Entrevista com o humorista, poeta e ilustrador Tuca Zamagna
Ao nascer a primeira palavra, estava de cócoras uma imagem! Pois é assim que se dá, uma imagem gera o motivo de haver palavra e a palavra se sustenta nas razões da imagem. Mas quem vai ao fundo do sentido de uma palavra até que ela se inverta e volte a ser imagem? O artista em questão sim! Ele transgride, tanto a vocação da palavra, quanto o apelo da imagem, e transforma poema em signo visual e imagem em signo verbal. Duvida? Senhoras e senhores, eis Antônio! "Parla!!!"
(Eleonora Marino Duarte)
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RV – A vida é mesmo uma grande comédia? Afinal, estamos fazendo algo aqui na Terra ou apenas perdidos em uma grande peça? (Sandrio Cândido)
TZ - Grande até demais, Sandrio. Eu a estou assistindo há exatos mais de 62 anos, chorando de tanto rir, rindo de tanto não querer chorar mais. No palco, não subo nem amarrado, mas de vez quando rola um número de platéia e acabo envolvido na cena por alguma veneta do destino que vem aboletar o bundão no meu colo. Tal visão da vida como um espetáculo teatral comporta dois desfechos – um ruim e o outro péssimo. O ruim é que esse 1º ato não termina nunca, e não vejo a hora de sair para fumar um cigarro, tomar uma cerveja e dar uma azarada na baleira guloseimérrima. O desfecho péssimo é que, pelo andar da carruagem, certamente sou eu uma das personagens que batem as botas no 2º ato. E o pior é que não tenho nem o direito de fazer ao Autor (por n’Ele não botar fé) um primeiro e último pedido: “Queda no abismo, estrangulamento e racumim, não, certo?”
RV – O que significa a blogosfera para o teu trabalho artístico? (Sandrio Cândido)
TZ -Significa isso aqui, basicamente. A chance de trocar conhecimento, afeto e outras figurinhas com tanta gente especial que decerto eu não teria a chance de conhecer pelas vias normais. Vias normais... A blogosfera não é em cápsulas nem em gotas; é direta, na veia. Mas injeção ela não é, porque não dói nada. Um casal de amigos blogueiros (ele, professor de física; ela, astróloga) me garantiu que... Bem, eu não confio em depoimento conjunto de nenhum casal, por isso não pretendo comprovar, muito menos avalizar a veracidade do que eles me garantiram, mas deixo aqui registrado: “A blogosfera é um bálsamo social, cultural e espiritual de ação rápida, em exclusiva versão supositório-em-spray.”
RV - Como foi que você começou a descobrir seu lado artístico? (Luiza Maciel)
TZ - Estava meio dormindo na hora, Luiza. Quando dei por mim ele estava deitado a meu lado, e era macio, cheiroso e sedutor como toda mulher. Sim, o meu lado artístico – todo lado artístico – é mulher. Fosse homem, só criaríamos artes marciais. Sou habilidoso e criativo desde criança. Fazia meus próprios brinquedos: pipas e balões (em formatos exóticos) que raramente subiam, espadas de madeira torneada (lindas, mas quebravam no primeiro duelo contra as de plástico da Estrela), caminhões com rodas de chapinha de garrafa e carroceria de lata de marmelada (que iam muito bem nas retas, mas capotavam na primeira curva), atiradeiras (matar passarinho não era feio naquele tempo pré-ecológico, mas eu preferia matar outros garotos, em guerras com “balas” de miolo de pão – doía muito, mas como só valia atirar nas pernas e as minhas eram gravetos difíceis de alvejar, eu só morria porque minha arma arrebentava em plena batalha). Uma vez arrasei como arquiteto e engenheiro – literalmente: minha casa na árvore ruiu na primeira visita de meus dois irmãos, que eram gordinhos. Foi, porém, uma tragédia muito fecunda: eles trataram de emagrecer e fazer arquitetura (a irmã mais velha) e engenharia (o caçula). Texto, eu tinha 10 anos quando escrevi um poema. Pela forma com que foi escrito, pode-se dizer que é uma ode a duas paixões concomitantes: a linotipia – com a mágica escrita de trás para frente dos clicheteiros – e os joelhos da minha professora. O poema perdeu-se, mas uns anos depois o reconstituí, com alguma (ou muita!) falsidade estilística:
AivliS anod ed sohleoj so
“Arosseforp ahnim as sohleoj so
Odut euq sotinob siam oãs.
Oçuo men ue anisne em ale euq o,
Odutse ue ouq sohleoj so oãs. (...)”
Do linotuca arcaico para o português: Os joelhos de dona Silvia – “Os joelhos da minha professora/ São mais bonitos que tudo./ O que ela me ensina eu nem ouço,/ São os seus joelhos que eu estudo. (...)”
RV - O grau de amizade ou de simpatia pela pessoa em questão, pesa na hora em que você compõe uma colagem, influenciando na temática que usará, na escolha da característica a ressaltar? Ou você faz suas (de)composições sob o olhar, digamos, de uma irreverência impessoal? (Joelma Bittencourt)
TZ - Minha irreverência, Joelma, é quase incontrolável. Mas nunca é impessoal, porque conto com outros pincéis importantes. O conhecimento, ou a simples intuição de conhecimento sobre a pessoa pode se tornar uma trincha ou até mesmo uma espátula. E o grau de amizade ou de simpatia pela vítima, sem dúvida pesa e pesa muito. Se for, por exemplo bem a propósito, um amigo meio gordote como o Paulinho Saturnino, não vou retratar com sádica exatidão as arrobas que ele pesa. Vou é fazer mais ou menos o que fiz no quadro com que o homenageei quando ele completou 40 anos a me aturar: arranquei-lhe toda a roupa sombria da foto original, calcei-lhe um par de patins (sonho de todo paraplégico), embelezei-lhe as coxas, vesti-lhe uma delicada calcinha verde-limão, plantei-lhe um seio ainda bem viçoso a escapar da blusinha de cetim rosa-maravilha e, é claro, troquei seus volumosos e rijos pneus por maleáveis orelhas de banha que mergulham, com a elegância de samambaias, quase até o chão.
RV - Tuca, você se dedica muito às suas ilustrações, parece ser altamente perfeccionista. Você acha que a disciplina é essencial para uma produção intelectual? E, se tivesse de escolher entre ser talentoso e ser disciplinado, com que opção ficaria? (Lelena Camargo)
TZ- Pouquinho mais que altamente, Lelena. Neuroticamente, talvez psicoticamente, beirando o psicopatamente perfeccionista.
Essencial, não acho não. A disciplina é útil, muito útil. Mas no meu caso, pelo menos, não mais do que a indisciplina. Explicarei isso melhor adiante (na verdade, já expliquei, porque, indisciplinado disciplinado que às vezes sou, respondi suas perguntas rigorosamente de trás para frente).
Em tese, eu não daria uma gota de talento em troca de um tonel de disciplina. Mas me constrange não trocar um tanto de talento – que, modéstia à merda, eu tenho de sobra – pela disciplina, essa boa moça que conheço só de encontros breves, tão breves que nunca passamos de preliminares mornas e semi-áridas. Fico, pois, com a disciplina. Na verdade, os grandes surtos criativos que tive e tenho estão relacionados ao ato, prazerosíssimo, de burlar a disciplina dos compromissos. Quando eu deixava para estudar na véspera de uma prova (e comigo era isso ou, simplesmente, não estudar hora nenhuma), depois de alguns minutos de estudo, baixava uma súbita e irresistível vontade de fazer um poema, um conto, uma música... E lá ia eu madrugada adentro, todo lampeiro na minha criação, e o tal do Antonio Claudio que se virasse na prova da manhã seguinte. A psicanálise também era uma maravilha para me inspirar. Ás vezes eu faltava a quatro, cinco sessões seguidas e, quando enfim aparecia no consultório, ficava um bom tempo mudo, tentando baixar o emperrado freio de mão da culpa. Aí, a sacana da minha analista, pra me dar um gentil empurrãozinho no precipício, perguntava como quem não quer nada: “Tem escrito muito, não?”
RV - Para o corpo, a ironia é uma palavra bem-humorada? (Cris de Souza)
TZ - Sempre, Cris. Mormente se sussurrada em zonas mais suscetíveis a excitação sensual que a cócegas.
RV - E quando o verso não dá sossego à alma? (Cris de Souza)
TZ - Escreva logo outro, na mesma linha porém mais incisivo. Depois outro, bem contundente. Mantenha essa progressão, sem trégua. Uma hora a alma toma tenência e vai procurar sossego em outra freguesia!
RV - Qual mensagem você deixaria naquela garrafa lançada ao mar? (Cris de Souza)
TZ - “Atendo três pedidos, trago o ser amado de volta em três dias, conserto sogra, patrão e político em três tempos. Mas, engarrafado, não fico nem três segundos.”
Garrafa longe da água: Perguntado por que era capaz de beber uma garrafa de destilado sem tomar um único copo d’água, W.C.Fields respondeu, na bucha: “Peixes fodem nela!”
RV - Acredito que a vida de todo mundo seja um romance, bom ou ruim, isso pouco interessa, história pessoal, longa ou curta, mas na intensidade da medida de cada um - e isso é o que importa. Excetuando-se o romance, em qual obra literária você se encaixaria: num conto, numa crônica, num poema ou numa carta? (Suzana Guimarães)
TZ - Já que você descartou meu encaixe num romance, Su, eu vou de poema, fazer o quê? E a minha modéstia acha que até me cai bem um poeminhazinho. Mas épico, pode ser? Se possível, também tragicômico. E hitchcock-feliniano!.. lírico-pornô!.. anárquico-apoteótico!.. nobilíssimo, por minha desmilingüida vira-latice! Talvez, se der pra ter um climinha surrealista, não precise nem ser muito maior do que Guerra e Paz.
RV -. O que você sente diante de uma mulher de vestido? Por que você aprecia os vestidos nas mulheres ou as mulheres nos vestidos? (Suzana Guimarães)
TZ - Uma inexplicável e inebriante vontade de bater continência com as duas mãos! Só que não posso: preciso de ambas para controlar a (ir)reverência militar da parte minha que mais se emociona com a conjugação do Presente Mais Que Perfeito do Imperativo.
Mulher e vestido formam uma dupla imbatível: não tem para a goiabada com queijo nem para a pinga com torresmo, sô! Se uma mulher de vestido me quer, tenho duas opções divinas: tirar o vestido da mulher ou tirar a mulher do vestido. Se uma mulher sem vestido nem nada me quer, as opções não são menos endeusáveis, embora me deixem um tanto confuso: não sei se vou pra cama com a mulher ou pro guarda-roupa bolinar o vestido. Agora, mulher de calça comprida... Valei-me, Santo Expedito!... Para começar, perco minhas referências cardeais: cadê a insolência da via láctea das canelas, aquele brilho mais infinito do corpo feminino a beliscar todos os meus olhares tímidos ou distraídos? – cadê a nobreza sorridente dos joelhos ao fazer de cama elástica os meus tímpanos com seus cleps e plocts sutis como dobraduras de origami? – cadê a astúcia robusta das batatas convidando lábios e língua para um passeio pela(s) redondeza(s).... Francamente, por uma questão de cavalheirismo, eu até me empenho em fingir que não percebo a rudeza de panos que montam nos cangotes da cintura, dos quadris, das coxas... feito cracas, incapazes de estabelecer com a corpo que vestem um diálogo de meneios, volteios e outras filigranas mágicas que só os vestidos – e, vá lá, as saias – coreografam. Mas vou em frente, liberando minha porção estivador para a árdua tarefa de arrancar o carpete do paraíso. E, para não dizerem que sou exigente e preguiçoso, informo que às vezes até consigo descascar quase toda a armadura, deixando à mulher somente o encargo simbólico de completar os derradeiros centímetros da maratona, das batatas para baixo, sob o aplauso discreto porém prolongado do meu ressonar.
RV – Muitos de seus "contos de réis" podem integrar qualquer antologia de microcontos, esse gênero tão em moda. Não pensa em editá-los em livro? Como parceiro de tantos e tantos trabalhos, desde já me ofereço, descaradamente, para ilustrá-los. (Hélio Jesuíno) TZ - Penso, logo desisto. Porém, uma vez considerado o senhor sem noção que cartesianamente sou, não chega a ser um absurdo eu me tornar um rapaz da moda. E se for em parceria com você, caríssimo descarado Hélio, não tem erro: bons botafoguenses que somos, até nossos fracassos hão-de ser como sempre foram: gloriosos!
Conto de réis autobiográfico: Sintonia >>> “Boa noite, sol!” – eu disse, em sintonia com o fuso horário do mundo da lua em que vivo.
RV - Em seu percurso profissional diversificado, marcado pelo trabalho com o texto escrito, mas que incluiu até uma passagem por cursos da área de ciências biomédicas, como surgiu o “músico letrista” e quando você o deixa “vir à tona”? (Márcia Luz)
TZ - Surgiu, Márcia, num trem, o Macaquinho, como era conhecida a linha Rio-Mangaratiba, que transportava para a capital a produção de banana daquela região fluminense. Eu estava com um grupo de amigos voltando de Mangaratiba para Muriqui, onde passava o verão de 65. Dormi no trem e ninguém reparou. Acordei em Coroa Grande, duas ou três paradas depois de Muriqui, sozinho no vagão. Na volta, com medo de dormir e acabar de novo em Mangaratiba, comecei a cantarolar uma marchinha cuja letra falava das enchentes no Rio, tema do bloco em que eu ia desfilar no carnaval de lá. Achei que ficou legal, mas não cheguei a mostrar pro pessoal, porque já havia uma música feita por um cara uns cinco anos mais velho que eu e que tocava piano bem à beça: um tal de Ivan Lins. Durante uns quatro anos fiz cerca de 30 músicas, que geralmente baixavam durante viagens – mesmo nas mais curtas, urbanas, de ônibus, de bonde ou até na barca Rio-Niterói. Embora não estudasse música nem trocasse notas musicais com ninguém, o processo criativo foi se sofisticando. Um dia, numa viagem noturna de ônibus para Beagá, baixou uma espécie de sonata! Sem letra, mas com orquestração: cordas, metais, percussão, coro... Tudo isso na cabeça, os ouvidos “desligados”: sumiam o barulho do motor do ônibus, as tossidas e roncos de outros passageiros. Decidi então bloquear a veia musical, por achar que estava era ficando doido. Só voltei a compor aos 32 anos, graças a um grande amigo, poeta e compositor de primeira. Durante uma viagem que fizemos juntos para o interior de São Paulo, ele me disse as palavras mágicas: “- Psiu. Não fala nada agora não, eu tô ouvindo uma música inédita.” – Com orquestra??? – perguntei. “– Completa. E coro, também!” Pra deixar o músico “vir à tona”, pego o primeiro ônibus, metrô, trem, barco, avião, bonde, submarino, diligência... dou três pancadinhas com a batuta e digo: “Vamos lá, galera?”
