quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Uma palavra


 
 
Há uma palavra que pulsa nas omoplatas,
catedral, aqueduto, estrela,
ou um diadema branco, um vaso de sombra.
Há uma cabeça (eu sei) há uma cabeça
 delicada e vulnerável sobre um céu deserto.
E outras palavras ardem como vísceras verdes
ou vitrais perfeitos. A língua sabe as águas
inúmeras, as forças da sombra, o extremo olvido.
Onde a saciedade? Onde a água na água?
Vejo o verde translúcido das árvores, vejo os arroios
que percorrem as terras ásperas e nuas, vejo a boca
da chuva sobre recintos azuis.
Como extenuados cavalos os versos estacam
e a fênix de sílex tresmalha-se nos redemoínhos de sangue.
 
Antonio Ramos Rosa, em Animal olhar


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Justin Adams - Desert road (Putumayo presents Sahara Lounge)

Poema para um belo sorriso

pássaros solares
agonizam as horas
na luz do tempo
evadem a chama
e nada é pranto
somente
em terra de tristes
um sorriso é paraíso,
um sinal,
um presente,
uma pequena liberdade
no semblante
uma revoadinha de luz
nos olhos
alimenta
qualquer bom sorriso

*

De um muro maior

Para os meninos de Santa Maria...




Meus joelhos ardem
a confiança despencada
de um muro maior
que a minha infância.
Minha infância rasga
o  futuro sufocado
em uma caverna
de falências, de descaso
e de isopor.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

No equilíbrio derrotado


No equilíbrio derrotado
das coisas que tento falar
e que se afogam nos silêncios
do céu da boca,
há um desenho com vista
para as janelas
do rancor.


Nos fones de ouvido: All I Need


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Os anjos

                                                Imagem da internet sem nome de autor.



Saiu o café? A água secou, é preciso ferver outra, mas não tem muita importância. Afinal, nada tem importância. Por que incomodar as pessoas com essa angústia fora de hora? Todos se divertem, contentes, todos querem ser felizes. As crianças devem dormir em paz, as flores estão lá fora como de direito.
Procura o bule do café, deve estar em algum lugar. Um dente começa a doer. Entre as sombras da sala, a empregada faz um sinal de que está tudo bem, mas não dá pra ver seu rosto. Agora vê o bule na bandeja sobre o aparador. Por que ninguém se serve?
Um coro lhe prega um susto, quando procura de onde vêm as vozes e vê os três anjos de pé, diante do muro dos fundos.

Brincando com o Risco



Os celulares estavam juntos aos corpos, ao lado das identidades, eles tocavam sem parar. Talvez essa tenha sido a pior das imagens da tragédia de Santa Maria, a fotografia da aflição, do desespero dos pais. No facebook é possível ver os rostos e as últimas mensagens de algumas das vítimas. Uma delas postou que o fogo estava tomando conta da Boite Kiss. Depois dessa postagem, essa menina de pele clara e rosto lindo não conseguiu mais respirar. Esses jovens morreram asfixiados por conta de um ato sem noção. Tem gente que acha normal e que não existe risco acionar um sinalizador num local cheio e apertado. O guitarrista da banda "gurizada fandangueira" disse que eles fizeram isso em lugares menores e nada aconteceu. Pois, então... Da banda apenas o gaitero não sobreviveu, ele alcançou a rua, mas retornou para buscar o acordeon, nunca mais voltou. O Juiz determinou a prisão temporária dos donos do estabelecimento e dos meninos da banda. A Justiça tem de ser feita, porque ninguém foi precavido. Diante da omissão a festa aconteceu, um DJ disse, antes das chamas, que aquilo estava bombando. De fato estava. As tragédias não são anunciadas, elas chegam porque alguém resolveu brincar com o risco, pegou o isqueiro e ascendeu o sinalizador....

Mistérios - Boca Livre

Só nos resta viver

domingo, 27 de janeiro de 2013

Delicado, chorinho de Waldir Azevedo




 
Queremos um baiãozinho que seja bem gostosinho
que seja delicadinho, escute com atenção:
aqui está o baião falando ao coração
veja como ele é tão delicado, faz até pensar
no amor que ficou no passado
Eu sei que o mundo inteiro vai me dar razão
pois levo a consolação do tal amor
um tal alguém que perdeu outrora
que o baião relembra agora
O nome sempre varia, pra uns o nome é Maria
Glória, Ruth, Aurora
pra todos o nome é inesquecível
esta é a verdade, embora pareça incrível
eu provo e todos vivem sempre a esconder
Ouça o que o amor pode fazer
faz gemer assim: huum huum ai ai ai
ninguém deve esconder demais a sua dor
porque assim mais cresce ainda o mal do amor
fingir que é feliz é uma ilusão, só magoa o nosso coração
Faça sempre assim: ui ui ui ai ai ai
verá que é mais gozado
e quando terminado, irá pedir outro baião.
 
 
Waldir Azevedo, nasceu no Rio de Janeiro(1923-1980), era um mestre na execução do cavaquinho, Compôs "Delicado" em 1950 (a música). Posteriormente, Ari Vieira compôs essa letra, que foi interpretada por Ademilde Fonseca e Baby do Brasil. 
 
 

sábado, 26 de janeiro de 2013

Suíte burlesca para um diálogo com a ausência


foste tu nesta distância de muitos quilômetros
a ilha, a quimera, o oásis, pasárgada dos dias
a cotovia desavisada que insinuou a primavera
foste tu que me impuseste silêncio e ausência
nesta seara do corpo que se move em frêmitos
no olho arredio que já se despediu das estrelas
foste tu, este eterno assovio em minhas retinas
a mão que agitou o delicado trovão da espera

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Parabéns, Luanda, capital de Angola!!!


Neste 25 de janeiro Luanda comemora seus 437 anos de fundação.
Quero através desse vídeo prestar uma singela homenagem a esse país maravilhoso!!
Vejam-no, e depois me digam se não tenho razão...!



Wislawa Szimborska




OS PENSAMENTOS QUE ME VISITAM NAS RUAS MOVIMENTADAS
Rostos. Bilhões de rostos na face da terra.
Dizem que cada um é diferente dos que já se foram
e dos que virão um dia.
Mas a Natureza – quem é que a entende?
– cansada do trabalho que nunca acaba talvez repita
suas ideias antigas e ponha-nos rostos já usados outrora.
  Pode ser Arquimedes de jeans que passa ao seu lado,
a czarina Catarina com roupa de brechó,
um dos faraós de pasta e óculos
. A viúva de um sapateiro descalço
  vinda de uma Varsóvia pequenina ainda,
um mestre da gruta de Altamira levando as netas para o zoológico,
um Vândalo cabeludo a caminho do museu
para se deliciar com os mestres do passado.
Os que tombaram há duzentos séculos,
há cinco séculos, há meio século.
Alguém levado em carruagem dourada,
alguém levado em vagão de extermínio.
Montezuma, Confúcio, Nabucodonosor, suas babás, suas lavadeiras
 e Semíramis que só fala inglês.
Bilhões de rostos na face da terra.
Meu, seu, de quem – você nunca saberá.
  Talvez a Natureza tenha que ludibriar
para dar conta dos prazos e da demanda
e pesque até o que estava submerso no espelho da deslembrança.
 
 
  Tradução de Henryk Siewierski 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A teoria, de Gonçalo M. Tavares

" O senhor Henri disse: o telefone foi inventado para as
pessoas poderem falar afastadas umas das outras.
   ... o telefone foi inventado para afastar umas pessoas
das outras.
   ... é exatamente como o avião.
   ... o avião foi inventado para as pessoas viverem afastadas
umas das outras.
   ... se não existissem aviões nem telefones as pessoas
viviam todas juntas.
   ... isto é uma teoria, mas pensem bem na teoria.
   ... o que é preciso é pensar no momento em que ninguém
espera.
   ... é assim que os surpreendemos. "

Para sacudir o esqueleto :)

Vi duas vezes em menos de 24 horas

Sem controle



Una obra maestra! Pedro Bloch aplaudiría!

