autor e que fez "formalmente a inscrição pela [...] Cosac Naify".
A Biblioteca Nacional informou que analisará o caso se houver pedido de recurso.
Os vencedores nas oito categorias foram divulgados na sexta (21).



domingo, 23 de dezembro de 2012

Novas loas





Estrelas-guias do acaso
pousaram na janela.

Perdido o rumo
o pasto
o prumo de dois gumes
pessoais pronomes cantam
novas loas
tapumes bebem ruas
e o céu pendura sua lasca de lua.

"O voo de Ivo"


 
 
 
 
O voo dos pássaros
 

Os áridos pássaros que mudam as estações não vieram nunca,
 embora eu os esperasse.
Acaso falam os homens do que viram?
Silenciosos são os lábios dos homens.
Grito ou palavra de amor não comovem as pedras empedernidas pelo tempo.
Eram secos pássaros.
E o céu, que é plumagem, crepita.
Nem nos que voam nem nos que permanecem.
Não me demorei sobre nenhum pássaro.
Voando, eram a velha canção da infância morta para mim,
 que sempre vi o que não existe e eternamente verei o que jamais existirá.
Em voo, como os anos, a vida, o tempo...
Nada imaginei que pudesse ser admitido
pelos que não entendem uma teoria de pássaros.
 
 
LÊDO IVO,   poeta, romancista, cronista, ensaísta e tradutor, nasceu em Maceió(AL), em fevereiro de 1924, e faleceu em Madri (Espanha), na madrugada de 23-12-2012 aos 88 anos de idade.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

BOAS FESTAS PARA TODOS!!!!

 
Mínimo Ajuste aproveita o recesso que sempre acontece no final de todos os anos para fazer um passeio em outras plagas! Voltaremos em 2013.
 
 
Abraços e beijos para todos que por aqui passarem!!!

domingo, 16 de dezembro de 2012

Joãozinho-Sem-Medo


 
 
Era uma vez um menino chamado Joãozinho-Sem-Medo, pois não tinha medo de nada. Andava pelo mundo e foi parar em uma hospedaria, onde pediu abrigo.
- Aqui não tem lugar - disse o dono -, mas se você não tem medo, posso mandá-lo para um palácio.
- Por que eu sentiria medo?
- Porque alí a gente sente, e ninguém saiu de lá a não ser morto. De manhã,  a Companhia leva o caixão para carregar quem teve a coragem de passar a noite lá.
Imaginem Joãozinho! Levou um candeeiro, uma garrafa, uma linguiça, e lá se foi.
À meia-noite, comia sentado à mesa quando ouviu uma voz saindo da chaminé:
- Jogo?
E Joãozinho respondeu:
- Jogue logo!
Da chaminé desceu uma perna de homem. Joãozinho bebeu um copo de vinho.
Depois a voz tornou a perguntar:
- Jogo?
E Joãozinho:
- Jogue logo!
E desceu outra perna do homem. Joãozinho mordeu a linguiça.
- Jogo?
- Jogue logo!
E desceu um braço. Joãozinho começou a assoviar.
- Jogo?
- Jogue logo!
Outro braço.
- Jogo?
- Jogue!
E caiu um corpo que se colou nas pernas e nos braços, ficando de pé um homem sem cabeça.
- Jogo?
- Jogue!
Caiu a cabeça e pulou em cima do corpo. Era um homenzarrão gigantesco, e Joãozinho levantou o copo dizendo:
- À saúde!
O homenzarrão disse:
- Peque o candeeiro e venha.
Joãozinho pegou o candeeiro, mas não se mexeu.
- Passe na freste! - disse Joãozinho.
- Você - disse o homem.
- Você - disse Joãozinho.
Então o homem se adiantou e de sala em sala atravessou o palácio, com Joãozinho atrás, iluminando. Debaixo de uma escadaria havia uma portinhola.
- Abra! - disse o homem a Joãozinho.
E Joãozinho:
- Abra você!
E o homem abriu com um empurrão. Havia uma escada em caracol.
- Desça - disse o homem.
- Primeiro você - disse Joãozinho
Desceram a um subterrâneo, e o homem indicou uma laje no chão.
- Levante!
- Levante você! - disse Joãozinho, e o homem a ergueu como se fosse uma pedrinha.
Embaixo havia três tigelas cheias de moedas de ouro.
- Leva para cima!  -  disse o homem.
- Leve para cima você! - disse Joãozinho. E o homem levou uma de cada vez para cima.
Quando foram de novo para a sala da chaminé, o homem disse:
- Joãozinho, quebrou-se o encanto! - Arrancou-se uma perna, que saiu esperneando pela chaminé - Destas tigelas uma é sua - Arrancou-se um braço, que trepou pela chaminé. - Outra é para a Companhia que virá buscá-lo pensando que você está morto - Arrancou-se o outro braço, que acompanhou o primeiro. - A terceira é para o primeiro pobre que passar - Pode ficar com o palácio também. Arrancou-se o corpo e ficou só a cabeça no chão. - Porque se perdeu para sempre a estirpe dos proprietários  deste palácio. - E a cabeça se ergueu e subiu pelo buraco da chaminé.
- Assim que o céu clareou, ouviu-se um canto: Miserere mei, miserere mei, e era a  Companhia com o caixão que vinha recolher Joãozinho morto. E o veem na janela, fumando cachimbo.
Joãozinho-Sem-Medo ficou rico com aquelas moedas de ouro  e morou feliz no palácio. Até que um dia aconteceu que, virando-se, viu sua sombra e levou um susto tão grande que morreu
 
 
Extraído de Fábulas italianas, sob a coordenação de Ítalo Calvino - Companhia do Bolso.

Da série cantando baixinho



sexta-feira, 14 de dezembro de 2012


 
 
No breve número de doze meses o  ano passa
 e breve são os anos, pouco a vida dura.
Que são doze ou sessenta na floresta dos números
 e quanto pouco falta para o fim do futuro!
Dois terços já, tão rápido,
 do curso que me é imposto correr descendo,
 passo.
Apresso e breve acabo.


Poesia de Ricardo Reis - Fernando Pessoa

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Dois minicontos


Monólogo com a sombra

 
 
Não adianta me seguir.
Estou tão perdido quanto você.
 
ROGÉRIO AUGUSTO 
 
 
 
Terrores noturnos
 
 
Abriu os olhos, pulou da cama,
correu até a porta: trancada.
 
PALOMA VIDAL
 
 
Extraído de Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século - Organização: Marcelino Freire

Decoração de Natal




Todos os anos, são as lojas que primeiro anunciam a sua chegada. Todos os anos, vitrines luminosas piscam–piscam as suas cores, e a luminosidade dos shopping centers anunciam, na decoração do Natal, os seus apelos.
O Natal vem chegando e nos surpreendendo pelo avanço do tempo, pois, assim, antecipado nas vitrines, sentimos que o trenó de Papai Noel a cada ano se torna mais veloz, e os seus sinos anunciam a passagem da própria vida, nos braços do tempo.
O tempo é mágico e nos surpreende: mesmo sabendo que ele é sempre o mesmo, insistimos em repetir que, como um vento, o ano passa e sua velocidade, sentida quase como um lamento, nos convida a pensar, a rever, a revisar.
Mas o tempo nunca altera a sua velocidade. O que muda é a nossacontagem. Quando bem vivido, é lento; dentro dele cabe tudo aquilo que nos transformou, nos emocionou. No entanto, preso no acaso de nossas monótonas repetições, parece não ter saído do lugar. Quando nele confiamos e o amamos, ele nos traz decisões e as soluções tão almejadas. Contudo, quando o tememos, parece não nos trazer presentes, mas a dor da sua perda e de todas as ausências.
Tempo é sempre o mesmo e permanece invariável, maleável à nossa contagem, como a massa de modelar da nossa vida ou a matéria prima para os nossos sonhos. Tempo é Um. E como o Um iniciamos a contagem. No entanto, há muito tempo, entre os gregos, o tempo era Dois: duas palavras para expressá-lo, duas formas de compreendê-lo, duas maneiras de contá-lo e dois deuses para representá-lo - Khronos e Kairós.
Khronos surgiu no princípio dos tempos e foi formado por si mesmo. Unindo-se a Ananka ou Inevitabilidade, gerou a Terra, o Mar e o Céu. Permanece sem corpo, como um deus, conduzindo a rotação dos céus e o eterno caminhar do tempo. Como força, é capaz de devorar os próprios filhos, tornando-se um deus temido por todos.
Kayrós é um pequeno deus, que se parece com um elfo. É representado por um belo jovem seminu, com asas nos ombros e nos tornozelos. Kayrós sempre corre segurando a sua lança. Sua cabeça contém uma única mecha, a marca da sorte de uma oportunidade:
Os gregos, como fazemos nós, contavam com Kairós para derrotar o tirano Kronos - o tempo da tão temida morte, do fim de todas as coisas.
Khronos é o tempo cronológico, ou sequencial; é o tempo que se mede, que se perde, que se ganha. É o tempo que passa. Kairós é o tempo indeterminado, o tempo no qual algo especial acontece, o momento oportuno. É o tempo em potencial, tempo eterno, tempo de Deus. Kairós tem a duração de um movimento, uma criação. Khronos é o monótono,repetititivo e veloz tempo dos homens
O Tempo comanda os movimentos do Universo, marcando seu ritmo. Em sua forma Khronos, aprendemos a contar, a retroceder, a avançar. É em Khronos que conhecemos o passado, o presente e o futuro. Em sua forma Kairós, porém, o tempo possui asas nos pés, para que nos lembremos da eterna leveza do agora. Kairós é tempo do momento afortunado, tempo que tudo transcende, manifestando-se no eterno presente, instante após instante.
