domingo, 22 de setembro de 2013

A faca não corta o Fogo


 
a faca não corta o fogo,
não me corta o sangue escrito,
não corta a água,
e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
eu sim queria,
jogando linha com dedos, conjugando
onde os verbos não conjugam,
no mundo há poucos fenômenos do fogo,
água há pouca,
mas a língua fia-se a gente dela por não ser como se queria,
mais brotada, inerente, incalculável,
e se a mão fia a estriga e a retoma do nada,
e a abre e fecha,
e que sim que eu amava como bárbara maravilha,
porque no mundo há pouco fogo a cortar
e a água cortada é pouca
que língua,
que húmida, muda, miúda, relativa, absoluta,
e que pouca, incrível, muita
e la poésie, c'est quando le quotidien devient extraordinaire, e que música,
que despropósito, que língua língua,
disse Maurice Lefèvre, e como rebenta na boca!
queria-a toda
 
 
Herberto Helder, Funchal, Ilha da Madeira (1930-  )


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