Raul Seixas - Trem das sete




Ó, olha o trem, vem surgindo de trás das montanhas
azuis, olha o trem
Ó, olha o trem, vem trazendo de longe as cinzas do
velho aeon

Ó, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que
sabem do trem
Ó, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no
trem
Quem vai chorar, quem vai sorrir ?
Quem vai ficar, quem vai partir ?

Pois o trem está chegando, tá chegando na estação

É o trem das sete horas, é o último do sertão, do
sertão

Ó, olha o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu,
não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso
no ar

Vê, é o sinal, é o sinal das trombetas, dos anjos e
dos guardiões
Ó, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil
megatons
----------------------------------------
LP (CD) Gita, 1974. 





Ó, ó o mal, vem de braços e abraços com o bem num
romance astral

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O amor acaba


Robert Doisneau



O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumí­nio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridí­cula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às proví­ncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptí­vel no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasí­lia o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Paulo Mendes Campos, em Crônicas liricas e existenciais.  ( Belo Horizonte, 1922-1991)

A vida se repete na estação

E eu que não conheço todos os sotaques ...

sábado, 19 de janeiro de 2013

Um escritor amor da minha vida



“O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo; existe tempo, por exemplo, nesta mesa antiga: existiu primeiro uma terra propícia, existiu depois uma árvore secular feita de anos sossegados, e existiu finalmente uma prancha nodosa e dura trabalhada pelas mãos de um artesão dia após dia; existe tempo nas cadeiras onde nos sentamos, nos outros móveis da família, nas paredes da nossa casa, na água que bebemos, na terra que fecunda, na semente que germina, nos frutos que colhemos, no pão em cima da mesa, na massa fértil dos nossos corpos, na luz que nos ilumina, nas coisas que nos passam pela cabeça, no pó que dissemina, assim como em tudo que nos rodeia; rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é;…”

Rodrigo Leao~Happiness

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

TREM-BALA



RESPOSTA TARDIA

A vida tem me feito
Perguntas
De difíceis respostas

Passo anos a procurá-las
E
Quando as encontrou
Já estão prescritas

Exemplo:
O que você quer ser
Quando crescer?

Ora
Ora:
Quero ser menina

POSTA-RESTANTE

Pombo-correio
Veio
Mas chegou
Meio
Sem jeito:
Perdera-se
No caminho

Trouxe
Carta
De amor
De mim
Novecentos
E sessenta
E cinco

RASCUNHO

Tracei
Minha vida
A lápis
Considerando
A possibilidade
De
Mais tarde
Apagar tudo
Passar a limpo
Mas...

Perdi
A borracha

Essa pequena

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Jorge de Lima


  ETERNIDADE


                                      ELE   REVIU-SE:
                                      não era mais
                                      nem corpo
                                      nem sombra
                                      nem escombros.

                                      Como foi isso?
                                      Tudo irreal:
                                      um barco
                                      sem mar
                                      a boiar.                                    

                                      Ele sentiu-se:
                                      recomeçava.
                                      Vivera
                                      morrendo
                                      numa estrela.

                                      Ele despiu-se
                                      de quê
                                      De tudo
                                      que amara.
                                      Surdo-mudo
                                      cegara.
                                      Agora vê.  

Mais Jorge de Lima


No dia seguinte:
chamados da terra,
o poema te leva,
te dana, te agita,
te vinca de cruzes,
te envolve de nuvens.
Quem sabe aonde vai
parar no outro dia?

Um copo de mar

"Há sempre um copo de mar para um homem navegar." 

(Jorge de Lima, "Invenção de Orfeu", 1952)

Da série cantando alto!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Destruição

Henri Cartier-Bresson
 
 
Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se veem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.
 
Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.
 
Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.
 
E eles quedam mordidos para sempre,
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.
 
 
Carlos Drummond de Andrade,  em  Lição de coisas.