Os shoppings centers, as vitrines, os calendários e quase todos nós vivemos a maior parte do tempo em Khronos, contando o tempo que falta para a morte, para o fim das dificuldades que vivemos ou para a chegada das situações que desejamos. Esquecemos de Kairós, que passa levemente por nossos rostos com a leveza do vento, mostrando-nos que o agora é o único momento oportuno e é onde está a verdadeira vida.
E quando a decoração de Natal nos surpreende pela veloz passagem do tempo é como se nos deixasse uma mensagem: “Apresse o seu trenó, pois agora seu tempo é pouco para tudo aquilo que você esperou, nesse tempo, viver”.E isso acontece porque Khronos adora criar expectativas, por viver com medo da finitude. Khronos é muito triste e, por isso, conta e reconta. Kairós sonha e é feliz. Enquanto Khronos conta, Kairós sonha
Kairós, de um lugar dentro de nós, convoca, convida-nos, apela : “avance, confie , entregue-se a essas nuvens e deixe-me conduzir seu trenó”.
Por isso, se olharmos mais uma vez a decoração de natal, podemos escutar um outro tempo que nos fala . Um tempo que está além da simples idéia de finitude e nos avisa que é este - é este, e apenas este- o tempo único, o tempo oportuno, o Agora onde está a vida verdadeira.
Suspeito que, quando conhecermos verdadeiramente o amor, Kairós derrotará Khronos. Pois, já sentimos: um dia de amor, um instante de um acontecimento extraordinário ou um momento de extrema felicidade é o que faz o tempo parar, É quando, humildemente, Khronos se afasta e o tempo,lindamente ,se desgoverna, pára, avança , retrocede .Creio que um único dia de amor , ou um instante de plenitude equivale a mil dias na monótona contagem de Khronos numa vida superficial e incompleta
Olhemos, então, mais uma vez a decoração do Natal, e vamos escolher. Podemos a tudo ver com os olhos de Kairós ou de Khronos. E então ,ali, encontraremos: o verde de nossos campos cuidadosamente cultivados ou da nossa imaturidade. Os frutos belos, brilhantes e coloridos ou esmaecidos e sem cor das ações que agora colhemos. As luzes que piscam revelando nossa instabilidade ou nossa mais profunda alegria. O vermelho do nosso amor ou das paixões que nos consomem. O impávido pinheiro que se revelou a partir de uma semente ou a árvore desgastada de nossas falsas conquistas.
Olhe bem: ali, logo ali, estarão os anjos em pequenas estatuetas vazias ou aqueles luminosos que foram libertos de dentro de nosso peito na forma de Generosidade, Compaixão, Solidariedade, Tolerância , Respeito às diferenças. O Noel de nossos sonhos ou o velhinho triste e cansado de nossas expectativas frustradas. As renas que nos conduzem e a elas nos entregamos ou em quem não confiamos e lutamos pela direção.
Ali estão o presépio da nossa família, os laços vermelhos e dourados que ao longo do ano fizemos ou tudo aquilo a que nos amarramos. O trenó do nosso tempo ou de nossa saudade.
Escute outra vez: ali tocam os sinos que nos convidam a sentir o nascimento de uma criança viva e linda dentro de nós. Nascimento que a todo ano se repete a nos lembrar a mais bela mensagem de amor que já se ouviu entre no Céu , no Mar, ou na Terra. Uma mensagem que marcou uma nova contagem, que inaugurou um novo tempo para a humanidade e que , por um momento, acredito, até fez Khronos e Kairós darem-se as mãos para recolher uma estrela que marcasse esse momento extraordinário, e servisse de guia e de inicio da contagem de nossa era. E para que pudéssemos compreender que é possível viver o tempo do extraordinário de Kairós, submetidos à contagem de Khronos,que rege nossas vidas.
Acredito que se olharmos outra vez, até na decoração do Natal haveremos de encontrar a nossa estrela que poderá trazer o muito do encantado que existe dentro de nós. Ela terá a beleza da verdade quando se tornar, dentro de nós, muito mais do que simples decoração.
Então que venha, que venha com o Natal, que venha um novo tempo, e que , mais do que do Natal uma decoração, que seja , que seja, um Natal ... de coração...



Feliz Natal!
Susana Meirelles
 
http://gentecomcaradevento.blogspot.com.br/
 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

"O veneno está na mesa"






Em meio a manchetes de jornais que apontam que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) contrariou regras internas e permitiu a venda de agrotóxicos mais prejudiciais à saúde, o documentário" O veneno está na mesa", exibido na 7ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul vem mostrar a sua duradoura atualidade. O filme de 50 minutos segue linguagem direta, com opinião explícita sobre o assunto, como já é marca do diretor Silvio Tendler. É produto de uma campanha contra o uso de agrotóxicos no Brasil que conta com apoio direto do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de uma série de entidades e movimentos sociais. Os dados colocados de maneira pedagógica no documentário – como o de que os brasileiros consomem em média 5,2 litros de veneno por ano – impactam não só em decorrência da desinformação geral sobre a quantidade de agrotóxicos contida nos mais variados alimentos disponíveis nas prateleiras de supermercados, como também pela ausência de divulgação dos verdadeiros impactos desses produtos à saúde humana. Justamente por ser parte de uma campanha, com posicionamento indiscutível contra o uso de agrotóxicos, o filme surpreende pela quantidade e qualidade das entrevistas conduzidas por Aline Sasahara. São 70 no total, sendo elas majoritariamente de agricultores – de variados municípios do país -, o que também demonstra uma opção de ouvir aqueles que lidam diretamente com a terra, que entendem dos perigos dos agrotóxicos e também sofrem diretamente seus efeitos. Sasahara conta que foi impactante ver durante a coleta de depoimentos que “as pessoas têm consciência de quanto estão se expondo, que estão multiplicando esses produtos e que estão envenenando outros consumidores”. Mas a angústia é não conseguir vencer esta lógica devido à pressão do agronegócio. “Nós fomos pra região do fumo, por exemplo, onde a realidade é absolutamente devastadora, que merecia um outro filme” diz Sasahara, explicando que não é somente sobre os produtos comestíveis que este problema versa. Como a produção do fumo também é uma atividade tradicional, de cultivo que envolve o conjunto das famílias incluindo crianças, o tema gera inclusive discórdia entre seus membros sobre como enfrentar as empresas que impõem a compra de um pacote de produtos químicos para viabilizar a produção. “É uma situação de escravidão e as pessoas não conseguem sair”, conclui. Intercalado com imagens de defensores do uso de agrotóxico, como a senadora Kátia Abreu (PSD), o documentário coloca em confronto aberto os distintos projetos de desenvolvimento da agricultura no país. De um lado os porta-vozes do agronegócio, de outro os movimentos sociais, pequenos agricultores, intelectuais progressistas e pesquisadores do assunto. “Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos”, diz a abertura do filme. E já se sabe que eles causam câncer, má formação do feto, depressão, problemas hormonais, neurológicos, reprodutivos, no rim, doenças de pele, diarréia, vômitos, desmaio, dor de cabeça e contaminação do leite materno. É sob este estigma que toda uma geração cobaia, em nome do “sucesso da agricultura”, viverá caso as políticas entorno do agrotóxico não sejam revistas. E o filme contribui para que o país tenha melhor noção sobre a dimensão desses perigos, não só aos seres humanos diretamente, mas também ao meio ambiente.

Extraído de http://www.cartamaior.com.br


A programação completa da Mostra pode ser vista em: http://www.cinedireitoshumanos.org.br

O homem mal-educado



 
 
O mal-educado não tirava o chapéu em
nenhuma situação. Nem às senhoras
quando passavam, nem em reuniões
importantes, nem quando entrava na igreja.
 
Aos poucos a população começou a ganhar
repulsa pela indelicadeza desse homem, e
com os anos esta agressividade cresceu até
chegar ao extremo: o homem foi condenado
à guilhotina.
 
No dia em questão colocou a cabeça no cepo,
sempre, e orgulhosamente, com o chapéu.
 
Todos aguardavam.
 
A lâmina da guilhotina caiu e a cabeça rolou.
 
O chapéu, mesmo assim, permaneceu
na cabeça. Aproximaram-se, então, para
finalmente arrancarem o chapéu àquele
mal-educado.
 
Mas não conseguiram.
 
Não era um chapéu, era a própria cabeça
que tinha um formato estranho.
 
 
GONÇALO M. TAVARES - ( Angola, 1970-      ) em O senhor Brecht - Editora Casa da Palavra.

Transcrição



                                                                                       Foto Miguel Rio Branco

O jogo transcreve o dia
em seus extremos
para quem ganha e perde
ou se vicia.
Mas dia a dia
no jogo da incerteza
é mais seguro apostar
na assimetria.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Paola Requena

O papel, a mesa, o sol, a pena...


 
 
O papel, a mesa, o sol, a pena...
Ao lado, a janela. E nada tenho
e nada sou que escrevo. E nada espero
de quanto espero.
 
Enquanto escrevo não sou nem mesmo quero
não escuto nem palavras nem silêncio.
Alinho palavras mas ainda não caminho.
Estou a uma mesa pobre sem movimento.
 
O papel, a mesa, o sol, a pena...
Nada começa, nem à sombra respiro.
Tudo é distinto e claro.
 
Tudo é certo ou obscuro. Eu não sou
neste intervalo. Em vão caminho.
 
Não quero esperar,
não quero navegar num mar fácil de palavras.
Quero caminhar somente com o corpo que sou,
quero, sem querer, ser o próprio sangue,
músculos, língua, braços, pernas, sexo,
a mesma certeza oculta e única, tantas vezes clara,
a mesma força que nos pulsos aflora, tensa,
a mesma noite aberta que a todo o dia estendo,
a mesma alta, , elástica dança de um corpo vivo!
Mas agora estou no intervalo em que
toda a sombra é fria e todo o sangue é pobre.
Escrevo para não viver sem espaço,
para que o corpo não morra na sombra fria.
 
Sou a pobreza ilimitada de uma página.
Sou um campo abandonado. A margem
sem respiração.
 
Mas o corpo jamais cessa, o corpo sabe
a ciência certa da navegação no espaço,
o corpo abre-se ao dia, circula no próprio dia,
o corpo pode vencer a fria sombra do dia.
 
Todas as palavras se iluminam
ao lume certo do corpo que se despe,
todas as palavras ficam nuas
na tua sombra ardente.
 
 
ANTONIO RAMOS ROSA,  em Animal olhar - A construção do corpo - Editora Escrituras.
O autor nasceu em Portugal, na cidade de Faro, em 1924.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Manuel Bandeira


 
 
Meu caro Manuel, tenho água para dar às galinhas, mas disseram-me que as galinhas bebem pouco.
Tenho também alguns grãos para dar aos porcos, mas disseram-me que os porcos muito comem, e eu trago um cesto pequeno, um cesto onde os  meus filhos guardavam brinquedos.
Meu caro Manuel, trago o calendário do sol e de mais sete planetas, mas dizem-me que há sempre outros que surgem, e que modificam as contas.
Acordo com o galo, lavo-me com a água, amo com a mulher, adormeço na cama, morrerei com um livro.
 
