sexta-feira, 30 de abril de 2010
Sempre Talvez
Ela não sabe o meu nome. Eu não sei o nome dela. Talvez ela nem tenha notado a minha presença, apesar de todos esses anos. E estamos sob o mesmo teto, na mesma sala imensa, recebendo as mesmas ordens. Enquanto ela fala e explica para os clientes as complexidades das faturas da companhia, eu faço a checagem das ligações. Pois eu tenho esse poder absoluto de escolher quem deve falar com quem. E ela nem sabe disso, não é sua tarefa saber, nem a minha divulgar a todos o que sei. Muitas vezes eu transfiro as ligações mais complicadas para outras atendentes como a R5, J6 ou a B9. Com isso eu a poupo dos infortúnios, das chatices, da aporrinhação. Por que faço isso? Não sei. Até gostaria de saber. Geralmente nos levantamos na mesma hora. Passamos na cantina, tomamos nossa água, café, comemos o nosso lanche e voltamos. Nunca conversamos. Aqui pouco se conversa. Pouco se diz. Pouco se sabe. Não é nossa função. Hoje - quando tudo isso acabar - penso em falar com ela. Tenho vontade de perguntar seu nome, comentar sobre o dia, dizer qualquer coisa. Não sei como ela poderia agir ou reagir. Se vai responder ou não. Eu nunca sei. Ontem não consegui. Hoje talvez eu consiga. Talvez.
Doki & Nabi : un amor complicado
Aqui les dejo el primer clip de unos dibujitos re-amenos.Doki y Nabi y el inicio de sus amores. Espero les divierta como a mi.
África
De África guardo boas lembranças, entrou em mim como uma bitacaia e fez ninho no meu coração.
O ovo do mundo
O ovo do mundo
Galinha, pato, passarinho
nascem de ovos
Dinossauros, também!
Será que o mundo
nasceu de um ovo?
Devia ser gigante,
o ovo do mundo!
Dentro dele tinha
gema? Clara? Ou
dentro dele tinha
gente?
Quem será que botou
o ovo do mundo?
Janaína Amado
Distância
Não encontrou a escada para subir sobre a noite. Ficou sentada no asfalto, pernas estiradas ao lado dos livros que caíram depois de bater sobre sua cabeça esvoaçante e invisível diante da quantidade extraodinária de espelhos da última vitrine vista, vitrine de pensamentos inacabados ainda sem custo e em busca de valor, analfabetos, ignorantes, sem conta própria, sem poesia e sem aquela melodia que ouviam nas solares horas em que flutuavam em boa solidão dentro de uma piscina.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
O QUE É UM LIVRO?
Talvez possa fazer um breve resumo da história dos livros. Até onde lembro, os gregos não faziam grande uso deles. A maioria dos grandes mestres da humanidade não foram escritores, mas oradores. Pensem em Pitágoras, Cristo, Sócrates, Buda e assim por diante.
Lembro que Bernard Shaw disse que Platão foi o dramaturgo que inventou Sócrates, tal como os quatro evangelistas inventaram Jesus.Num dos diálogos de Platão, ele fala sobre os livros de modo um tanto depreciativo: "O que é um livro? Um livro, como uma pintura, parece um ser vivo; no entanto, se lhe perguntamos algo, não responde. Vemos então que está morto". Para fazer do livro um ser vivo, ele inventou o diálogo platônico, que se antecipa às dúvidas e perguntas do leitor.
----------------------------Jorge Luis Borges in Esse Ofício do VersoIlustração: óleo sobre tela do argentino Gabriel Caprav
quarta-feira, 28 de abril de 2010
TRÊS SEGUNDOS (Este poema dura em média cerca de 45 segundos a ler).
Em cada três segundos morre um menino
Evaporam-se em fome, doença ou solidões
Neste preciso instante já morreram três
Para estes jamais poderá haver soluções.
Os dedos da mão estalam em ritmos loucos
Um morto, outro desiste, outro vai embora
Alucinados vagueiam na global indiferença
De um drama, que em cada dia não melhora
Dia mundial, da fome, da criança, do amor
Da paz e de múltiplas outras solidariedades
Já se exilaram sem retorno, mais outros três
Destroços inúteis na casa azul da liberdade
Ausência, medo, pavor, peso de vergar almas
Nunca, nunca mais, outros três lindos sorrisos
Os meus olhos rasam-se em oceanos de dor
Por tantos, tantos meninos vivendo indecisos
As manhãs do nosso futuro, desistem na noite
Outras três voaram para além das cordilheiras
Eram cientistas, ou carpinteiros, ou bailarinas,
Seriam adultos, vivendo as suas vidas inteiras.
Nunca mais será possível adormecer em paz
Sabendo que o tempo rola na escuridão fria
Mais três que partiram nos ventos diferentes
Fugiram e levaram com eles a nossa alegria
Corre por este rio de alucinações e maravilhas
Esta ausência, do pedaço de pão para todos nós
Desertaram mais três, esgotados de esperas vãs
Sinto-me, sentimo-nos todos, cada vez mais sós.
GED
Evaporam-se em fome, doença ou solidões
Neste preciso instante já morreram três
Para estes jamais poderá haver soluções.
Os dedos da mão estalam em ritmos loucos
Um morto, outro desiste, outro vai embora
Alucinados vagueiam na global indiferença
De um drama, que em cada dia não melhora
Dia mundial, da fome, da criança, do amor
Da paz e de múltiplas outras solidariedades
Já se exilaram sem retorno, mais outros três
Destroços inúteis na casa azul da liberdade
Ausência, medo, pavor, peso de vergar almas
Nunca, nunca mais, outros três lindos sorrisos
Os meus olhos rasam-se em oceanos de dor
Por tantos, tantos meninos vivendo indecisos
As manhãs do nosso futuro, desistem na noite
Outras três voaram para além das cordilheiras
Eram cientistas, ou carpinteiros, ou bailarinas,
Seriam adultos, vivendo as suas vidas inteiras.
Nunca mais será possível adormecer em paz
Sabendo que o tempo rola na escuridão fria
Mais três que partiram nos ventos diferentes
Fugiram e levaram com eles a nossa alegria
Corre por este rio de alucinações e maravilhas
Esta ausência, do pedaço de pão para todos nós
Desertaram mais três, esgotados de esperas vãs
Sinto-me, sentimo-nos todos, cada vez mais sós.
GED
ASAS
Irremediavelmente, elevo-me em voos
Como qualquer ave, aliás
Cresceram-me asas durante a noite
Definitivamente
Renego o destino da pedra
Permanentemente presa ao chão
Ausência de sonhos de ver mais longe
Voo acima das cordilheiras
Sem pressas, planando no calor
Desafio sapos e salamandras
Rastejando vidas inquietas, limitadas
Distancio-me
Viajo para onde o mar encontra a terra
Se conseguir tocar no horizonte
Estarei perto do fim da minha viagem
GED
Como qualquer ave, aliás
Cresceram-me asas durante a noite
Definitivamente
Renego o destino da pedra
Permanentemente presa ao chão
Ausência de sonhos de ver mais longe
Voo acima das cordilheiras
Sem pressas, planando no calor
Desafio sapos e salamandras
Rastejando vidas inquietas, limitadas
Distancio-me
Viajo para onde o mar encontra a terra
Se conseguir tocar no horizonte
Estarei perto do fim da minha viagem
GED
bem aventurada
Manhã fabulosa em Haifa. Uma vista soberba sob um dos portos mais antigos do mundo e, claro, sob os jardins suspensos Baháí, no Monte Carmelo. Aqui é, também, o Centro Mundial Bahá'í . A mais jovem das religiões monoteístas.
Aqui deixo uma bela oração Baháí que aprendi com o Ghiora, um homem generoso na partilha do seu vasto conhecimento e aquém estou muito grata.
«Bem aventurada é a região e o lugar, a casa e o coração.