Vitorino - Ana I (Homenagem a Jorge de Sena)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Ezequiel Zaidenwerg, O que o amor causa nos poetas + Fragmentos de una entrevista


ccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc


não é trágico: é atroz. Uma ruína
 fúnebre cai sobre os poetas que o amor captura
sem que orientação ou identidade poética
interessem. O amor leva ao desastre completo
da uniformidade os poetas gays,
os poetas panssexuais e bissextos,
as poetas e poetisas feministas, fementidas ou honestas;
os obcecados pelo gênero e
os degenerados em geral e os polimorfos perversos:
e até os fetichistas dos pés
de verso cedem sob as plantas do amor,
que não distingue ideologia,
programa ou poética. Aos vates da torre de marfim,
lança-os do penthouse ebúrneo para o térreo. Aos apóstolos
do Zeitgeist, que proclamam sem inibição que a lírica está morta,
permite que insistam em seu equívoco
e em suas bachareladas prolixas. Produz uma hemorragia palatal
nos que arqueiam parcos aforismos oblíquos,
como nos herméticos de latão, nos que engarrafam
seus versos para o vazio, nos falsários do silêncio,
e nos que forjam haikais lusófonos
à moda itálica. Nos puristas da voz corta em seco
os lamúrios doces, e quebra as falanges
dos maníacos do ritmo, estraga
o metrônomo íntimo que carregam junto ao coração
para marcar a batida de seus versos. Domestica o sensorial
nos videntes e malditos e demais
rebeldes e insurretos sem razão
ou causa poética, cura o desregramento racional
de todos os sentidos. Desaloja de sua noite escura
os que pedem luz para o poema
nas cavernas do sentido, e os devolve sem escala
para o tresnoitar da carne literal. O que o amor
causa nos poetas, com paciência e mansidão,
enquanto as borboletas lentamente ulceram seus estômagos
e pouco a pouco o pâncreas deixa de funcionar,
é bastante inconveniente. Aos que buscam com afinco
e precisão cirúrgica a palavra justa, arruína
seus pulsos, e em vez de doar vida, aniquilam-na em sua ânsia.
E nos que perseguem com ardor e devoção
um absoluto no poema, como um graal
todo de luz, tesa, diáfana e febril,
nubla suas certezas e mesmo o desejo
de saciar sua ansiedade. O que o amor
causa nos poetas, desavisadamente,
enquanto costuram e cantam e se empanturram de perdizes, é agudo, terminal
e fulminante. É um torrencial avassalador
de prosa, que esporeia e multiplica, em progressão exponencial,
os estúpidos e toscos da poesia:
os que cortam sem motivo seus versos diminutos;
os jóqueis compulsivos que os encavalam;
os designers tipográficos do verso;
os que partem a sintaxe sem saber torcê-la;
os que fazem escavações no
éter em busca de inauditos neologismos inaudíveis;
os modernos sem pretexto; os que creem descobrir
a pólvora em seus versos balbuciantes;
os contestatários automáticos e os poetas-pornô;
os que semeiam grandes nomes pela densa
fronde de seus poemas, como Joãozinho e Maria jogavam
migalhas; os que erguem em sua voz
ausente as caretas de uma infância lobotomizada;
os poetas bonitos e felizes, teimosos;
as tribos urbanas e os groupies da poesia adolescente;
os poetas pop e os rock stars do verso; os videopoetas e performers;
os ovni-poetas, alados ou rastejantes, identificados;
os objetivistas sem objeto
nem vista; os que exigem que o poema
vista-se de mendigo; os poetas filósofos;
e os cultores convictos
da “prosa poética”. O amor,
que movimenta o sol e os demais poetas,
leva-os até o derradeiro paroxismo: transforma-os
em terra, em fumaça, em sombra, em pó, etcétera:
em pó enamorado. E se acontece
ainda que dentre eles
amem-se amorosos os poetas pares,
felizes em seu amor solar sem escansão,
como se fossem na verdade, um para o outro,
um buraco negro de opiniões nebulosas,
palmadinhas tácitas nas costas e comentários de passagem,
anões, esfriando-se, absorvem-se mutuamente
e desaparecem.