.RV - O humor e a ironia realmente se sobressaem à lírica ou, dentre as “sete faces” do Tuca, o leitor enxerga melhor aquela que lhe parece mais espelho? (Márcia Luz)
TZ - Eu não dou ao leitor essa intimidade de olhar pra mim enquanto retoca a maquiagem. Ou ele desfila bonitinho pelo tapete estendido pelo meu humor – tapete que a minha ironia pode puxar se o cara vacilar –, ou vá chapinhar na lama, sem direito a limpar os pés na minha lírica, que é capacho para meu uso exclusivo. Arre égua, que nessa fui bem John Wayne, hem!
RV - Minas "é apenas uma fotografia na parede"? Quais são as prendas tão mineiramente guardadas? (Márcia Luz)
TZ - Minas é uma fotografia que vale mais que mil silêncios. Na parede já não está, porque, pouco a pouco, sem que eu me apercebesse, as paredes foram sendo encobertas por grades. Como tem grade hoje nessa cidade que é minha por adoção e devoção! E eu falo da cidade de verdade, a que mora do lado de lá da cadeia (grades!) de morros que me aprisiona à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas. Quero voltar para o Rio, quero fugir desse lugar onde só vivem carros de vidro preto, sem ninguém dentro, que adoram tentar me atropelar na calçada, área de tráfego cada vez mais preferencialmente deles, tanto para estacionar como para entrar e sair das garagens. Isso aqui, nessa época natalina, é apenas o mesmo belo e frígido cartão postal do resto do ano, só que pendurado naquela sinistra árvore abracada(bradesca)mente plantada no meio da lagoa. Apurando bem a vista, dá pra ver que tem um cocozinho de mosca no cartão postal. Apurou? Viu? A mosca, eu lhe digo, é Minas, porque o cocozinho... sou eu!
As prendas tão mineiramente guardadas mostram o focinho ou as orelhas aqui e ali. Quem vir, viu. Quem não vir... delas, mineiramente, não falarei.
RV- Tuca, querido, como, antes de mais nada, para mim você significa alegria, bom humor, e nossa amizade é baseada nisso, aqui vão minhas perguntas (gostaria de fazer muitas mais!). No túmulo do Poeta Quintana, encontra-se escrito, a pedido do próprio: “Eu não estou aqui.” Qual seria o seu epitáfio? (Silvia Antunes)
TZ - É complicado, titânica Sil, definir um epitáfio. Sou instável, meus humores e opiniões mudam ao sabor de qualquer brisa fuleira. E devo continuar assim após a morte, pois não fica bem para um defunto desrespeitar a personalidade (ou a falta de) daquele que lhe garantiu casa própria em local seguro e tranqüilo. Portanto, o melhor a fazer é criar um pacote bem sortido de epitáfios cambiáveis, de modo que os amigos possam fazer o favor de trocá-lo – todo dia, nos primeiros meses; depois, toda semana... todo mês... todo ano... até que um dia alguém se pergunte: “Por que diabos estou aqui trocando o epitáfio desse paspalho que ninguém sabe quem é?” Bem, calculo que uns 357 bastem. Vou escrevê-los com calma, não tenho pressa de visitar o Beleléu. Convém, no entanto, já deixar alguns prontos, por precaução, pois vai que de repente um meteoro ou m esmo algo menos previsível caia aqui em casa e, por tremendo azar meu, venha a ferir-me justo o indicador direito, único especialista em catação de milho digital que se dispõe a trabalhar de graça pra mim.
1os Epitáfios Cambiáveis do Tuca: “Vivo, ainda, em cada um que o meu humor mata de rir!” >>> “Daqui não saio nem morto!” >>> “Caros vermes, se forem dirigir não comam o bebum aqui!“ >>> “Como da vida nada se leva, aqui não jazem os mil e um chifres que ganhei!” >>> “Se fui para o céu, foi a primeira vez em anos que o meu pau subiu!”
RV - O que seria a "Vida"? E a "Eternidade"? Estamos aqui, afinal, para quê? Drummond disse em "O amor natural" que a eternidade era um orgasmo. Concorda com o poeta? Beijo, meu querido amigo que carrego comigo! (Silvia Antunes)
TZ - A vida, hoje, é uma bosta!... Ainda bem, né? – senão não teríamos adubo para uma vida melhor amanhã. Já a eternidade, na acepção mais badalada, é um grande equívoco. O tempo não é uma reta magrela que começa lá para trás das nossas costas mais atávicas e passa pelo presente – nós! –, em direção a um futuro que “vemos” seguir infinitamente. O tempo que importa é lateralidade, intensidade. Vive mais próximo do eterno quem explora a máxima amplitude possível de cada momento. Mas, infelizmente, a eternidade que mais dá autógrafo é a equivocada, um negócio gerido em conjunto pelo Vaticano, pela CIA, pela Concacaf e por outras associações deletérias. Ou pelo Caetano, quando está se sentido muito sozinho: “Por que você me deixa tão solto?.. Por que você não cola em mim??.. E se eu me interessar por alguééém???”
Estamos aqui para, única e exclusivamente, estarmos aqui. O que – não é nada, não é nada – é tudo e não é nada.
Se o Drummond pudesse confirmar hoje o que escreveu em vida, eu concordaria com ele, e minhas convicções sobre sexualidade cairiam numa suruba plantando bananeira. Como não creio em vozes do além – nem mesmo nas embargadas de orgasmo! –, vou tocar minha vidinha do jeito que sempre toquei: como uma humilde mas caprichada punheta, com bons orgasmos e sem o uso da mão – a minha, porque a alheia, sendo feminina e eleita por mim, pode fazer o que bem entender com todos os falos possíveis e imagináveis da minha eternidade momentânea.
RV - A ironia é o traço refinado do humor. Plaina em um fio tênue. Quais são os teus mestres nessa arte, aqueles caras que dão a boa inveja da criação? (Assis Freitas)
TZ - Em criança, eu quase não tinha livros em casa, Assis. Então meus primeiros e primordiais autores foram aqueles que mais me chamaram a atenção dentre os que escreviam nos jornais que me chegavam às mãos: Sérgio Porto, João Saldanha e Nelson Rodrigues, três irônicos de primeira. Geralmente quando conto isso, tenho de aturar críticas do tipo: “Mas Saldanha não sabia escrever, o pessoal do copidesque sofria pra arrumar as crônicas dele.” (“João Sem Medo escrevia exatamente como falava: o conteúdo já estava lá no texto, fervendo de astúcia irreverente, e aos redatores só cabia o (des)prazer de ajustar isso às normas de redação”, eu retruco). Depois fui apurar a ironia, a crítica mordaz, o nonsense e o humor negro com gente como Machado de Assis, Campos de Carvalho, Bernard Shaw, Mark Twain, Oscar Wilde, Millôr, Ivan Lessa, Volinski - e toda a sua turma da revista francesa Hara Kiri, a melhor publicação de humor que já li, um Pasquim que não dava brecha pra temas “sérios” nem fazia concessões politicamente corretas: tinha até um folhetim sobre a vida sexual de Cristo.
