Entrevista com o poeta e escritor Assis Freitas
O número mágico que dá nome ao blog do escritor e poeta Assis Freitas – Mil e um poemas – remete-nos, inevitavelmente, ao conto árabe, clássico da literatura mundial, O Livro das Mil e Uma Noites. Curiosamente, os poemas desse baiano de 49 anos, residente na cidade de Feira de Santana, trazem também a marca da infinitude e nos conduzem a um lugar desconhecido para o qual, extasiados, caminhamos, talvez em busca da unidade, da inteireza. Uma versão masculina da Sherazade que transformou o rei Shariar e venceu a morte?
O poeta confessa que inicialmente sua intenção era mesmo alimentar um poema do outro, tecendo-os com um único fio. Embora tenha desistido da tarefa – que se mostrou demasiadamente árdua – , persiste nos leitores de seus versos a sensação de estarmos sob alguma espécie de encantamento que nos leva a buscar, a cada dia, um novo poema. Com um fôlego de causar inveja a quem vive do ofício da escrita, Assis Freitas posta um poema diariamente em seu blog e fisga-nos pela originalidade e qualidade de seus versos.
Com dois livros de contos publicados – Mapa da Cidade e Ulisses no Supermercado –, o Poeta dos Girassóis ainda não editou o seu primeiro livro de poemas e continua sonhando com palavras quando dorme, em devaneios oníricos que dispensam as imagens e se alimentam do verbo.
Nessa entrevista informal – feita coletivamente por blogueiros poetas, escritores e admiradores de seu trabalho – , Assis Freitas revela que é “todo coração”, que almeja o imponderável da existência e se espanta diante das palavras.
Com vocês, o Poeta dos Girassóis, Assis Freitas...
RV- Assis, conta pra gente como, onde e por que você começou a escrever? Tiveram muitas fases do Assis poeta e da poesia de Assis? (Luiza)
A - Eu costumo dizer que comecei a escrever por “inveja”. Explico: meu irmão mais velho – Moacyr Freitas – escrevia poesias e vivia reunido com um grupo de amigos. Para conseguir acesso ao grupo comecei a escrever também, isso com uns 16 anos. Moacyr abandonou a poesia e se formou em advocacia. Eu não consegui me libertar do vício até hoje. Quanto às fases, eu nunca parei muito pra pensar sob essa perspectiva. Normalmente escrevo o que me pedem as musas (rs,rs,) Mas acredito que devo ter abraçado algumas ideias e abandonado outras, e creio que estou amadurecendo um estilo, principalmente com essas poesias do mil e um poemas.
RV - Assis, querido, o que é a escrita para você? Uma necessidade, um impulso... o que é? (Luiza).
A - É respiração Luiza. A poesia já faz parte do meu organismo, como pulmões, coração, cérebro.
RV - A ideia de 1001 poemas era pra ser um objetivo, um desafio, um jogo, enfim, de onde veio isso? E esse poemas, já existiam? E quando chegarmos na marca, como será? (Walkiria)
A - Um objetivo, um desafio. Eu estava vivendo um período muito conturbado, me questionando sobre o fazer literário, a sua importância, essas coisas. Então me impus (que palavrinha feia) a tarefa dos mil e um. O ineditismo também foi outra imposição. A exceção de alguns poucos poemas, o restante foi concebido no percurso e outros ainda esperam em gestação. Depois dos mil e um, quem sabe mil e dois, mil e três...
RV - Assis, a Natureza é muito presente na sua poesia, e eu cá já me apressei, há algum tempo, em dar a você o título de “o poeta dos girassóis”...rs...Pássaros, flores, mares e rios...a Natureza é uma fonte de inspiração determinante pra você? Como você se relaciona com ela? (Tânia)
A -. Essa é uma observação interessante. Até então não tinha me dado conta desses elementos. Mas os poemas de agora ganham esse aspecto. Não sei se intencionalmente ou intuitivamente, passei a me relacionar com um certo bucolismo que eu chamaria de regresso às minhas origens sertanejas. A coisa de ver o mar no sertão e soprar o desvario da cantiga na caatinga. Os girassóis são um fascínio inspirado em Van Gogh e remete aos ciclos da existência: o mítico dia de uma vida a se cumprir.
