sábado, 9 de fevereiro de 2013

Criador(a) e criaturas...

 


Há quarenta ou cinquenta anos, um crítico fez uma lista particular de escritores e poetas que ele pessoalmente considerava os únicos que prestavam na literatura, e descartou todos os demais. Ele defendeu essa lista amplamente em publicações, pois a Lista instantaneamente virou assunto de debate. Milhões de palavras foram escritas pró e contra - escolas, seitas, favoráveis e contrárias, vieram a existir. A discussão, após tantos anos, prossegue...e ninguém julga esse estado de coisas lamentável nem ridículo...
Daí, existem livros de crítica de imensa complexidade e erudição que tratam, quase sempre em segunda ou terceira mão, de trabalhos originais - romances, peças, contos. As pessoas que escrevem esses livros formam uma camada nas universidades do mundo inteiro: são um fenômeno internacional, o ápice dos intelectuais. Passam suas vidas criticando, e criticando as críticas dos outros. Eles pelo menos consideram essa atividade mais importante do que o trabalho original. É possível a alunos de literatura passarem mais tempo lendo críticas e críticas de críticas do que lendo poesias, romances, biografias, contos. Muita gente considera normal esse estado de coisas, e não lamentável nem ridículo...
Daí, quando sai um livro sobre certo assunto, digamos contemplação dos astros, instantaneamente um punhado de faculdades, associações e programas de televisão escrevem ao autor convidando-o para falar sobre contemplação dos astros. A última coisa que lhes ocorre fazer é ler o livro. Esse procedimento é considerado normalíssimo, sem nada de ridículo...
 
 
Doris Lessing,  em O carnê dourado ( Prefácio )


Um comentário:

  1. Grande Doris!
    A maior parte das pessoas se "especializa" em opiniões alheias pensando que está a se especializar em uma obra.
    beijos, Ci

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