Tomando ar e prosseguindo: Rubem Braga (nosso cronista maior tem, além da refinada ironia, o lirismo intenso dos grandes poetas, embora dissesse que não sabia fazer poesia), Henfil (pai da sedutora Graúna, do implacável Fradim e primo do Paulinho Saturnino, também mestre do humor, na minha vida cotidiana), Don Rossé Cavaca (de quem falo mais em resposta ao Marcantonio), Péricles (que matou-se, deixando órfão “O Amigo da Onça”), Leon Eliachar (morto por um corno que, riquíssimo, nunca foi preso), mais o cinema de Groucho e Harpo Marx, Jacques Tati (embora seus filmes sejam falados, o maior gênio do cinema mudo!), Buster Keaton, Chaplin (extirpadas as abundantes cenas de um romantismo piegas, hipócrita até), W.C.Field (o da foto no perfil do Teopha, o “canalha do bem” – que, confesso em primeira mão, é um heterônimo, mas não por muito tempo: já está no corredor da morte pelo crime hediondo de ser mais querido do que eu pelas mulheres, sobretudo por Suzana Guimarães e Silvia Antunes!) e, claro, o mestre dos mestres... Don Luis Buñuel Portolés!
Associação das Mulheres Separadas: Quando uma entidade com esse nome surgiu em Sampa, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto) escreveu que o Mirinho (Primo Altamirando) não se conteve e ligou pra lá na hora: “– É da Associação das Mulheres Separadas? – É sim, em que posso ajudá-lo? – Me separa duas aí para sábado!”
RV - Dada que mais admira Tuca, de todos os Dadas do mundo, eu preciso xavecar, mas vou me conter. Pois bem, qual a importância dos seres surreais, como os digníssimos Dada Campos de Carvalho, Jorge Dada de Lima, Max Dada Ernest e Luis Dada-muito-dada Buñuel, para sua composição de si mesmo e de todos os seus outros eus? (Jenny Paulla)
TZ - Esses caras e mais uns poucos outros subverteram toda a minha formação, queridada Jenny. Até pela ordem de chegada. Eu não conheci a literatura do Campos de Carvalho e do Jorge de Lima (assim como a de Lautréamont) para depois chegar às colagens do Max Ernest (e do John Heartfield, que era lambão mas muito criativo) e daí ao cinema de Buñuel. Foi justo o contrário: Buñuel abriu todas as portas. Um dada-muito-dada mesmo. Quando vi, no final dos anos 60, três dos seus quatro filmes mais recentes - “Viridiana”, “O Anjo Exterminador” e “Diário de uma camareira” - lamentei pelo que me parecia ser o canto do cisne de um gênio da imagem que sofria com a acelerada perda da visão e da audição. E não é que, justo nessa situação altamente desfavorável, o cara que começou no cinema mudo e durante quase 40 anos só filmou em P&B resolve descobrir a cor e, em dez anos, com o quase nada que ainda podia ver e ouvir, conclui sua carreira numa seqüência de seis obras-primas?! Salve Serge Silberman, seu anjo da guarda da produção, e Jean-Claude Carrière, fiel escudeiro na criação!
RV - É possível viver sem a poesia? Isto é, sem ler e escrever poemas? Quando você escreveu o seu primeiro texto? Lembra-se do que o motivou a escrevê-lo? (Wilden Barreiro)
TZ - Vivo bem sem ler e escrever poesia. O que não me deixa nada bem é ficar sem criar. Passei dois anos maravilhosos só fazendo cerâmica e uma ou outra musiquinha – com letra, o mais próximo da poesia a que cheguei no período. Talvez estivesse assim até hoje, não fosse uma bronquite violenta que contraí em função da estupidez de começar a esculpir as peças em casa. Lambão e distraído como sou, acabei espalhando pó de argila pelo apê inteiro. Em menos de um ano, meus pulmões quase pifaram, abarrotados de barro! Se fosse cimento em vez de pó de argila, seria irreversível – e eu teria me tornado meu próprio busto em concreto. Falei sobre meu primeiro texto à Luiza. Falo então sobre o primeiro texto publicado. Foi em 66, talvez em comemoração ao nascimento da Suzana Guimarães. Eu morava na Tijuca, onde circulava um tablóide semanal gratuito chamado Jornal da Tijuca. Era bem ruinzinho e tinha uma seção de poesia dos leitores que não ficava atrás. Decidido a ser poeta, achei que eu podia fazer coisa melhor que as tranqueiras que eles publicavam, então mandei-lhes seis poemas. Lembro-me que o maiorzinho deles era uma ode idiota às sobrancelhas fartas de uma garota (que eu sequer conseguia encarar!), comparadas a duas lagartas – que de repente metamorfoseavam-se em borboletas, “uma mais azul que o céu/ mas não tanto quanto os olhos da amada,/ outra vermelha como todo o sangue/ que voa louco dessas minhas veias/ rumo à veias que levam ao seu coração (...)”. Dias depois, chego em casa e encontro na portaria do prédio uma pilha do jornal cajuti (gentílico cretino que os tijucanos adotaram para si). Peguei um exemplar e fui direto pra última página, onde ficava a coluna de poesia. Um desastre: nem um mísero poema meu! Cinza de depressão, internei-me no meu quarto, em coma induzido por profunda frescura. Já em delírio pré-agônico, ouço aquela voz sinistra e esganiçada: “Sasseus tetextos... sansão os sasseus!” – e era o Paulo Gustavo, o Gugaguinho da turma da esquina, que entrava correndo a brandir um exemplar do tablóide, dobrado nas páginas centrais. O sol já voltava a brilhar, meu coração a rebolar guizos, maracas, castanholas... quando me deparei com cinco dos meus seis poemas ocupando, sozinhos, uma coluna inteira, mas sob o título de – oh, dupla humilhação eterna! – “Humor Cajuti”.
RV - Uma imagem vale mais do que mil palavras? (Eleonora Marino)
TZ - Pode valer, Eleô e Nôra. Pode valer até bem mais: um milhão, um bilhão... um descaralhão de palavras. E, na pior das hipóteses, vale pelo menos duas: “Cruz credo!”, “Que merda!”, “Não fode!” etc.
Glossário: Eleô - A metade boa, no sentido não-fisico, da Eleonora. Nôra - A metade diabólica da dita cuja, em todos os sentidos. Descaralhão - Termo vulgar, quase chulo, concebido durante ménage à trois dos vocábulos da norma culta caralhada (grande quantidade), descaralhado (alucinado, perdido das estribeiras) e caralhão (pênis descomunal).
RV - Quando você cria os versos imediatamente eles se tornam imagens para você? (Eleonora Marino)
TZ - Não. As imagens é que se tornam versos. Nenhuma frase – exceto quando estou escrevendo sobre um conteúdo fornecido, “brifado” – surge na minha cabeça subjetivamente, nunca. Nem como imagem escrita, que nem num livro ou num jornal; tampouco somente ouvida, como no rádio. Minha criação, pretensiosamente comparando, é cinema o tempo todo: às vezes, mudo; às vezes em P&B, mas geralmente sonoro e colorido. Ouço as vozes, sejam as dos personagens, seja a do narrador. Vejo-os se movimentarem no(s) cenário(s), ouço ruídos incidentais e, às vezes, a trilha sonora – com música original.