RV - Como vês tua poesia? Que leituras inerem tão visível rebuscamento vocabular aos teus poemas? (Ribeiro Pedreira)
A - Ribeiro, eu sou um ser apaixonado pelas palavras. Eu sonho com elas. Às vezes meus devaneios oníricos não possuem imagens, são apenas povoados pelo verbo. Não sei se já lhe aconteceu de conceber um poema durante um sonho e acordar apressado para recuperá-lo. Comigo isso ocorre frequentemente e é angustiante, porque nem sempre eu consigo me lembrar da totalidade que me aparecia e se oferecia aos sentidos. Quanto às leituras, são as recorrentes. Gosto de reler os meus preferidos. Ficar repetindo trechos de narrativas ou poemas. Socorrem-me na minha angústia de escrever Rosas, Pessoas, Bandeiras, quitandas do Quintana e os moinhos de Barros.
RV - Assis, quais são os bons poetas que você descobriu na rede? Como se apropria dessa poesia e como ela se reflete na sua? (Nina Rizzi)
A - Um dos poetas que mais admiro na rede é justamente você. Gosto de dialogar com a juventude e o viço dos teus poemas. Acho tua escrita visceral. É uma espécie de doação integral que me dá uma boa dose de inveja. Claro que existe muita gente escrevendo e escrevendo com qualidade, principalmente os mais novos que carregam o fulgor da palavra e as suas descobertas. Há também os que eu considero donos de uma poética mais definida, mais amadurecida. Não vou citar nomes pois temo (e isso faz parte do carinho que dedico aos que gosto) omitir ou excluir involuntariamente. Mas é só dar uma olhada nos diálogos que empreendo nos poemas que esse universo vai se construindo.
RV - A sua poesia inscrita no blogue "mil e um poemas", tem uma temática marcadamente afetivo-amorosa. Qual a relação de suas histórias pessoais-afetivas com essa poesia: total, parcial ou puramente inventada?(Nina Rizzi)
A - Como disse Maiakovski, “eu sou todo, todo coração”. Mas é claro que quando começo a escrever, e isso faz parte o mister da escrita, tudo vira ficção. A minha história de vida só interessa quando ela passa a se integrar no universo das pessoas que me leem. A invenção é irmã das artes. Quem foi que disse que a vida só vale pena reinventada? Acho que é isso.
RV - Que relação você estabelece entre imagens, movimento e texto? (Nina Rizzi)
A - Ezra Pound estabeleceu as categorias de melopeia (ritmo), fanopeia (imagem) e logopeia (raciocínio). Sempre fico atento a essas possibilidades no trabalho de composição literária. O poema deve conter esses elementos na dose certa para encantar. Cabe à magia da criação ir introduzindo os ingredientes.
RV - Talvez mais do que o número redondo mil, a unidade que se acrescenta ao teu blogue-projeto parece reenviar para o domínio da transponibilidade de barreiras impossíveis pelo homem, no seu percurso de auto e hetero-construção. Até onde pretende Assis, o homem e o poeta, chegar com estes mil e mais um poemas? (Jorge Pimenta)
A -. Eu almejo o imponderável da existência, que é ludibriar as circunstâncias da hecatombe final, quando os deuses aflitos nos remetem aos nossos próprios desígnios. Qual aquele homem que sente as trevas da caverna e cada poema é uma lamparina no percurso labiríntico. Almejo o fogo que Prometeu resolveu roubar e queima, e ensandece os nossos dias. Sei também que “um dia estarei mudo”, canto profético da Cecília, mas a minha intenção é adiar cada vez mais o momento da dissolução.
RV - Num percurso de tão largo espectro (são 1001 dias), consideras que a tua poesia segue um curso evolutivo ou, pelo contrário, cada texto é o seu próprio universo cabendo-te na mão com a mesma dose de maturidade hoje como no dia em que o concebeste? (Jorge Pimenta)
A - . Acho que há sim uma evolução, não linear, mas em espiral. Quando a repetição é condição sine qua non do crescimento. Ao mesmo tempo, creio que cada poema é um universo e pode ser lido em sua singularidade.
RV - Que relação existirá entre a blogosfera e o processo de construção e amadurecimento da escrita literária? (Jorge Pimenta)
A - . É tudo relativamente novo nessa relação que se vai construindo. Que ela existe, ela existe. Mas ainda não se sabe ao certo quais as veredas que conduzem à grande estrada. Há um certo desconhecimento que é inerente aos processos em formação. Talvez daqui a uns dez anos possamos ter mais clareza, e haja um passado suficiente para alimentar a crítica.
