sexta-feira, 26 de abril de 2013

Bípede falante e o táxi


              
      Depois de descer do táxi e se surpreender com o azul sem nuvens da cidade até então encoberta pelo cansaço de seus olhos e de decidir parar em vez de entrar no prédio - despedaçado como um homem moderno, cobiçado por incorporadoras alheias à solidez de sua história e às das famílias que nele testemunharam as vidas umas das outras em encontros involuntários pelos corredores, no elevador e na garagem, incorporadoras alheias às noites passadas em claro por mães com bebês de colo, surdas ao choro da velhinha eterna sempre a chamar pela mãe morta há anos e indiferentes às rachaduras das mãos de um jardineiro de nome impronunciável, tratado, portanto, de senhor jardineiro como se fosse invisível ou insignificante - depois de descer do táxi, fechando o botão do terno, ele recua alguns passos e lembra da aliança esquecida sobre a mesa de cabeceira de um quarto que não cheirava a alecrim e em que não flutuaram os passos e não ecoaram os batimentos do coração dela, ela sempre organizando a casa, a despensa, as roupas, ela enchendo os vasos com flores, transferindo o leite das caixas para garrafas, lendo notícias, poemas, trechos em voz alta, ela experimentando vestidos antes de fazer uma mala, exibindo a sua cintura fina e as coxas firmes apesar dos filhos,  perguntando a ele o que acha, se está bonita, se não vai passar frio, calor, etc.,  depois de descer do táxi, só depois de descer do táxi, ele entende o quanto a amava já naquela época e o quanto, agora, será inútil dizer tudo isso a ela.

7 comentários:

  1. putz, de torar

    beijooos

    p.s. desculpe não falar mais, é o que a narrativa pôs um cravo no meu peito, e dói

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  2. [quotidianos

    por esqueçer dentro da pele;
    as vincadas marcas de quotidianos]

    um imenso abraço,

    Lb

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  3. ...[indiferentes às rachaduras das mãos de um jardineiro de nome impronunciável]...

    lindo!... uau!
    bjo.

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  4. Você só está por aqui agora? Saudade de te ler com mais frequência.

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  5. Como Bípede, a conheço a anos, Helena.
    Belo texto, bela escrita.
    Abraços.

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  6. Fala bem das coisas que sucedem com as pessoas, linda.

    Beijo.

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  7. agora, será inútil dizer tudo isso a ela... é uma pena...

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