RV - Em seu arquivo afetivo e sensorial, há alguma imagem que tenha sido difícil de esquecer? (Eleonora Marino)
TZ - Se há, não sei, porque já esqueci. Mas há uma, pelo menos, impossível de esquecer. Trata-se de uma imagem de uns três metros de altura – bem, talvez não chegue a dois, e tenha me parecido tão alta por estar assentada sobre um pedestal pouca coisa mais baixo que o galeto de 9 para 10 anos que eu era. Ela chama-se Santa Teresinha e mora na igreja que leva o seu nome, na Rua Mariz e Barros, quase em frente ao Instituto de Educação, onde eu estudava. Até então, corriam muito bem os Anos Dourados – só faltava me deparar com a Malu Mader por lá. Eu fazia o Catecismo, cujas aulas eram na tal igreja, e pelo menos uma vez por semana nos serviam missa de sobremesa. Não me dava nada bem com os santos, aquelas imagens austeras, sombrias – me aterrorizava o olhar embevecido das pessoas para aquele homem de profundo esgar de dor, cheio de feridas pelo corpo e pregado pelas mãos numa cruz. As missas eram mais longas na época, e muito antes da metade minha cabeça já voava, tentando escapar de tanta opressão. Talvez tenha sido por isso que dei de me encantar com a pele clara, bem lisinha, de Santa Teresinha. Quando vi, a imaginação já viajava, em plena missa, pelas intimidades da santa, levantando-lhe a bata e admirando suas coxas roliças e firmes. Isso virou uma obsessão – assustadora, sobretudo depois que um colega me garantiu que tratava-se de um pecado mortal dos mais cabeludos. E agora? Com que cara eu ia confessar um pecadaço desses pro padre? Ele ia me matar de tanta penitência – isso, se não me abatesse a tiros! Pensei então em fazer a Primeira Comunhão sem me confessar, mas a professora de catecismo disse na aula que esse era um pecado mortal “sem remissão”. Eu não sabia o que era “esse” remissão, mas pela grave expressão facial da professora devia ser uma peça importante dos miolos da gente ou, pior, ficava entre as pernas. Fosse o que fosse, o melhor a fazer era cancelar a Primeira Comunhão, para garantir a integridade do “meu” remissão. Depois que sondei minha mãe, para avaliar qual seria a reação do meu pai à minha desistência, tomei uma decisão e a cumpri. Comi a hóstia sem me confessar, conformado em ir – desremissionado! – para o Inferno, escapando de ser abatido a tiros pelo padre ou de ser esfolado vivo pelo meu pai. (Ah, e decidi também terminar meu namoro com Santa Teresinha, a grande culpada daquilo tudo.)
RV - Sempre achei interessante o nome do teu blog. Qual a melhor coisa de ser um desinformado? (Adriana Araújo)
TZ - É ter, poleníssima e radioativa amiga, um estoque cada vez maior de informações a serem assimiladas do que qualquer outra pessoa. Isso me obriga a ficar por aqui nessa vida, de castigo, até conseguir acumular pelo menos a quantidade de informações inúteis de um cidadão de classe média típico, o que deve levar, só de telenovelas, BBBs, Veja, Caras, livros de auto-ajuda, Paulo Coelho e similares, no mínimo uns 200 anos.
RV - O mundo vai mesmo acabar em 2012, e em janeiro!!! O que há de imprescindível a ser feito? (Adriana Araújo)
Uma única coisa – e você bem sabe o quê, sua carola sonsa: irmos em peregrinação à Padaria Santo Amaro, assim que você chegar aqui no Rio dia 9, para nos penitenciarmos a noite toda ou quase toda, dependendo do horário de saída da primeira fornada de pão. Nossa penitência individual mínima para a “Noite Eterna”: 20 chopes ou 10 cervejas, ½ garrafa de boa pinga mineira e 2 bisnagas das grandes recém-saídas do forno, rachadas de ponta a ponta e breadas com a barra de manteiga Président que levarei de casa! Mas esqueça o vestido esvoaçante de missa e apareça de calça-jeans-de-força pagã que adiarei sine die o fim do mundo, para “fechar o tempo”!!!
RV - Acredito que a arte, muitas vezes, nos leva a estabelecer relações virtuais com o que nos cerca. É sempre uma possibilidade, um sonho, um vir-a-ser sem fim... A poesia que nasce do cotidiano, acaba substituindo esse real por uma espécie de mundo paralelo que pode causar um isolamento sem que o poeta se dê conta ou veja isso como algo que pode "limitar" o seu conviver. O que tu achas disso? As virtualidades podem ser um problema? (Adriana Araújo)
TZ - O real – ou os reais, pois são tantos, né? – depende(m) apenas da capacidade que cada um tem de apreendê-lo(s) ou, se você preferir, do talento pessoal maior ou menor de distorcê-lo(s). Portanto, as possibilidades, os sonhos... são um vir-à-vesga sem fim. Os poetas, nada os isola mais do que o silêncio. E esse silêncio só pode ser quebrado a lápis e papel ou a monitor e teclado, não por um enxame – real ou virtual – de olhos e ouvidos alheios. Posso ser curto e grosso, doninha?... Obrigado. Dê um Ctrl + Del nessas caraminholas e volte a escrever pra você – e, por tabela meramente circunstancial, para nós!!!
RV - Coisa boa dessas entrevistas à distância, via net e outras, é que se pode fazer declarações de amor sem a ameaça de levar beijo na boca, ou bolino nas partes. É o que faço, aqui e agora. Nessa imensa amizade, nesse amor curtido há quase 45 anos, Tutuca foi, e tem sido, absolutamente vital e determinante para que eu seja o que sou hoje (e não sei se vai nisso alguma virtude). Quase menino, eu saía de Beagá, com minhas muletas, e ia me homiziar na Tijuca, sob o teto de Celina e Leonidio, pais do nosso personagem, e ali, borrifado por afetos, eu me aperfeiçoava nas artes do viver. Tutuca é uma bomba de afeto, de afeto e humor, e vai daí minhas primeiras perguntas: Mano véio, ser assim dependente dos fluxos de afeto – entrada e saída! – foi pra você luz ou desgraça? Dói muito amar desmedidamente as pessoas e a vida? (Paulinho Saturnino)
TZ - Pra começar, Paulinho, uma errata: Celina e Leonidio, não. Celeuma e Lenocínio, por gentileza, que minha mãe fica sempre desconfiada de que há algo errado comigo se permito que meus amigos não a chamem de Dona Celeuma; já meu pai, não achou graça nenhuma quando descobriu o significado de lenocínio, mas depois foi gostando e seguiu, até a morte, guiando com orgulho o seu imaginário rebanho de putas.
Você bem sabe que a minha dependência de afeto é o único vício construtivo que pude contrair. Graças a isso, erigi amplos e belos castelos de areia que sempre suplantaram as minhas expectativas, bem como me proporcionaram retumbantes desabamentos que, sanadas as fraturas psíquicas, me legaram viver em ruínas tão exóticas e arejadas que nelas só não permaneci até hoje porque, nas excursões turísticas que nos visitam, tem sempre um maluco carismático ou uma moça sestrosa com o esboço de novos castelos de areia a serem construídos.
Doer, dói. E dói que é uma beleza. Por isso é que resisto a abrir mão de uma só das minhas ruínas ou dos meus novos projetos mirabolantes, em nome de um certo pragmatismo que me garanta segurança, sossego e uma dorzinha à toa, mas triste e feia que só a peste! Minha gente calorosa e minha vida intensa são o meu grande patrimônio. Sou desmedidamente rico – e disso não tenho o menor pudor de me gabar.