RV - Sabendo que cada vez mais gente divulga, nos seus blogues, aquilo que produz, será que, os padrões estético-literários canônicos tendem a transformar-se mais rapidamente? E, por via disso, exageramos se falarmos, hoje, de uma “nova poesia cibernética”? (Jorge Pimenta)
A - Hoje em dia é inegável o fato de que a blogosfera tem impulsionado o exercício da literatura, quiçá construindo um novo cânone ou incorporando elementos ao cânone tradicional do livro impresso. Como disse anteriormente, penso que deve se pensar as publicações virtuais como um artefato recente, um produto que está em construção e se constitui, ou se constituirá, em novo paradigma.
RV - Seus poemas, no blog, em geral não têm um fecho claro, enfático. É como se fossem capítulos do “romance” Mil e Um Poemas. Há alguma intenção nesse sentido? (Tuca)
A - A ideia inicial era de que cada poema fosse alimentado do seu anterior e assim sucessivamente. Pensei em aproveitar o último verso de cada poema para iniciar o seguinte. Como uma colcha de retalhos em que cada fragmento fosse se incorporando e formando a totalidade. Porém, refleti que tal tarefa seria por demais penosa para mim (santa preguiça) e que custaria os meus últimos fios negros de cabelo. Desisti da tarefa. Mas eles se tocam sim, numa cadeia em espiral.
RV - O primeiro poema seu que li me pareceu muito estranho. Dali pra frente, fui me acostumando, e hoje só vou estranhar se ler algo seu que não me cause estranheza. Você percebe isso? Teria a ver com uma perplexidade ante o mistério da vida? (Wilden)
A - Eu sou atraído quase compulsivamente pelo inusitado. Convivo obcecado ante o espanto que as palavras me causam. Talvez por isso os poemas também ganhem esses contornos de estranheza, que no fundo deve ser a busca daquela originalidade perdida quando os vocábulos são aprisionados em dicionários. Gosto de me pensar um cavaleiro cujos alamares são girassóis encabulados com o verbo do florir.
RV - Você é de Feira de Santana, uma cidade próxima do recôncavo, mas construída pela força e determinação do povo sertanejo. Uma cidade que, assim como os corações sertanejos, é cosmopolita, o que me deixa cheio de orgulho, nasci em Mundo Novo. Para o sertanejo, Feira é o mundo que deu certo ou sertão de todos os lugares e povos. Em que semântica da sua poesia Feira de Santana e o lúdico sertanejo se encontram?(Edney)
A -. Ediney, Feira de Santana é outra Bahia, mas que é a mesma em suas gritantes contradições. Fui menino criado com a feira-livre, minha vó Maria tinha uma barraquinha e ia ajudá-la a armar e desarmar às segundas-feiras, o dia da feira maior. Então convivi com todo o universo que é peculiar dessa reunião de gente em comércio, troca, escambo. Admirava boquiaberto aqueles unguentos milagrosos no discurso balsâmico dos vendedores, aqueles peixes elétricos que ofereciam a panaceia da humanidade, os declamadores, repentistas, cordelistas, o canto de oferenda para frutas, legumes e verduras. Havia uma diversidade tão grande nos olhos, que a vista se perdia. Eu mesmo uma vez me perdi no meio da multidão, obnubilado por tanto oferecimento, cortesia, mesura e afeto que permeava toda a gente. Essa plêiade de lembranças muitas vezes aflora em poesia, em árias desconcertadas, no aboio perdido dos meus passos.
RV - Sua poesia tem algo de barroco é rebuscada e por vezes obscura, diferente da sua prosa. Como você se equilibra entre o fazer prosa e poesia ou essas dicotomias já estão superadas? A poesia não vive mais em formato algum? Está em tudo? Na sua prosa ou nos seus versos? (Edney)
A -. Eu me desequilibro sempre. Normalmente tem uma fase para as narrativas e uma fase para a poesia. Como estou envolvido neste projeto dos Mileumpoemas, tenho me concentrado nos poemas. O problema com as narrativas é que elas demandam certo tempo, desde a concepção até a conclusão. A poesia é mais rápida e também mais incisiva. Dificilmente a gente reaproveita um poema que não deu certo. Já as narrativas são mais passíveis de reciclagem. Por isso algumas ideias em prosa estão armazenadas esperando maturação.
RV - Caro Assis, certa feita nosso Drummond escreveu o poema Bahia: É preciso fazer um poema sobre a Bahia... / Mas eu nunca fui lá. Sendo assim, queremos saber se há e qual é a influência do torrão natal na poesia que você escreve. Ou parafraseando Caymmi, o que é que o baiano tem? Um abraço! (Fouad)
A - Bahia é mar é sertão. Raso, profundo, largo. Prato que se respira. Bahia é a entidade que paira sobre as águas, inunda. Bahia é Lucas da Feira, escravo fugitivo, mestre das emboscadas. Bahia é canto de sereia em dia de mar. Trovão que rebrilha na Serra de São de José, no bode de Uauá. Bahia é vaqueiro encourado, caatinga do coração, chão e desterro. Bahia é a ponte que cruza destinos, entroncamento de todas emoções. Bahia é festa e pranto, Bahia é o manto tricolor, é o Flu de Feira, o Touro do Sertão. Bahia é o engasgo da língua, o encosta, o encosto. O ralar das coxas quentes, a praça Castro Alves que é do povo, como o céu é a amplidão. Bahia é axé, oxente, gente. Bahia é o arco-íris de uma multidão.
RV - Percebe-se claramente uma altíssima sensibilidade e uma enorme capacidade de criar imagens dignas dos grandes poetas de nossa língua em seus poemas. Aliado à fantástica capacidade criativa que tem, passa-me uma clara erudição em sua formação. Queria que falasse de suas principais influências literárias. (Celso)
A - Costumo ressaltar dois maestros soberanos da palavra: Fernando Pessoa e Machado de Assis. Esses dois me deram a régua e o compasso. Releio-os com veneração, entusiasmo e respeito. Não à toa são dois escritores de língua portuguesa. Tenho admiração pelos franceses (Baudelaire, Rimbaud, Verlaine, Valéry, Balzac, Sthendal) e pelos latinos (Borges, Cortázar, Garcia Marquez, Vargas Llosa, Manuel Puig, Roberto Bolaño, Neruda). Da nossa literatura são muitos, citaria Rosa, Clarice, Amado, Dalton Trevisan, Murilo Rubião, Drummond, Bandeira, Quintana, Cecília, Lígia, Manoel de Barros, Ricardo Ramos, Rubem Fonseca, JJ Veiga, Lima Barreto... dá uma lista enorme.
RV - Desculpando-me antecipadamente pela previsibilidade da pergunta: o que esperar de Assis Freitas após mil e um poemas? E complementando esta pergunta: existem planos para publicá-los? (Celso)
A - Mais um projeto louco ou um silencio abissal. Quanto a publicar os Mileumpoemas, é possível sim. Mas isso envolve uma logística complicada. Torço para que seja possível.
RV - Gostaria que você nos dissesse qual tipo de literatura lhe causa mais conforto, ou seja, prazer, ao fazer: prosa ou verso? E, de que maneira esse prazer chega até você? (Lalo)
A - Eu diria que escrever narrativas proporciona um orgasmo mais demorado. Tem todos os preâmbulos que envolvem as relações afetivas, as pequenas descobertas, os sussurros entremeados, a chance de repetição. A poesia é mais fogosa, uma égua no cio. Tudo acontece de repente e tem uma intensidade que afoga os sentidos. O Gullar tem poema que diz que quando a poesia chega não respeita nada. Poesia é sinônimo de iconoclastia.
RV - Onde mora o cinema na sua poesia? (Herculano)
A -. Mora em muitos flashbacks. Os versos regurgitam em cenas de Buñuel, Godard, Fellini, Resnais, Bergman, Glauber, Herzog, Visconti, De Sica, Altman e mais, mais. Já fui rato de cinema, de assistir a duas sessões em um dia. Quando escrevo penso cinematograficamente, penso em película, em trilha sonora, em longos planos e fade out.
RV - Há 1001 poemas no supermercado? (Herculano)
A - O supermercado é a grande metáfora do capitalismo. Até livro se encontra. Originalmente o Ulisses no supermercado teria um lançamento numa dessas empresas. Mas veio o concurso e ele ganhou première tradicional.
RV - Você está escrevendo prosa? O Ulisses no Supermercado vai ganhar um irmão? (Lelena Bípede)
A - O Ulisses tem um irmãozinho que espera recursos, patrocínio, enfim, algum projeto que possa viabilizar a publicação. São algumas narrativas recentes e outras que não foram aproveitadas no Ulisses porque já tinham sido publicadas em jornais e o regulamento do concurso submetia ao ineditismo.
RV - Quem é mais exigente com a sua escrita: a prosa ou a poesia? (Lelena Bípede)
A - A prosa e a poesia são exigentes em igual medida. Aliás, escrever é um sacrifício saboroso. Demanda agruras, quase infartos, mas também prazeres em alta soma.
RV - Escrever está mais para aprender a viver ou para aprender a morrer? (Lelena Bípede)
A - Escrever é morte e renascimento.
RV - Praia, serra, cidades ou nuvens? (Lelena Bípede)
R. Nuvens com vista para o mar.
RV - Assis, você faz poesia, escreve ficção, redige para jornais, se desdobra em tantos sempre com talento. Eu gostaria de saber: qual é o seu maior sonho literário? ((Janaína amado)
A - Jana meu sonho literário é ter livros publicados que cheguem aos leitores. Tenho dois livros publicados de contos, narrativas curtas. O primeiro é o Mapa da Cidade, editado artesanalmente pelo projeto literário do Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana, se não me engano foram confeccionados cinquenta exemplares. O segundo, O Ulisses no supermercado, foi resultado de um concurso literário da CDL da cidade, através da lei Rouanet. O prêmio consistiu na publicação de mil exemplares, sendo que cada autor selecionado recebeu 600 exemplares, os outros 400 foram destinados à divulgação e distribuição para bibliotecas públicas. As pessoas não têm ideia de como é difícil um artista disponibilizar sua obra comercialmente. Até mesmo para se fazer a divulgação e enviar exemplares para outros estados se gasta muito com a postagem nos correios. O livro é pesado como se fosse uma mercadoria qualquer e não um produto cultural, sem qualquer regalia. Vale quanto pesa, ou melhor, paga-se o quanto pesa. Ou seja, além de lutar para conseguir a publicação, o escritor tem que se dedicar integralmente para obter qualquer retorno financeiro, o que, convenhamos, na maioria dos casos é impossível, pois a lei da sobrevivência impõe a todo cidadão uma ocupação fixa com salário para garantir o sustento.
RV - Fala, mestre! Que importância tem o título no poema? (Cris de Souza)
A - A importância eu não sei. Mas que é divertido pensar possibilidades de nomeação para um poema isso é. Você acentua um ponto que é fundamental nessa poética dos Mileumpoemas: a construção dos títulos. Até então não tinha me tocado para esse detalhe do título. Depois fui percebendo que os poemas poderiam significar mais acompanhados desse manto.
RV - Por que considera mil e um número mágico? (Cris de Souza)
A - É um numero circular, aponta para o infinito. A própria ideia das narrativas das Mil e uma Noites é essa circularidade. Como se possível prolongar indefinidamente o tempo.
RV - Assis, é evidente a presença de alusões a formas musicais nos títulos de grande parte de seus poemas, sobretudo de formas da música clássica, do barroco em diante. Como é sua relação com a música? Você ouve com frequência música clássica? E, por fim, você tem intenção de infundir conscientemente alguma musicalidade nos seus versos ou a questão aí seria mais semântica? (Marcantonio)
A - Agora mesmo enquanto estou escrevendo ouço Bill Evans Trio e incrivelmente a canção é Alice in Wonderland (take 2). Em relação à música erudita sou fã incondicional de uns caras como Glenn Gould, o pianista mago que parecia em transe enquanto tocava, e suas interpretações de Bach; do maestro Karajan com as sinfonias de Beethoven, de Pierre Boulez com as composições de Debussy. Necessito desse conforto musical quando escrevo. Já a musicalidade da poesia essa deve ser sutil. Como aquele adágio da sinfonia inacabada de Mahler. Acho que o interior das palavras está recheado de ritmos procurando uma melodia, então é seguir a batuta.