(tradução de Ricardo Domeneck)



Lo que el amor les hace a los poetas (Ezequiel Zaidenwerg)

// no es trágico: es atroz. Les sobreviene / una luctuosa ruina a los poetas que el amor captura, / sin importar su orientación o identidad / poética. El amor lleva al total desastre / de la uniformidad a los poetas gay, / a los poetas pansexuales y bisiestos, / y a las poetas y poetrices feministas, fementidas o veraces; / a los obsesionados con el género / y a los degenerados por igual, y a los perversos polimorfos: / y hasta los fetichistas de los pies / del verso capitulan a las plantas del amor, / que no distingue ideología, / programa ni poética. A los vates de la torre de marfil / los precipita del penthouse ebúrneo directo a planta baja. A los apóstoles / del Zeitgeist, que proclaman sin empacho que la lírica está muerta, / les permite insistir en el error / y en sus prolijas parrafadas. Les produce una hemorragia palatal / a los que comban parcos aforismos diagonales, / a los herméticos de lata, a los que envasan / sus versos al vacío, a los falsarios del silencio, / y a los que fraguan haikus castellanos / al itálico modo. A los puristas de la voz les corta en seco / su dulce lamentar, y a los maniáticos del ritmo / les quiebra las falanges, y estropea / el íntimo metrónomo que llevan junto al corazón / para marcar el paso de sus versos. Les compone el sensorio / a los videntes y malditos y demás / rebeldes e insurrectos sin razón ni causa / poética, y les cura el desarreglo razonado / de todos los sentidos. Desaloja de su noche oscura / a los que piden luz para el poema / en las cavernas del sentido, y los devuelve sin escalas / a la trasnoche de la carne literal. Lo que el amor / les hace a los poetas, con paciencia y mansedumbre, / mientras las mariposas lentamente les ulceran el estómago / y el páncreas poco a poco deja de funcionar, / es harto inconveniente. A los que buscan con ahínco / y precisión de cirujano la palabra justa les arruina / el pulso, y en lugar de dar la vida, la aniquilan en su afán. / Y a los que con ardor y devoción persiguen / un absoluto en el poema, como un grial / todo de luz, tirante, diáfana y febril, / les nubla las certezas, y el deseo mismo / de saciar su ansiedad. Lo que el amor / les hace a los poetas, inadvertidamente, / mientras cosen y cantan y se atoran de perdices, es agudo, terminal / y fulminante. Es un torrente arrollador / de prosa, que espolea y multiplica, en progresión exponencial, / a los zopencos y palurdos de la poesía: / a los que cortan sin razón sus versos diminutos; / a los jinetes compulsivos; / a los diseñadores tipográficos del verso; / a los que quiebran la sintaxis sin saber / torcerla; a los que escarban en el / éter a la busca de inauditos neologismos inaudibles; / a los modernos sin pretexto; a los que creen descubrir / la pólvora en sus versos balbucientes; / a los contestatarios automáticos y a los porno-poetas; / a los que sueltan grandes nombres por la densa / fronda de sus poemas, como Hansel y Gretel arrojaban / migas; a los que impostan en su voz / vacante los mohines de una infancia lobotomizada; / a los poetas bellos y felices, caprichosos; / a las tribus urbanas y los groupies de la poesía pubescente; / a los poetas pop y los rockstars del verso; a los videopoetas y performers; / a los ovni-poetas, voladores o rastreros, identificados; / a los objetivistas sin objeto / ni vista; a los que exigen que el poema / se vista de mendigo; a los filósofos poetas; / y a los cultores convencidos / de la “prosa poética”. El amor, / que mueve el sol y a los demás poetas, / los lleva hasta el postrero paroxismo: los convierte / en tierra, en humo, en sombra, en polvo, etcétera: / en polvo enamorado. / Y si resulta todavía que entre ellos / se aman amorosos los poetas pares, / felices en su amor solar sin escansión, / como si fueran en verdad el uno para el otro / un agujero negro de opiniones nebulosas, / tácitas palmaditas en la espalda y comentarios al pasar, / enanos, enfriándose, se absorben entre sí / y desaparecen.


 
Ezequiel Zaidenwerg  por Valentina Siniego

Fragmentos de una entrevista de Daniel Saldaña París

El lugar común de la poesía argentina reciente es que es coloquialista, arrabalera, antisolemne... Desmiéntelo. 

No sé si podría desmentirlo. Lo cierto es que hay una idea de la poesía argentina que tiene que ver con la llamada generación del 90 que efectivamente parte de la desacralización de la lírica. De hecho hay un célebre aserto de un poeta que se llama Alejandro Rubio que dice que la lírica está muerta, y que existiendo la televisión por cable a quién le puede interesar hoy escuchar las penas de un joven dolido de amor. Ahora bien, la poesía de los 90 es más compleja que eso: hay una serie de autores que no se limitan al realismo sucio o a la cumbia (...) No se podría decir que toda la poesía argentina de los 90 es antiacadémica, antisolene, antirretórica. Sí hay una idea muy fuerte de repudio a la retórica; lo que pasa es que eso es fuertemente retórico también.

Lo que vos me decís es bastante apropiado y describe bien el grueso de la poesía argentina escrita durante los últimos diez o quince años, pero lo que veo en los autores que están escribiendo ahora es que hay un regreso a la lírica, aunque quizás no a la lírica entendida en términos tradicionales. Y bueno, técnicamente la poesía argentina da la espalda al metro, a la rima y a todo el arsenal retórico que estamos acostumbrados a ver en los poetas mexicanos; aunque no sé si también en los más jóvenes...
En tu poesía al menos sí advierto un interés en el metro y las formas fijas...
Sí, todos los versos están medidos. Quizás en ese libro que vos tenés en la mano [Doxa, ed. Vox, 2008] hay algunas pifias porque lo escribí a los 21 o 22 años y todavía estaba aprendiendo, pero yo no escribo ni traduzco nada sin metro; me parece importante. La poesía argentina suele ser muy sorda, no le presta atención a eso. No creo que un poema sea bueno por tener ritmo, pero ciertamente ayuda. Es muy difícil tener algo para decir, y si tenés algo para decir mejor decirlo bien, me parece.
Ahora al revés: ¿Cuál dirías que es el lugar común de la poesía mexicana, vista desde Argentina?
Bueno, la Argentina es un país bastante ciego al exterior. La poesía argentina joven, digamos, mira más al modernismo de Estados Unidos que a la poesía latinoamericana. El problema de los poetas argentinos –y acá voy a seguir rompiendo lanzas– es que no leen poesía, no tienen un interés particular por la tradición. Qué sé yo: no conocen a San Juan de la Cruz. Qué podemos esperar que conozcan de la poesía mexicana si no conocen a San Juan de la Cruz... Pero en general el lugar común sobre México es que hay una poesía muy retorizada y muy preocupada por el buen decir. Aunque los poetas jóvenes que yo he leído no me dan esa impresión. Hay poetas mexicanos que me fascinan, y yo no tengo miedo a la retórica, para nada. Me encanta el modernismo, me encantan los Contemporáneos, etc.
¿Qué tanto se refleja en tu poesía aquello que aprendes en el ejercicio de la traducción?
Lo último que estoy haciendo tiene mucho que ver con la traducción, y tiene que ver con una liberación, con ser menos ambicioso, escribir más y divertirme más. Me tomo a mí mismo menos en serio, y creo que el blog es un lugar en el que puedo soltar la mano: trabajo muy rápido y lo hago para divertirme. Digo, me importa hacerlo bien, pero no es que yo esté obsesionado con una palabra durante diez días. Un poema me siento y lo traduzco en diez minutos, no pasa de eso. La traducción es como una convivencia amistosa, no hay una lucha. Es como sentarse a tocar el piano: vos tenés la partitura delante y sale solo. Con un poema propio no, porque bueno, uno tiene que hacer la partitura y eso es más difícil.
¿El formato del blog y las sugerencias que te hacen los lectores modifican en algo tus traducciones?
A veces sí, a veces me equivoco y me dicen "mirá, esto es ripioso, mirá, esta palabra no me parece", y varias veces cambio cosas, por supuesto. El formato blog es muy bueno porque permite, sin una inversión de dinero, llegar a otra gente. La verdad es que estoy muy agradecido, porque yo estoy acá por eso. Fui invitado por una universidad estadounidense por el blog, y después me dieron una especie de beca para ir allá y después estoy aquí en México.
¿Todo gracias al blog?
Sí, jamás publiqué un libro de traducciones. Publiqué traducciones en varias revistas, pero la verdad es que el blog fue una gran inversión, y es algo que a mí me pone muy contento y me motiva a hacer. Me gusta traducir: siempre me fascinaron las distintas versiones de la misma cosa, como escuchar covers del mismo tema.
¿Con qué autor de los que has traducido sientes que has entablado una relación más intensa?
Mirá, no me interesa mucho la idea de autor a la hora de traducir. Traduzco poemas que me gustan y me relaciono mucho más con un poema que me diga algo que con un autor. Creo que tendría un problema si tuviera que traducir un libro entero de un mismo autor. Si bien por supuesto no todos los poemas que están traducidos en el blog me gustan; hay unos que de hecho me parecen malísimos, pero los pongo por muchos motivos: como una broma o porque sé que a ciertos lectores les puede interesar y quiero ver qué comentan.
¿Y las canciones pop que traduces de pronto?  

 Las canciones pop son en principio una cosa mercadotécnica, como para tratar de atraer un público que no tenga que ver con la poesía. Y funcionó. Por supuesto sería necio pensar que lo hago solamente para que me lean: me gusta mucho el rock y me gusta darle una dignidad a esas canciones que, despojadas de la música, realmente se caen a pedazos. De alguna manera utilizo la traducción como una especie de prótesis rítmica... Y por otra parte también lo hago como un gesto político: está toda esa poesía cuya misión sería algo así como "destruir" la poesía... yo trato de hacer lo contrario: en vez meter la poesía a los filtros de la cultura pop, trato de someter el pop a los filtros de la poesía más tradicional


¿Están también en metros clásicos esas traducciones?

Todo, sí; no hago nada que no esté con metro. Incluso a veces forzando: traduje un poema de Levertov y un amigo me criticaba que hubiera hecho en endecasílabos un poema que está todo en verso libre... pero bueno, yo me imagino la traducción de poesía como si hubiera una suerte de cielo platónico de los poemas donde éstos existieran como formas puras, desencarnadas de su actualización lingüística. El trabajo del traductor de poesía sería ver esas formas y adaptarlas a las condiciones de producción de la lengua, por decirlo así, y del contexto en el cual se hace la traducción. En general creo que esa es la única idea que me rige para traducir: pensar que esos poemas son una forma pura en un cielo poético más allá de nuestra percepción inmediata...   Pero  bueno, tengo una idea bastante religiosa de la poesía y de la vida en general (Risas)

En México la validación del Estado tiene un papel importante en la "consolidación social del poeta", gracias a las becas, los premios, el arropamiento en general. ¿Cómo funciona en Argentina? 

La soledad del poeta es absoluta. No hay ningún tipo de estímulo, los poetas tienen que trabajar en otras cosas...y no sé hasta qué punto eso no es enriquecedor también. De todas maneras, a mí me encantaría tener apoyos, poder levantarme en la mañana y que me digan :"tenés tanta plata para traducir poemas". Pero bueno, también estar en una situación de crisis permanente es productivo para la escritura en algún punto. Al final uno está solo con el poema y tampoco importa mucho lo que piensen los otros.

¿Tú te sientes parte de ese regreso a la lírica del que hablabas? 

Yo no me siento parte de nada, yo sólo trato de hacer mis poemas. No sé, me parece que en realidad a nadie le importa nada de lo que uno hace. Hay que tratar de seguir haciendo. Todo eso de ser parte de un movimiento y de una generación es algo que construyen otras personas.  



Ezequiel Zaidenwerg  (Buenos Aires, 1981) é um excelente poeta e tradutor. Publicou Doxa (2008)

Ricardo Domeneck ( 4 de Julho, 1977) é poeta e tradutor. Publicou Carta aos anfíbios (2005) a cadela sem Logos (2007)   Sons: Arranjo: Garganta (2009) Cigarros na cama  (2011). 

Mais leituras: 
http://zaidenwerg.blogspot.com.ar/ 
http://ricardo-domeneck.blogspot.com.ar