RV - Em novembro de 71, não longe da casa dos Zamagna, e por onde você e Cia. transitava com freqüência, o Elevado Paulo de Frontin desabava, fazendo dezenas de mortos e enchendo a mídia de boatos. Telefonei pro Rio, deixei recado de preocupações. Não demorou e recebo em Beagá um telegrama seu: “Eu sabia que o Elevado estava para ser inaugurado. Só não esperava pedra fundamental tão grande.” Nunca entendi por que você não se tornou reconhecido como um dos melhores textos do humor brasileiro. Sempre partilhamos o olhar entre sarcástico e impiedoso sobre a tragicomédia humana, mas na hora de relatá-la sempre fiquei na inveja. Pergunto: Você, vez ou outra, se traveste de poeta ou ilustrador. Isso alivia a servidão imposta pelo instinto humorístico? (Paulinho Saturnino)
TZ - Fiz várias piadinhas sobre a queda do elevado. Mais tarde, percebi: era uma forma de exorcizar o terror da tragédia que me pegou de raspão, factualmente, e em cheio, emocionalmente. Eu saíra de casa naquele dia cerca de uma hora antes do desabamento. Ia ao Centro, de ônibus, tendo de passar obrigatoriamente pelo cruzamento fatídico. Minha sorte é que sou lerdo, protelador, e me alonguei num papo furado no bar em frente ao ponto de ônibus. Acabei perdendo o 415 que ficaria da altura de uma kombi, sob a mega-estrutura de concreto. Peguei o seguinte, que passou minutos depois e parou no engarrafamento causado pelo acidente. Saltei e fui olhar. Não queiram saber o que vi, não queiram ver o que vi... não queiram.
Quanto a ser reconhecido, como humorista ou seja lá o que for, já não é um problema meu, mas de quem perde – ou ganha! – com isso. A mim, tudo que me cabe hoje, essencialmente, é viver. É o que sei fazer melhor, é o que gosto de fazer, como sempre fiz, como pretendo continuar fazendo enquanto vida houver – e até depois disso, se as autoridades bobearem e me deixarem, já defunto, à solta por aí. E, cá entre nós, eu saberia ser um cadáver muito mais interessante e cheiroso que milhões e milhões de pessoas que estão por aí sem a menor noção da importância da vida... VIDA!... em toda a amplitude da palavra. O que você chama de instinto humorístico não me impõe nenhuma servidão. Já impôs, mas só à época em que eu me preocupava em corresponder às expectativas, minhas e alheias. Me sentia um incompetente, não dava conta de atender nem à décima parte do que de mim se esperava. Ou, pior: eu me assumia como um baita enganador, enfiando falsas promessas na cabeça dos que a mim se afeiçoavam. Hoje, tudo o que posso reservar para mim e oferecer aos outros cabe direitinho num slogan: “Um cara que tem uma vida a viver e um nome a desmazelar!”
Não me travisto de poeta, tampouco de ilustrador. Ou me travisto, sim, mas de tudo. Sempre explorei as formas de expressão que me dão na telha – e em outras peças de argila, no caso da cerâmica. Agora, imagina se eu era louco a ponto de mostrar um texto lírico numa roda com Paulim Muleta, Tuia e Tusta! Pra você, a sós ou por carta, até mostrei uma coisa ou outra. Mas para Tuia e Tusta – feras ferocíssimas do humor! –, eu não ousaria mostrar nem aqueles sonetos que tanto lhe comoveram, minha trilogia romântico-fescenina “BBB” (“Boca”, “Buceta” e “Bunda”).
O terceto de ouro do soneto que fecha a “BBB”: “Enleio, a lenha, o olhinho de além-lanho,/ Infenso ao brilho do amor semental,/ Como se fosco fosse o cu que assanho!”
RV - Até quando vamos adiar aquele programa combinado há meses, de sair pelas ruas do Rio só fotografando? Gostaria que você contasse histórias suas como fotógrafo. Tem alguma boa? (Raíssa Medeiros)
TZ - Você é quem manda, Sra. Ri. Eu estou pronto pra zarpar faz tempo.
No ínício de 77, eu trabalhava como redator na humorística Mad, e um dos sonhos do Ota, editor da revista, era fazer uma sátira de filme nacional como as que eram feitas pela Mad americana, desenhadas por Mort Drucker e outras feras a partir de fotos fornecidas pela produção dos filmes. Os produtores do cinema nacional, porém, disponibilizavam à mídia não mais que meia-dúzia de fotos, todas de cenas dos atores principais. Ia estrear “Dona Flor e seus dois maridos”, sob grande expectativa da crítica e do público. Daí me veio o estalo: “Ota, vamos fotografar o filme todo na tela, durante a pré-estréia!” Como garanti que daria certo (menti, eu nunca nem ouvira falar de uma loucura assim), o Ota, que é tão ou mais doido que eu, assistiu à primeira pré-estréia (numa 6ª feira) munido de papel, caneta, lanterna e cronômetro, marcando todas as cenas importantes, para escrever o roteiro e para que na pré-estréia de sábado eu, seguindo a cronometragem dele, fotografasse tudo. Do cinema, eu sairia correndo para revelar o negativo – “puxado” de 400 para 3.000 ASA, conforme os meus cálculos, mais esotéricos que técnicos –, e as ampliações, feitas na editora, seriam repassadas para o Vilmar Rodrigues desenhar as seis páginas da sátira. Se desse tudo certo com as fotos e conseguíssemos ter a sátira já desenhada e letrada (o texto dos balões era todo feito a mão por um letrista) na 3ª feira à noite, daria pra rodar a revista na quarta e distribuí-la na quinta. Com o filme estreando na segunda, seria bem razoável. Pois a soma da loucura e dedicação de todos rompeu barreiras: na 4ª feira, a Mad 32 – se não me engano, o segundo número mais vendido da publicação em mais de 35 anos de existência no Brasil – já estava nas bancas do Rio e principais capitais.
RV - Tem uma piada antiga em que alguém pergunta ao motorista de um ônibus lotado qual seria a sua opção entre atropelar a própria mãe ou colocar em risco a vida de todos os passageiros. E o motorista responde: “Tira a minha mãe e coloca a tua que eu saberei o que fazer.” Você poupa alguém em seus comentários? (Shirley Fioretti)
TZ - Em nome de Dona Celeuma, minha mãe, eu poupo todos os que estão participando dessa entrevista, Shirley – exceto você, o Paulinho Saturnino e a Nôra (gêmea má da Eleô), que ficam deprimidos, se sentindo rejeitados quando por mim são tratados a pão de ló. Já em nome de Dona Maria, sua mãe, eu não poupo nem a mim mesmo!
RV - Há dois anos perdíamos o nosso grande parceiro e amigo Salvador Monteiro, um homem que dedicou sua vida à excelência editorial. Eu e você tivemos o prazer e o privilégio de conviver diariamente com a arte do Salvador, com a sua obsessão por qualidade. Uma obsessão que também vejo em você. Herança? (Shirley Fioretti) Quem dera, Shirley. Obsessão por qualidade não me falta, mas não resulta em nada que me aproxime da grandeza desse homem que mereceu, mais do que qualquer outro que conheci, ostentar o nome da cidade onde nasceu. Que caráter, que cultura, que sensibilidade tinha esse gentleman caboclo de olhos azuis. Quando vi o Salvador pela primeira vez, nele revia o irmão que identifiquei assim que, ao ir conhecer a sala da Alumbramento que era ligada a uma das nossas, me deparei com aquele altar editorial: a antiqüíssima mesa de linotipia onde foram compostos os clichês de alguns dos mais belos livros feitos no Brasil. Eu poderia falar de vários deles aqui, mas prefiro falar de um dos que não foram publicados: o de poemas inéditos do Drummond, que brindaria os leitores com a história de um grande amor proibido vivido e celebrado em versos pelo nosso poeta maior. Lembro-me do dia em que o Salvador – diante da mesa coberta por várias xérox de poemas, a maioria manuscrita – corria pelo ar, em círculos, por sobre os papéis, as mãos espalmadas para cima, naquele gesto desalentado tão dele, como se dissesse: “Eis aí, eis tudo aí, eis todo um trabalho de meses planejando o livro e selecionando poemas entre centenas (mais de 400, salvo delírio meu) que durante anos o poeta foi escrevendo e deixando guardados com sua amada... para nada!” Acho que foi nesse mesmo dia que, tomando chope no Espanhol, perguntei-lhe por que não fazer uma pequena tiragem do livro só para um público selecionado. Depois a edição seria naturalmente multiplicada via net, e o Pedro Drummond nada poderia fazer contra isso. “Ele não iria gostar” – disse o Salvador. “Que se dane, quantos milhões de pessoas também não iriam gostar de saber que estão sendo impedidas por ele de ler um livro sublime do avô?”, argumentei. Salvador sorriu, com um ar carinhosamente tolerante, pôs a mão no meu ombro e disse algo mais ou menos assim: “Que me importa o Pedro? Ele não é nada meu. Nada. Mas... se fosse meu neto...” Só então entendi quem era que não iria gostar.