RV - Você se propôs a postagem diária de poemas até o montante de mil e um. Como se dá isso? Você se impõe uma disciplina de composição diária ou você tem, digamos, um "estoque" de reserva? Já houve algum "pânico" de não ocorrer o poema para postar? (Marcantonio)
A - Puxa Marco, esse pânico é terrível. Mas ultimamente ganhei uma confiança para sentar ao computador e escrever o poema ou os poemas a serem postados. Tem períodos frutíferos em que o estoque cresce, porém quando escasseia o labor da composição se reveste de uma atividade de risco e assustada.
RV - Sabe-se que você escreve prosa de ficção. No entanto, pelo que vejo, você não a divulga com frequência na dita blogosfera; não há um blog do Assis prosador. Por quê? (Marcantonio)
A - Na verdade o meu blog original, aquele em que iniciei na blogosfera, é o Árvore da Poesia. Ele teve uma versão em outro provedor e foi apagado. Depois eu o recuperei no blogspot. Neste espaço eu publico poesia e prosa. O Mileumpoemas é um blog projeto com data limite.
RV - Durante um bom tempo, ao longo da história das artes, não havia a preocupação obsessiva com a produção do novo que se vê atualmente e se alastrou a partir do século XX; era frequente, pelo contrário, o artista almejar equiparar-se à tradição. Como você vê isso? Como vê a tradição? Há uma preocupação sua em distanciar-se dela? (Marcantonio)
A - A poesia, como toda literatura em geral, já foi escrita. O que nós, escritores contemporâneos, exercitamos é uma contínua repetição que paradoxalmente teima em soar com nuances diferentes. Eu adoraria imitar, no sentido de escrever igual, Dante, Camões, Horácio, Ovídio; como não posso, então me dedico a evocar seus versos em meus poemas.
RV - Diferentemente do que ocorre com os livros de papel onde a figura do autor é preservada num plano à parte, a interatividade do mundo nético parece ter modificado a relação leitor-escritor. Não raro encontramos comentários onde é possível perceber atribuições de pessoalidade, como se autor e personagem fossem a mesma entidade em um contexto e não ficção. Como escritor e poeta, em ambas as realidades, qual é a sua percepção sobre isto? (Sueli Maia)
A -. É interessante esta relação de pessoalidade na internet. No sentido de que as pessoas acreditam, até porque a maioria dos blogs carrega a força da tradição dos diários sentimentais, que aquilo que escrevemos são vivências experimentadas no rigor da carne. Então quando se deparam com algumas situações tendem a acreditar no sofrimento ou no prazer exercitado pela palavra poética como realidade factível.
RV - Assis, uma por dia é feito dificílimo. Como tem sido para você este desafio? (Roberto Lima)
A - Beto, todo dia eu me penitencio pelo poema. É o meu Pão de Açúcar diário que tenho de escalar. Mas, como disse o Euclides, o sertanejo é antes de tudo um forte. E eu preciso carregar a minha sina.
RV - Seu compromisso com a escrita diária fica evidente. Como é este seu processo, esta rotina? (Roberto Lima)
A - Desorganizado. Quem acredita no Assis equilibrado, lógico, meticuloso cai num grande equívoco. Eu sou relaxado, preguiçoso, adoro o ócio lúdico da música e da leitura. Se me derem o prazo de uma semana, eu faço tudo assoberbado nas últimas 12 horas. O pior é que ganhei confiança para essas loucuras e sento, e fico esperando, e digo para mim mesmo: não se desespere as coisas vão acontecer. Só que é uma confiança atônita, um misto de desespero positivo.
RV - De todos os livros que leu, qual é aquele que pode ser considerado o favorito? (Roberto Lima).
A - Esta é uma pergunta difícil. Como são muitos eu vou a contar a história de um que me intriga até hoje. O nome é GOG e o autor é um italiano chamado Giovani Papini. Esse livro ficava na estante do escritório de meu pai e foi um dos primeiros que li. Era estranho para um menino de 10 anos uma história bruxa com associações ao demoníaco. Todas às vezes que eu penso num livro, eu lembro do GOG. Então se ele me persegue é porque deve ser importante na minha vida.
RV – Assis, há algum projeto em vista? Os mil e um tem chances de se tornar um livro? (Tânia)
A - A idéia inicial era escrever os mil e um poemas e depois apagar o blog, para não ficar com essa carga do que foi escrito. Esvaziar para encher novamente. Mas a gente vai se apegando aos poemas como animais de estimação, eles se enroscam nas pernas, ficam querendo colo e, às vezes, são tão engraçadinhos que a gente tem que ninar. Colocá-los em livro pode ser uma alternativa, penso também em um e-book. Em que ao mesmo tempo se possa visualizar a palavra escrita e também exista a possibilidade explorar as potencialidades imagéticas e sonoras do verso.