 
GONÇALO M. TAVARES, em Biblioteca - Casa da Palavra Produção Editorial - (Angola, 1970-)

A mudança e a miséria





A miséria existe. E a burguesia brasileira, que é das mais atrasadas, está sentindo isso na pele pela primeira vez. A chance de mudança está aí, nesta situação-limite. E há o inesperado, com o qual devemos contar. Um dia, lá em Paris, Sartre me disse que gostava de ter dinheiro no bolso para dar esmola. O sujeito chegava, Sartre dava um dinheirinho e quase agradecia por isso. Mudei minha opinião sobre a esmola. Como dizia o padre Teillard Chardin, quando ser for melhor que ter, estará
tudo resolvido..
A vida pode mudar a arquitetura. No dia em que o mundo for mais justo, ela será mais simples.
 
  A vida é um sopro. Por isso, não há motivo para tanto ódio. A Arquitetura não muda nada. Está sempre do lado dos mais ricos. O importante é acreditar que a vida pode ser melhor A vida é importante; a Arquitetura não é. Até é bom saber das coisas da cultura, da pintura, da arte. Mas não é essencial. Essencial é o bom comportamento do homem diante da vida.
  Acho muito bom a pessoa se recolher e ficar pensando em si mesma, conversando com esse ser que tem dentro dela, que é nosso sósia, né? Eu converso com ele a vida inteira. Tudo passa.
 
Acho que escola de samba deveria servir, às vezes, como veículo de protesto, para cantar os anseios da gente pobre. Afinal, os sambistas que descem do morro divertem a burguesia que bate palmas,acha fantástico, mas no dia seguinte tudo esquece.
 
Cem anos é uma bobagem. Depois dos 70 a gente começa a se despedir dos amigos. O que vale é a vida inteira, cada minuto também, e acho que passei bem por ela. Desejo ver um mundo melhor, mais fraternal, em que as pessoas não queiram descobrir os defeitos das outras, mas, sim, que tenham prazer de ajudar o outro. . Mais importante do que a Arquitetura é estar ligado ao mundo. É ter solidariedade com os mais fracos, revoltar-se contra a injustiça, indignar-se contra a miséria. O resto é o inesperado; é ser levado pela vida. No dia em que o mundo for mais justo, a vida será mais simples Nossa passagem pela vida é rápida. Cada um vem, conta sua história, vai embora e depois ela será apagada para sempre. A vida continua. Nunca acreditei na vida eterna. Sempre vi a pessoa humana frágil e desprotegida nesse caminho inevitável para a morte... Às vezes, muito jovem, o espiritismo me atraía, logo dissolvido pelo materialismo dialético, irrecusável. Se via uma pessoa morta, meu pensamento era radical. Desaparecera, como disse Lacan, antes de morrer. Um corpo frio a se decompor, e nada mais. Não acredito em momento de glória: somos insignificantes demais para pensar nessas coisas. Entende?    Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu País, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o Universo -
  O homem tem de ser modesto; tem de olhar para o céu.  O mais importante não é a Arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar. Meu avô, que foi ministro do Supremo Tribunal, morreu sem um tostão. Inclusive a casa em que a gente morava estava hipotecada. Sempre tive a idéia de que o dinheiro não vale nada. Achei bonito ele morrer assim. Já disse que teria vergonha de ser um homem rico. Considero o dinheiro uma coisa sórdida. 
Nunca me calei. Nunca escondi minha posição de comunista. Os mais compreensíveis que me convocam como arquiteto sabem da minha posição ideológica. Pensam que sou um equivocado e eu penso a mesma coisa deles. Não permito que ideologia nenhuma interfira em minhas amizades.
  Camus diz em "O Estrangeiro" que a razão é inimiga da imaginação. Às vezes, você tem de botar a razão de lado e fazer uma coisa bonita. A Humanidade precisa de sonhos para suportar a miséria; nem que seja por um instante.
 
 
OSCAR NIEMEYER, Rio de Janeiro (RJ) - 1907-2012

Da série ouvindo no carro

Niemeyer

Homenagem de uma bípede a um homem que se importou também com pisantes!
Papai Noel, essa é a sua última chance: se você existe, quero um, qualquer um!!


                                            “Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem”.

                                                             Frase do Niemeyer escrita nos tênis. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Antielegia de um sapato


Van Gogh
 
 
O soluço como um sapato
na porta. Ou o sapato
como um soluço no pé.
E não sei mais soluçar,
porque os sapatos
apertam os soluços.
E o universo não é
do tamanho da dor.
A dor é universo.
A dor é um sapato
que não cabe.
 
 
Carlos Nejar, em  Fúria Azul - Antielegias - Ateliê Editorial