RV - Ô Tuca, que coisa curiosa é um humorista, não é? É próprio do censo comum achar que quem faz rir é mais feliz que quem faz refletir seriamente. Este um chato, aquele um bon vivant... Mas não é bem assim, me parece. Está aí a idéia do palhaço-triste (nada pessoal, hein!), da carantonha de um Buster Keaton , etc. Afinal, quais seriam os ingredientes sérios do humor? (Marcantonio)
TZ - Você quis mesmo, Marcantonio, fazer distinção entre humor e reflexão? Sério, seriedade (ou “seriamente”, no caso) são palavras ambíguas, traiçoeiras – e até cancerígenas, quando dissociadas do humor. Kafka, reconhecidamente um dos maiores escritores de todos os tempos, seria o maior, creio, se tivesse humor. Isto é, ter, até que ele tinha, mas o usava com mineiríssima avareza. Por isso, meu Kafka predileto é o do conto “Um artista da fome”, no qual ele ri de si mesmo, mandando às favas a auto-piedade explicita ou latente que tanto compromete grande parte de suas obras. “Carta a meu pai” quase me enlouqueceu durante uma tentativa de ler, numa sentada, suas torturadas e torturantes 70 ou 80 páginas Por sorte, meu pai chegou em casa e abandonei a leitura para estrangulá-lo.
Os humoristas são as pessoas mais tristes do mundo. A depressão é o nosso mais fulgurante distintivo. Às vezes, a tristeza se apresenta, veladamente, no próprio texto. Comecei a notar isso em um de meus mestres, o frasista Don Rossé Cavaca.
Quanto aos ingredientes sérios do humor, você só pode colhê-los em relicários muito especiais. Por exemplo, no famoso “Cadernim de receitas minera da vó”, do mineiricano Beto Carreiro Lima. Então, basta escolher uma delas e partir pro preparo. Se sair um trem exótico mas apetecível, tipo “Jabuti à pururuca de gravata e ob”... ou “Culote de sogra ao molho de quetichupe e pomada Minâncora”... você é um humorista sério!
Frases do Cavaca (talvez um tantinho distorcidas pela memória): “Na situação em que me encontro, se me puserem um revólver na mão... eu vendo na hora!”/ “Flagrei minha mulher me pegando em flagrante.”/ “Tem cura, doutor? Se tem, vamos desenterrá-lo já!”/ “A professora pedira ao menino de cor que trouxesse lápis de cor, e não lápis de cor.”
RV - O que você acha da seguinte frase (não sei se é do Jô Soares, da Marília Gabriela ou do David Letterman): “Não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas” ? (Marcantonio)
TZ - O quê Quem? Quando? Onde? Como? Por que... eu não tenho na minha cabeça nem 1% do que essas sumidades têm na geladeira?
RV - Admiro demais a sua forma de escrever; até em um simples comentário no Facebook a forma é elegante, e jamais o vi usar qualquer dos maneirismos de linguagem que existem na internet. Acho que assim você atinge uma espécie de informalidade formal (se isso é possível!). Você leva a sério essa questão de estilo ou já é tudo espontâneo? (Marcantonio)
TZ - Sei lá, acho que oscilo entre a informalidade formal e a formalidade informal. Estilo? De estola, espero que não, mas de estalo, jamais! Nada em mim é espontâneo – inclusive as ereções e exceto a necessidade vis-ce-ral (e tenho mais vísceras que qualquer angu à baiana honesto, conforme pude constatar cabalmente numa auto-dissecação que fiz ontem à tarde) exceto, eu dizia, a necessidade vi-tal (mudei, porque tenho mais vidas do que vísceras) de trabalhar as palavras até chegar à perfeição ou à exaustão – a que vier primeiro: infelizmente a segunda é sempre muito mais rápida no gatilho – travessão: ou dois pontos – uso bastante esses dois sinais, mas não tanto quanto aqui nesta resposta: normalmente, tenho certo pudor de recorrer a essas armas tão características de dois grão-mestres – Sergio Porto – o Stanislaw Ponte Preta – craque do travessão – e Campos de Carvalho: super-craque no uso de ambos os sinais: – sobretudo no dois pontos: nunca vi ninguém além dele usá-lo mais de duas vezes na mesma frase: e com absoluta propriedade: em “A Chuva Imóvel”, o mais subestimado de seus quatro grandes romances, ele chega a fazê-lo cinco vezes na mesma frase!
Frase de A chuva imóvel: “Pus-me a trotar pela praça, garbosamente como se me olhassem milhões de olhos, eu era positivamente um animal de circo: aplausos unânimes ressoaram das pedras do chão e das esquinas, meus cascos batiam palmas e o eco lhes respondia de cada interstício: toda uma multidão ululante: E se fossem lobos?”
RV - Em termos de perde-ganha, qual das seguintes perdas foi mais importante para a cultura ocidental: o olho de Camões, a orelha do Van Gogh, a audição do Beethoven, os dentes do Gandhi, os cabelos do Lênin, a virgindade de Lou Salomé, a cabeça do Robespierre ou o dedo do Lula? (Marcantonio)
TZ - Enfim uma pergunta séria! Inquietam-me bastante certas suspeitas sobre essas perdas. E se o olho perdido de Camões fosse vesgo? De livro de auto-ajuda, a orelha deletada por Van Gogh? Fingida, a surdez do Beethoven, para escapar à frivolidade dos cortesões, sempre a apoquentá-lo com sugestões como “Diga lá, Beethô, que tal tu compor um axé porreta pro Big Brother Baviera?” Gandhi, se dentes tivesse, não sairia por aí mordendo e transmitindo a raiva para os desvalidos do mundo inteiro? Lenin, cabeludo, não tenho dúvida, formaria a maior dupla brega-chique da História: Lenin e Lenon! Ah, Lou, minha kleine Lou, tão caluniada: malediz-se que deu pela primeira vez aos 34 anos, 8 após o casório com o professor de francês e italiano Carl Andreas que, como era bom só de língua, teria repassado a tarefa a um botânico especialista em defloramento; mas a verdadeira perda cultural nesse imbróglio foi insinuada pela própria Lou quando, ao referir-se a seu célebre passeio com Nietzsche pelos Alpes da Disney, afirmou: "Não me lembro se o beijei no Corcovado." – nem poderia, pois tocou os lábios no óbvio: o filósofo usava aquele bigodaço para encobrir a inexistência de boca! – daí o mais importante poema filosófico conhecido chamar-se “Assim falou...” e não “Assim ouviu Zaratustra”: alguém tinha de falar pelo desbocado! Quanto a Robespierre, esse não chegou a transar com a Lou – foi só a cabecinha, segundo Freud, “mas inflada por um superego do tamanho de uma jaca-manteiga de porte médio”. Enfim, a perda mais significativa para a cultura ocidental foi mesmo a do dedo do Lula, que aleijou de vez a trigonometria, o cálculo diferencial e a álgebra booleana dos que contam nos dedos, ao popularizar a chamada Ejaculação Decimal Precoce, que zera tudo, sempre: 1.. 2.. 3.. 4.. 5.. 6.. 7.. 8.. 9... noves fora, zero!
Versão do mega hit Давайте забудем Троцкий, любовь моя (Let's forget Trotsky, my love), de Lenin e Lenon: “(...) Só quero que você o esqueça na miséria/ E que tudo mais vá pra Sibéria/ Uou-uooooou.../ E que tudo mais... vá pra Sibéééria!!!”
RV - Tuca, você vem de Leopoldina, terra onde foi sepultado um dos maiores poetas brasileiros, o paraibano Augusto dos Anjos. Se for verdade a lenda de que você e sua turma faziam saraus e tomavam homéricos pileques sobre a sepultura dele, conte-nos como era isso. (Roberto Lima)
TZ - Se fosse verdade, Roberto, eu não contaria - jamais! Lenda só presta quando é prenha de mentiras, não é verdade? Naquela época, 1900 e lá vai pedroca, nem haviam inventado ainda o sarau: a gente fazia era seresta. Meus primos de Leopoldina costumavam dar umas esticadas etílicas à tumba do poeta pelas madrugadas. Mas eu mesmo, só entrei nessa uma vez, e pra nunca mais. Ô galerinha ruim aquela, sô! Tinha um violeiro que até entendia do riscado, mas, em compensação, tirando ele, um de meus primos e eu, só dava desafinado e atravessador na parada. Você manja essa praga, o atravessador, né? O cara está sempre pelo menos meio compasso na frente do acompanhador, que vira perseguidor – e naquele tempo ainda não se tinha o GPS para atravessadores. Por sorte, quando a corja ia começar a soltar a voz nas estradas do Hino dos Atravessadores e Desafinados – “Travessia”, é claro –, uma garota deu de vomitar. E bem em cima de um túmulo vizinho ao do Augusto, o que eu achei uma baita desconsideração. Se precisava vomitar, que o fizesse na casa de nosso anfitrião, cujos vermes, tão amados e reverenciados por ele em vida, não comiam nada, coitados, desde que o devoraram totalmente lá por meados de 1915.
RV - É verdade que Tuca Zamagna é uma criação, um pseudônimo de Wilden Barreiro? (Roberto Lima)
TZ - Se fosse verdade, Roberto, eu contaria – já! Lenda só presta quando é prenha de verdades, é mentira?
RV - Tuca, impressiona-me bastante a facilidade que você tem em captar, através de sua arte, a essência da alma humana, algo que pude ir percebendo através de seu trabalho, com as ilustrações nas entrevistas com os poetas da blogosfera. Inteligência arguta, sensibilidade, ironia e um lirismo tímido (será? rs). Afinal, você parece ser “muitos”, o que, inevitavelmente, desperta enorme curiosidade. Quem é Antônio Cláudio Zamagna, Tuca? Como você o definiria essencialmente? Qual o lugar que a poesia ocupa em sua vida? (Tânia Contreiras)
TZ - Como posso saber, Tânia, o lugar que a poesia ocupa em minha vida se, como você mesma corretamente supõe, sou muitos? Cada hora a poesia está num canto, à mercê do caos promovido por esse bando que se aperta aqui, na minha cabeça, mesmo sendo ela maior e mais espaçosa – porque oca – do que a maioria das cabeças que andam, rolam ou quicam por aí.
Autodefinição: Uma hora hei-de ser um. Mas, felizmente, uma hora passa rápido.
Pafúncio Ambrósio Antonildo Claudicante Xavier Zamagna – é o nome que constava na minha 1ª certidão de nascimento, feita por meu tio só para abusar da ingenuidade de minha mãe e deixá-la como a deixou: histérica, xingando-o do pior palavrão do repertório dela: - Eu não falei, ZEBRA, que tinha de ser o nome de Santo Antonio junto com o do meu sogro, Claudio?! – Ora, maninha, você não vê que Antonildo e Claudicante são belos derivados de Antonio e Claudio?... Então, percebendo que a irmã já estava prestes a ter outro filho, meu tio encerrou a farsa e mostrou a certidão verdadeira – que diz que eu me chamo Antonio Claudio Xavier Zamagna. Lamentável, não? Hoje, certamente, eu seria muito mais populoso se me chamasse Pafúncio Ambrósio Antonildo Claudicante.
Minha cabeça é uma verdadeira cabeça-de-porco, com mais de 30 pessoas amontoadas dentro. São elas – além do blogueiro Tuca Zamagna, do jornalista, cronista e humorista Antonio Claudio Zamagna, do humorista Tutuca, do ceramista Tuca Z. e do roterista televisivo Zamagna, o compositor e letrista Aranha, o humorista e cronista Pedro Brás, o sexólogo Dr. Eustáquio Pinça, ex-editor da revista erótica Eros, cuja equipe era formada por mais cinco pessoas, entre elas os gêmeos El Zamagna (roteirista de pornofotonovelas) e Elza Magna (astróloga responsável pelo Eróscopo – e hoje minha parceira de blog),
Há também o arquivista e etimólogo BUARQUE, Vando (autor da coluna Aquivocabuloso); a redatora de necrológios Carola de Athaúde, o cronista social Paulo Peroba Grande, que assinava a coluna Perobão, na revista Mad; o crítico musical e saxofonista de rock-melequeira Lambrecão; o fabulista portugárabe Falabu Bulafa Lafabu, autor do livro “!ALBUFAS SAFUBLA! – Fabulas Bufalas”; o canalha do bem Teophanio Lambroso, vulgo Teopha... e mais uma 14 ou 15 figuras, inclusive Anga Maz, que assinou os meus primeiros textos publicados, aos 16 anos, e há dois anos virou a minha parceira de blog Anga Mazle, deixando de ser anagrama de Zamagna para ser anagrama de Elza Magna e El Zamagna.
Já ia me esquecendo do Caio Julius Caesar, o Cesinha, um vira-lata poeta (e não um poeta vira-lata, como eu), autor do livro “Poemas de um cão sem dono”. Já postei no blog alguns haicães do Cesinha, e o inscrevi em dois concursos fuleiros de poesia nos quais não foi sequer classificado. Suspeito que os jurados o desclassificaram por ser ele, assumidamente, um cão, embora em ambos os regulamentos não constasse qualquer restrição à participação de cães alados, sardinhas andarilhas, canários submarinos, centopéias monociclistas e demais animais de alma lírica. Para encerrar, se os estatutos do Roxo-Violeta permitirem, eis uns poemetos do vira-lata que ora vos late:
Três haicães
Para Laila Saturnino, Malu Fioretti e Bono Camargo, com au-aus afetuosos e muito osso!
Outono é por quanto
tempo ventanias levam
nuvens na coleira
.
埢
Caravanas passam...
e nós, cães, só espiando, mudos
que nem orelhões.
荙
Cio nos flamboyants.
Laninha, a poodle jeitosa,
gasta au-aus com gatos.
Participaram desta entrevista: Sandrio Cândido, Luiza Maciel, Joelma Bittencourt, Lelena Cmargo, Cris de Souza, Suzana Guimarães, Hélio Jesuíno, Márcia Luz, Silvia Antunes, Assis Freitas, Jenny Paulla, Wilden Barreiro, Eleonora Marino, Adriana Araújo, Pulinho Saturnino, Raíssa Medeiros, Shirley Fioretti, Marcantonio Costa, Roberto Lima, Tânia Contreiras.