Bem aventurada a cidade, a montanha, o refúgio, a caverna ou o vale, a terra ou o mar, o prado ou a ilha, - onde se haja feito menção de Deus e celebrado o seu louvor».
imagem: Marta
SP Arte/2010
Quem estiver em São Paulo, quem for para Sampa, uma bela dica: Feira Internacional de Arte de S. Paulo, ali no pavilhão da Bienal no Ibirapuera.
A fotografia abaixo, outono em Paris, é do fotografo gaúcho, gremista desde criancinha, Rogério Medeiros, integrante da mostra.
As lagartas
É preciso que eu conheça uma ou duas larvas se eu quiser conhecer as borboletas
ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY
Fotos do espetáculo Judite quer chorar, mas não consegue! feitas por Luli Facciolla
Bípede 10
Porque o pequeno bípede tem um sabor de pernas gordinhas que afinam enquanto crescem e ganham velocidade e músculos; porque o pequeno grande bípede tem um sorriso de afeto a contornar feito um lápis o coração derretido e maternal de uma bípede reconstruída pelo eterno perfume de seu talquinho de menino, de criança multiplicadora de alegrias e de dias coloridos, e porque, hoje, o agora grande bípede tem um par de olhos de astronauta que não teme mais os dias de viajar, aqui, vai a homenagem, sem ajustes, para a aquarela viva que ele aos 10 anos é. Feliz aniversário pequeno grande bípede! Mamãe bípede e papai bípede love you :)
terça-feira, 27 de abril de 2010
Quedas de água
A agua que pinga dessa torneira enferrujada, que teima em não abrir com a força das minhas mãos, já não me mata a sede. Procuro a fonte de água corrente que jorra de dentro de mim e que ninguém pode secar. Tal e qual como o leite materno alimenta os filhos, da pureza da minha nascente alimenta-se a minha inspiração...
Permita-se!!!
Permita-se ser feliz…
Rir a toa, dizer bobagens...
Alegrar-se diante das pequenas coisas...
Permita-se sair da rotina...
Ser diferenciado e imprevisível...
Permita-se expor as emoções...
Sem medo, sem receio...
Sem hesitar ou duvidar...
Sem dar importância a repreensões...
Permita-se realizar...
Fazer acontecer, surpreender-se...
Acreditar que pode tudo...
Permita-se amar...
O amor é algo inigualável...
Privilégio de poucos corações...
Aproveite-o ao máximo...
Permita-se sorrir...
Fixar os olhos no horizonte....
Sem se preocupar pra onde ir...
Ou de onde partir...
Permita-se ouvir....
Desde os sons + insignificantes...
Aos mais essenciais...
Permita-se sonhar...
E entregar-se de corpo e alma...
Para realizá-los...
Permita-se ser vc mesmo...
Em todos os lugares...
Sob quaisquer circunstâncias...
Diante de cada pessoa...
Permita-se o hoje...
Pois o amanhã pode não chegar.
Rir a toa, dizer bobagens...
Alegrar-se diante das pequenas coisas...
Permita-se sair da rotina...
Ser diferenciado e imprevisível...
Permita-se expor as emoções...
Sem medo, sem receio...
Sem hesitar ou duvidar...
Sem dar importância a repreensões...
Permita-se realizar...
Fazer acontecer, surpreender-se...
Acreditar que pode tudo...
Permita-se amar...
O amor é algo inigualável...
Privilégio de poucos corações...
Aproveite-o ao máximo...
Permita-se sorrir...
Fixar os olhos no horizonte....
Sem se preocupar pra onde ir...
Ou de onde partir...
Permita-se ouvir....
Desde os sons + insignificantes...
Aos mais essenciais...
Permita-se sonhar...
E entregar-se de corpo e alma...
Para realizá-los...
Permita-se ser vc mesmo...
Em todos os lugares...
Sob quaisquer circunstâncias...
Diante de cada pessoa...
Permita-se o hoje...
Pois o amanhã pode não chegar.
