sexta-feira, 22 de julho de 2011

Arte poética





Olhar o rio feito de tempo e água

e recordar que o tempo é outro rio,

saber que nos perdemos como o rio

e que os rostos passam como a água.


Sentir que a vigília é outro sonho

que sonha não sonhar e que a morte

que teme nossa carne é essa morte

de cada noite, que se chama sonho.


No dia ou no ano perceber um símbolo

dos dias de um homem e ainda de seus anos,

transformar o ultraje desses anos

em música, em rumor e em símbolo,


na morte ver o sonho, ver no ocaso

um triste ouro, tal é a poesia,

que é imortal e pobre. A poesia

retorna como a aurora e o ocaso.


Às vezes pelas tardes certo rosto

contempla-nos do fundo de seu espelho;

a arte deve ser como esse espelho

que nos revela nosso próprio rosto.


Contam que Ulisses, farto de prodígios,

chorou de amor ao divisar sua Ítaca

verde e humilde. A arte é essa Ítaca

de verde eternidade, sem prodígios.


Também é como o rio interminável

que passa e fica e é cristal de um mesmo

Heráclito inconstante, que é o mesmo

e é outro, como o rio interminável.




Jorge Luís Borges, em o fazedor - Companhia das Letras

4 comentários:

  1. Sabia que era uma postagem sua!

    Deus, como eu gostaria de ter escrito isso. Podia juntar o "farto de semideuses" do Álvaro de Campos a este "farto de prodígios" desse Ulisses que corre à Ítaca da arte.

    Beijo.

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  2. Que maravilha, Cirandeira: Borges! Magnífico...
    Beijos,

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  3. A esperança e a alegria de viver esta
    nos atos de amor que praticamos.
    Quero viajar todos os dias semeando
    a paz no coração dos amigos (as)ser
    apreciada por minha presença.
    Quero jogar flores por onde
    eu passar.
    E em silêncio deixar a palavra
    mais bonita.
    (Creia em Deus porque viver é fantástico.)
    Um beijo na alma e no coração com carinho,,Evanir,

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  4. A arte é a alma exposta.
    tua poesia é linda

    Abraço

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