sábado, 17 de maio de 2014

Minha tristeza de porcelana



 

Minha funda tristeza, minha tristeza
de todos os momentos, disse: queres casar comigo?
Hoje estás tão esquiva e tão vulgar,
tão cotidiana, tão humana
minha pobre tristeza.
Ouve: quero beijar-te
toda; beijar-te dos pés à cabeça,
doidamente, num arrepio.
E possuir o teu pequenino corpo,
teu frágil e pequenino corpo,
onde se esconde uma alma tiritante de frio.
Minha tristeza de porcelana,
és como um vaso chinês, onde floresce, longo,
o lírio artificial da minha dor.
Se alguém te esfacelasse
se alguém, um pobre alguém,
 te apertasse entre os dedos,
e eu te perdesse,
que seria de mim?
Não tenho o luxo dos prazeres ricos,
não tenho o dinheiro que é preciso
para vestir a minha alma um pijama de seda
com que ela passaria o seu tédio na alameda
Vazia e branca da minha vida.
Vê, eu só tenho dois olhos
para te olhar, minha tristeza;
só tenho uma boca
para te beijar, minha tristeza;
só tenho duas mãos
para apertar as tuas mãos.
 
 
Carlos Drummond de Andrade
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário