Fala de tanta coisa ao mesmo tempo que no fim não sobra nada.
Ana Angélica, um nome assim tipo arrebatador. Não que ela faça o gênero
– um pouco tosquinha, simpática e boa pessoa. Impossível é seguir o fio de seus
pensamentos ou manter uma conversa coerente que dure mais de três minutos. O
pensamento de Ana Angélica é como um tobogã transparente por onde deslizam
incontáveis pedaços de assunto, nomes que não se sabe de onde vêm, lembranças e
sensações mal definidas, misturadas como meadas de várias cores. Ana Angélica
não conta uma história, conta várias ao mesmo tempo, e no fim é preciso fazer
múltipla escolha entre os trechos de enredo e os finais. Por qualquer motivo
ela ri, ri muito, o que torna suas falas uma colagem de palavras incompletas
mas coloridas.
Não, não é doida nem passa perto disso. É alegre e adora se divertir.
Ninguém a encontra em casa nas noites de sexta ou a qualquer hora nos sábados, sendo
que aos domingos vai à missa – diz que se faltar à missa alguma coisa muito
ruim sempre acontece durante a semana – e dali parte para a praia se não
chover. Depois almoça um churrasco em casa de amigos ou amigos de amigos, toma
todas que aparecerem e vai dormir cedo porque segunda é dia de voltar ao posto
de recepcionista de uma clínica de estética na Barra.
Tem um círculo de amizades surpreendentemente grande, variado e
flutuante. Tem orkut, adora sexo na internet e faz questão de espalhar suas
fotos em todos os sites de relacionamento. Já fez dois abortos, porque diz que
só quer filhos depois dos trinta e cinco e ainda tem vinte e oito. Fica,
namora, sai sempre com alguém, faz qualquer coisa para não ficar sozinha, mas
nunca demora mais de quinze dias com o mesmo cara.
Acredito que isso acontece porque uma vez passou uns meses com um sujeito
que a trocou por outra e fez de seu coração risonho uma gruta escura. Caiu em
depressão, parou de comer, quase morreu sozinha em seu canto. Os amigos a
salvaram do desespero, mas depois do luto, voltou à rotina de variedades que a
mantém sempre com o olhar brilhando e os dentes bonitos de fora.
Ana Angélica não quer servir de exemplo pra ninguém. Não se
responsabiliza, e como tem o coração fácil de derreter, chora com facilidade,
mas logo se distrai e esquece. Vive cada momento, não pensa no futuro nem pára
em lugar nenhum do passado. Alguém já disse que ela é como espuma, sempre
efervescente e renovada. Ana Angélica se especializou em esquecer.
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