RV - Assis, como você acha tempo pra fazer tudo que faz? Em especial, tempo pra produzir esses poemas maravilhosos todos os dias? (Dade Amorim)
A- Como eu disse anteriormente, no meio da minha desorganização pessoal as coisas vão acontecendo. Caetano diz que “é incrível a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer”. Ou não. (rs,rs,)
RV - Essa inspiração que faz inveja na gente, você cultiva desde quando? Quando começou a produzir poesia? (Dade Amorim)
A -. Dade, tudo começou justamente pela inveja, rs,rs. Produzir poesia de fato, artefato poético, creio que próximo dos 18 anos. Dessa época ainda existem alguns poemas que se sustentam. Vieram fases de fastio e algumas de produção intensa. Atualmente me sinto bafejado pelas musas (oxalá elas continuem me dando crédito) para as composições poéticas. Mas o silencio sempre amedronta.
Participaram dessa entrevista:
Luiza Maciel Nogueira - http://versosdeluz.blogspot.com/
Walkiria Rennó Suleimann - http://walkyria-suleiman.blogspot.com/
Tânia Regina Contreiras - http://roxo-violeta.blogspot.com/
Ribeiro Pedreira - http://ribeiropedreira.blogspot.com
Nina Rizzi - http://ninaarizzi.blogspot.com
Jorge Pimenta - http://viagensdeluzesombra.blogspot.com
Wilden Barreiro http://maracasecangalhas.blogspot.com
Edney Santana http://cartasmentirosas.blogspot.com
Celso Mendes http://sentedire.blogspot.com
Lalo Arias http://laloarias.blogspot.com
Herculano Neto http://herculanoneto.blogspot.com
Helena Bípede Falante http://bipedefalante.blogspot.com
Cris de Souza http://tremdalira.blogspot.com
Marcantonio Costa http://azultemporario.blogspot.com
Roberto Lima http://cronicasderobertolima.blogspot.com
Dade Amorim http://inscries.blogspot.com
Sueli Maia http://www.inspirar-poesia.blogspot.com
Janaína Amado
Oii amr, só estou passando aqui para desejar um feliz dia do amigo !
ResponderExcluirBeeijão,
Taíssa
http://garotaspuroluxo.blogspot.com
htt://garotaspuroluxo-store.blogspot.com
Assis é uma figuraça! Amei conhecer um pouco do poeta, agradeço a todos que participaram da entrevista, e especialmente a Tuca, que sem ele não tem graça! :-)
ResponderExcluirbeijos
Que maravilha né! Assis é esse poeta urgente do instante que tem a barriga, a boca, o ser cheio de poesia e continuamente brota esses versos que nos deixam extasiados e eu agradeço todo dia por poder ler literatura de tamanha qualidade tirada do forno, assim tão quentinha! Obrigada Assis! E obrigada Tânia pela organização da entrevista. Sou fã do poeta!
ResponderExcluirBeijos
Meus agradecimentos aqui no Mínimo Ajuste. Que venham mais entrevistados e viva a poesia,
ResponderExcluirbeijos e obrigados
Assis, adorei a sua entrevista :) Você é mesmo uma criatura brilhante. Beijossss
ResponderExcluirTania, essa sua ideia das entrevistas também é brilhante!!! beijossss
ResponderExcluirLelena, eu fico é apaixonada lendo meus poetas preferidos mostrando um pouco mais de sua alma: não é bom? :-)
ResponderExcluirBeijos,
Assis, gostei muito de sua entrevista, achei-a reveladora! É sempre gratificante conhecer o(s)) "outro(s) lado(s)" de um poeta!, cheio de mil e uma facetas! Essa iniciativa da Tânia foi
ResponderExcluirmesmo muito boa.É uma forma de estabelecer uma relação entre o poeta e seus leitores, muito enriquecedora. Só temos que agradecer.
beijos
Muito bom abraço
ResponderExcluirMaravilha! A minha admiração pelo poeta é grande.
ResponderExcluirObrigada pela oportunidade de o conhecer melhor, aqui.
Um beijo