sábado, 23 de março de 2013

A uma formiga - Iacir Anderson Freitas

Do poeta mineiro Iacir Anderson Freitas:


Sei que cumpres teus anos
a cada minuto, 
que não terás muito tempo 
para o que de fato é o tempo
e suas recusas. 

Vejo-te cruzar agora
o planalto de linho e trigo
que diante de mim 
é uma simples mesa 
mas em ti
assombra a eternidade
com suas frutas, 
seus lençóis de pão e açúcar, 
suas colheres de um leite
que lembra na carne 
o paraíso. 

És para mim uma máquina 
sem sentido no mundo. 

De tua boca
fogem talvez cometas absurdos,
constelações que têm no dorso
o nome de meus antepassados,
folhagens que não vi ou não provei, palavras
que ainda me chamam
da infância. 

És o que não compreendo.
O que é extremo
feito o sinal de Deus
e não compreendo.

Tu continuas sobre a mesa.
O planalto de linho não se acaba, 
indiferente a mim e a ti 
nesta casa.

A minha presença, o meu assombro, nada 
chegou ainda a teu corpo. 
Tu tens talvez este resto de tarde
que não deixará um nome 
na inconsciência 
que te move. 

Também eu
que te sei 
não me salvo: 
esse incêndio levará um dia
a tua lembrança
do meu sangue, levará a lembrança 
de outros dias, 
a memória do sangue
no meu sangue
e o mundo voltará à indiferença
que nos cerca. 

Teu corpo vence enfim o beiral de linho
e desaparece comigo
no caos.

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