By: Bia Monteiro
Imagens: Google
PENSAMENTO & CONTESTAÇÃO
Não aprecio muito conselhos: a própria palavra já me sufoca. Conselho parece diferente de opinião. Conselho poda. Interfere no que não deve ser mexido. Se para mim já é difícil receber conselhos de quem amo, que dirá de estranhos, ou daqueles que fingem me conhecer. Odeio frases do tipo "cada um sabe o que faz de sua vida." Isso soa de forma rancorosa. Como se quem a dissesse, reprovasse educadamente e ironicamente determinado pensamento ou atitude. Eu não dou conselhos, nem que me peçam. Eu explano. Conto minhas experiências e minha visão pessoal acerca da vida. Ouço. Questiono, sacudo. Estimulo a indignação do pensamento, o movimento de olhar para si. Pitadas de inconformismo só fazem bem! E confesso que disso eu gosto. De provocar e ser provocada. A pensar, a rever, a mudar.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Definições definitivas...
Um especialista é aquele que explica algo fácil de maneira confusa, de tal modo que faz você pensar que a confusão é culpa sua.
Continuando… (18)
Tremia tanto que julgou não conseguir atravessar o corredor estreito que a separava da porta.
O velho arrastara-se a chinelar pelas escadas, tão perdido em murmúrios e maldições, que não a adivinhou escondida na penumbra.
Ela não pode deixar de sorrir, à passagem da sua figura descomposta. O que haveria no quarto para o abalar tanto assim? Logo ele, sempre tão atento, sempre tão pronto a persegui-la, sem folgas nem perdões.
“Foi qualquer coisa que ele viu lá dentro”, pensou, “e seja o que for eu vou saber agora…”
O coração batia com tanta força que temeu que pudesse denunciá-la.
A palma da mão, suada, escorregou na maçaneta perra.
Passou a mão pela coxa, secou-a na cambraia delicada da camisa de noite e sorriu confiante, ia entrar, encontrar as suas respostas, ou não, mas isso veria depois de estar lá dentro.
Mas, no instante em que ia rodar a chave, o relinchar dos cavalos no pátio, a confusão de rodas na gravilha, o bater de portas e a voz familiar que há mais de seis meses não soava naquela casa, bastaram para lhe gelar o sangue e sugar a coragem.
(continua…)
LEMBRANÇAS
Minha avó tinha uma cristaleira repleta de louças lindas. Passei minha infância e metade da adolescência perguntando a ela quando usaria a louça, e ela sempre me respondia: em alguma ocasião especial. Essa ocasião especial nunca chegou, e minha avó morreu repentinamente. Como única neta, fiz questão de levar o que pude, para ter perto de mim um pouco dela. Algumas louças tinham selinhos ainda. Alguns meses depois de sua morte, resolvi preparar um jantar para algumas amigas. Ao secar um copo de cristal, o quebrei na mão. Uma ponta em lança enterrou-se em meu antebraço, e o restante do copo foi ao chão. Vó, desculpa, quebrei o teu copo - foi o meu primeiro pensamento. O jantar foi cancelado, e meu braço, suturado com nove pontos. As coisas quebram. A dor existe. Mas nem por isso podemos guardá-las para sempre. Nem que a ocasião não seja especial. Especial é o dia de hoje. Amanhã, não sabemos se existirá.
Bloguicidade
"Bloguicidade"? Será que inventei ou alguém já pensou nisso? Uma forma de mantermos a nossa privacidade respeitada nos nossos Blogs ou naqueles que participamos... Porque por mais público que isto seja, são nossas ideias que por cá andam, são nossas vidas que são tornadas públicas, nossos mais íntimos desejos, amores, desamores, emoções... tudo que aflora em nós fica aqui, registado. É verdade que pode estar aí a pensar, mas se não querem que saibam porque publicam? Por isso que digo que havia de haver uma "Bloguicidade"... um respeito a esse acto de coragem de quem cá passa e deixa sua vida publicada. Tenho lido tantos posts, onde vários colegas reclamam que sua "bloguicidade" foi invadida, muitos deixam de escrever, muitos pensam nisto, a maioria continua a correr o risco, porque no fundo viramos "Blogólatras", e esta escrita livre de regras, enchem nossas veias de adrenalina e começamos a escrever e a pensar, vão ser dois ou três parágrafos, quando terminamos... Eh pá!!!!!!!! Olha lá o meu post? Tem vários parágrafos, imagens, som... E depois de qualquer publicação, como qualquer "Blogólatra", nosso corpo se invade de um sentimento de paz e tranquilidade... encontramos um local na nossa mente onde reside o êxtase "Blogal"
Eu não sei se é por ser filha única, mas das coisas que mais me enervam é a falta de bom-senso em respeitar a privacidade do outro, neste caso, a "bloguicidade"... Muitas vezes no meu Blogue modero alguns comentários, na maioria de pessoas que nos conhecem pessoalmente, que já invadem as nossas palavras, tomam-nas das mãos, da mente, usam-nas, interpreta-nas e comenta-nas com a certeza que estávamos a escrever metaforicamente, mas não conseguimos enganar, era sobre aquele assunto... sabe aquele? Que andamos por aí a dizer que já ultrapassamos, que estamos numa nova fase, que mudamos...Ah....pois é...a mim, que estou aqui a comentar, não enganas... Pois...nesses comentários, exerço minha "bloguicidade"!!! Porque pode ser minha melhor amiga, o parente mais achegado, ninguém, além de nós sabe porque raio naquele dia, naquele momento decidimos escrever aquilo. Não é porque estamos a amar e escrevemos sobre um desamor, que há algo de errado com o nosso amor. Não é porque dizemos que estamos felizes e escrevemos sobre a dor da infelicidade, que não estamos felizes. Não é por nada e nem porquê. Apenas escrevemos....porque precisamos da nossa dose todos os dias... desse pó que nos entra no cérebro... e deixa sua marca na escrita... Afinal, Boa tarde a todos, Meu nome é Priscila, sou "blogólatra" e a minha história é essa... no Mínimo Ajuste e quando me Encontro com meus pensamentos, e exijo sim, minha "bloguicidade"! :o)))
E por incrível que parecem os comentários que mais percebem a nossa escrita ou o porquê dela são daqueles com quem nunca nos cruzamos na rua, mas já criamos um vínculo virtual...
Cambaleante
Estava lá, escondido na caixa de fotografias, o antigo coágulo da infância, incontestável e cambaleante, testemunha de um crescimento erguido sobre paredes mal acabadas, desbotadas e sem justiça, resguardadas às custas de imaginação e de resistência para não sucumbir diante da intimidação mutiladora das virtudes. Estava lá, escondido na caixa de memórias, o antigo coágulo da infância, trancado por dentro em um silêncio camuflado, nunca olhado, examinado, compreendido. Silêncio isolado pelos sons alheios, pelo estrondo de outros corpos, mantido feito uma doença contagiosa, encapsulado e mal visto. Estavam lá o coágulo e sua criança, caminhando a passos tímidos sobre os pés largos e duros de uma forma agora sóbria, adulterada e ainda em busca de equilíbrio.
DUAS VIDAS (para quem tiver paciência para a ler).
Esta história, escrevi-a para a Filipa, que está a aprender a ler. Um dia, saberá que a escrevi a pensar nela.
É dedicada a todos os miúdos, mutilados no corpo e na alma, por guerras sem sentido,e a todos aqueles que lutam diáriamente para os ajudar.
Suku-Nzambi criou aquele mundo. Aquele e outros, todos os mundos. Suku-Nzambi, cansado pôs-se a dormir. E os homens saíram da Grande Mãe Serpente, a que engole a própria cauda.
Feti, o primeiro, no Centro foi gerado pela serpente de água e da água saíu. Nambalisita, no Sul, do ovo saíu, partindo a própria casca. Namutu e Samutu, os dois gémeos de sexos diferentes, pais dos homens do país lunda, da serpente mãe directamente saíram.
A obra de Suku-Nzambi estava completa. Mas nunca se interessou por ela. E a obra de Suku-Nzambi parecia esquecida de viver.
Até hoje os homens, parados, atónitos, estão à espera de Suku-Nzambi. Aprenderão um dia a viver? Ou aquilo que vão fazendo, gerar filhos e mais filhos, produzir comida para os outros, se matarem por desígnios insondáveis, sempre à espera da palavra salvadora de Suku-Nzambi, aquilo mesmo é vida?
In “Parábola do cagado velho”
Pepetela
João Simanco, estava há algum tempo sentado num dos bancos, debaixo daquele enorme caramanchão coberto de buganvílias, logo a seguir ao Porta-Aviões, na Praia Morena. ( O mesmo caramanchão, para onde fui tantas vezes namorar, e que ficará para sempre ligado ao Let´s Twist Again. Foi aí que o ouvi pela primeira vez, e talvez por isso, sempre que o ouço, sou invadido por uma enorme nostalgia.)
Tinha adquirido esse hábito, alguns anos antes, logo após ter chegado a Benguela, fugido da guerra que entretanto se instalara na zona do Cubal. Nunca antes tinha visto o mar, e o deslumbramento dessa descoberta, mantinha-se inalterado como no primeiro dia.
O Sol já se punha e esse era o seu momento preferido. Ver tanto azul, com um rasto vermelho de sangue até ao horizonte. Essa infinita quantidade de água, fazia-lhe lembrar as planícies imensas da sua terra natal , onde pastoreava o seu gado.
A vida não lhe tinha sido fácil. A falta de um braço, precisamente o direito, tinha condicionado toda a sua vida e tinha-o feito pastor. Tomava conta de todo o gado que havia na aldeia, ele, e outros como ele.
Aos 16 anos era um miúdo igual a todos os outros,com um futuro pela frente e mil anseios à espera de serem cumpridos. Um dia munido da sua zagaia e da sua catana, tinha ido caçar com outros miúdos, coisa que era habitual, mas esse dia marcou-o para sempre. Quando estava a emboscar-se, para atirar a uma cabra do mato, no preciso momento de retesar a corda do arco, inadvertidamente pisou uma surucucu, que em troca lhe mordeu a mão direita.
Longe do Cubal, e da sanzala, percebeu de imediato que tinha alguns minutos de vida. Rápidamente puxou da catana e cortou o braço, bem acima do cotovelo. Ainda teve forças para fazer um garrote e arrastar-se até à aldeia paterna. Aí como mandava a tradição, foi tratado pelo kimbanda, que recorreu a todos os pós, ervas e poderosas rezas. Mas como a tradição já não é o que era, ou porque o kimbanda era adepto das medicinas alternativas foi transportado ao Cubal, onde lhe administraram soro e antibióticos. Esteve longo tempo entre dois mundos, mas salvou-se. Jamais se saberá se foi a verdadeira medicina do kimbanda ou a medicina alternativa, que o salvou. Apesar de tudo, pagou um alto preço pela sua determinação e coragem.
Estava João, embrenhado nestes pensamentos, que lhe ocorriam frequentemente, quando viu a alguns metros um miúdo, com cerca de 12 anos, sem pernas, arrastando-se junto aos caixotes de lixo, disputando aos cães, os restos de comida que ninguém já queria. Era frequente vê-lo por ali, acompanhado de muitos outros miúdos menos estropiados, mas nesse dia, sem motivo aparente, decidiu chamá-lo e conversar um pouco com ele.
-Oh miúdo, anda cá.
-Como te chamas?
O miúdo lá veio, arrastando-se e disse:
- O meu nome é Samuel Jovete, e tu o que é que queres sékulo?
- Senta-te aqui só um bocadinho e conversa comigo.
João agora mais de perto, apercebeu-se que o miúdo, tinha um ar esquelético, barriga grande, cabelo desgrenhado, olhos encovados e envelhecidos e umas feições moldadas pelo pânico da necessidade de sobreviver. Nem um esboço de qualquer alegria.
- Onde estão os teus pais?
- Os meus pais, velho, morreram na guerra do Huambo. O resto da minha família, perdi-os quando fugiram. Eu fui trazido para Benguela pelos Médicos sem Fronteiras, para pôr umas proteses no lugar das pernas. Pisei numa mina quando tentava fugir. Mas, faz tempo já, me abandonaram aqui. Eu já não acredito. Ao principio, parecia um sonho, ía ter duas pernas novas, mas agora acabou. Não é fácil sonhar. Até já me alcunharam de meio-meio .
Aquele momento, sem que ele próprio o soubesse ainda, mudou a vida de João Simanco. Sempre tinha permanecido solteiro por opção própria, também quem é que iria querer um pastor, e ainda por cima incompleto? Jamais tinha conseguido juntar bens, que pudessem pagar um alambamento decente.
Sabia, por experiência própria, o que tinha sido a guerra do Huambo. O seu querido Cubal, também tinha passado pela mesma guerra fratricida. Irmãos matando irmãos, miúdos envolvidos naquele desatino quando deveriam estar a brincar, ausência de qualquer alegria, famílias destruidas para sempre e, para os que sobreviveram, pela frente perspectivas de nenhum futuro. Até Iemanjá, a grande deusa das águas se tinha desobrigado de qualquer intervenção apaziguadora, e constava-se que naquelas terras, até os rios tinham começado a correr ao contrário.
A angústia e o desespero daquele miúdo, tinham-lhe tocado bem fundo e decidiu de imediato, que talvez dois incompletos, um miúdo sem pernas e um velho sem um braço, pudessem juntar-se, e tentar viver uma vida melhor .
Além do mais João vivia na sanzala da família, e pelo menos comida ele podia oferecer ao miúdo. Há muito se tinha apercebido, da enorme catástrofe que se abatera sobre a sua terra, e da multidão de miúdos em idênticas condições, para quem o futuro nem sequer existia. E todos os dias se juntavam novos mutilados, a esta legião imensa. A juventude de Angola, andava literalmente e no melhor dos casos ao pé coxinho.
Ao menos tentaria que um deles tivesse comida, e calor humano. Era muito pouco, bem o sabia, mas pensava, que se todos fizessem o mesmo, talvez o futuro destes miúdos, não fosse tão negro.Além do mais, quem sabe o que poderia suceder?
- Olha Samuel, eu sou um velho maluco, mas estou como tu sózinho, neste mundo sem Deus. Vem viver comigo, que ao menos tens comida, e o futuro sabe-se lá.
Por um muito breve momento, os olhos de Samuel brilharam e contra tudo o que seria de esperar, provávelmente pela grande desesperança em que se encontrava, aceitou.
- Velho, moras longe? É que eu não posso andar longas distâncias, se é que se pode dizer andar.
João sorriu. O miúdo , era uma carga de ossos e mesmo com um braço podia carregá-lo fácilmente. E não estava assim tão velho.
- Vamos embora. Eu moro na sanzala junto ao Bairro da Peça, e posso nas calmas levar-te ao colo. Afinal tu és um meia dose, não pela falta das pernas, mas porque pareces uma pena.
Nessa noite, pela primeira vez, desde há muito tempo, Samuel teve uma refeição decente, quente, e dormiu numa esteira sua, dentro de uma cubata. Apesar de ser um sono inquieto, recortado como habitualmente, por imagens de horrores passados e presentes, sentia o calor de estar de novo, entre gente que o protegeria se fosse necessário.
Foi acordado pelos raios de sol, entrando pela cubata, e por um delicioso cheiro de café que entretanto o velho tinha feito.
Ainda estremunhado, viu entrar na cubata, uma mulher jovem.
- Miúdo, eu sou a Maria Saparalo . Sou sobrinha do velho João. Ele teve de saír e encarregou-me de tratar de ti, portanto ainda antes do mata-bicho, vou-te cortar o cabelo e dar-te banho. Assim pareces um bandido, daqueles muitos que andam por aí.
Dito e feito. Samuel, nem teve tempo de refilar. Viu-se com um pano à volta do pescoço, e a Maria de tesoura na mão. Findo o corte radical, foi de imediato metido numa selha e lavado. No fim teve direito a roupas limpas.
- Pronto, agora já pareces gente. Vais viver aqui connosco, tens pelo menos de não cheirar mal. Quando o velho vier, logo combinas com ele o que vais fazer.
- Maria, eu não vou fazer nada, como é que eu posso fazer alguma coisa? Sem as pernas, o que é que me resta para fazer?
- Miúdo, o teu pior defeito, não é a falta das pernas, é seres burro. Toda a gente pode fazer alguma coisa, tens é que te esforçar e pensar no que é que gostarias de fazer e de ser. Queres voltar para os caixotes do lixo? Achas que isso é vida, comer o que ninguém já quer, e ter ainda que dividir com os cães?
Após o mata-bicho, Samuel ficou durante muito tempo, ensimesmado, pensando na sua vida antiga, nos seus pais e irmãos, naquilo que poderia ter sido, pensando que o que ele sempre gostou de vir a ser era jogador de futebol. Mas, sem pernas? O que é que faz um miúdo sem pernas? Há jogadores assim?
O dia foi-se arrastando, Maria veio buscá-lo de novo para comer, e já à tardinha apareceu o velho.
- Então Samuel, como é que foi o teu dia?
- Deixaste-me aqui sózinho, veio aí uma maluca, que me cortou o cabelo rente, deu-me banho, xingou-me, e ainda perguntas como é que foi o meu dia?
- Samuel, a Maria é uma mulher dura, por tudo o que a vida lhe fez, mas dentro dela tem um coração de ouro. Verás isso quando a conheceres melhor. Seja como for, andei a tratar de planos para ti. Amanhã, começas na escola, tens que aprender as coisas, e depois logo se verá.
- Mas velho, como é que eu vou à escola, assim sem pernas?
- Na escola, não precisas das pernas. A gente pensa, é mesmo com a cabeça, e essa ainda não te cortaram, e a Maria já te disse, vai-te levar e trazer.
De facto Maria, lavadeira toda a vida, era também refugiada, oriunda do Longonjo . Na mesma guerra, em que o Samuel tinha perdido os pais, tinha ela perdido o marido, e tinha visto morrer um filho, vítima de uma explosão de napalm lançado por dois aviões, da qual só escapou milagrosamente.
Teria preferido morrer certamente, mas a morte tem destas coisas, ceifa indiscriminadamente. Mas, Maria Saparalo, não era mulher que se dobrasse a qualquer infortúnio, e acreditava que se a morte a tinha poupado, lá teria os seus desígnios. Por isso, seguiu em frente com uma coragem verdadeiramente exemplar. Vivia amancebada com um mecânico de automóveis, embora a situação actual tivesse feito dele um polivalente, mas nenhum deles tinha filhos. Talvez por essa razão, tomou conta de Samuel como se do seu filho se tratasse.
Decorridas duas semanas, já o menino, se apresentava muito melhor fisicamente, ía contrariado à escola mas ía e a sua cara de vez em quando, muito raramente já mostrava um esboço de sorriso.
Um entardecer, aparece João, com uma cadeira de rodas, enfim, mais ou menos. O companheiro da Maria, já vimos, era mecânico, e tinha arranjado no ferro-velho dois aros de bicicleta. A partir daí, com madeiras e a ajuda de um carpinteiro, tinham fabricado a dita cadeira de rodas. Sem pneus que isso já eram mordomias, mas para o Samuel, quando a viu pareceu-lhe um carro de luxo. E para completar, a Maria fabricou-lhe umas luvas de lona e pano, daquelas a que faltam os dedos, próprias para conduzir.
A partir desse momento, passou a ver-se o Samuel completamente independente. Corria Benguela inteira, tratando da sua vida. Ou da vida dos outros, pois era frequente pedirem-lhe para fazer recados. Era conhecido junto dos amigos, pela sua alcunha favorita: Ayrton Sena.
Numa dessas deambulações, e a troco de um qualquer serviço, arranjou um canivete, e foi como se um mundo novo se tivesse aberto.
Começou a brincar com pedaços de madeira que ía toscamente esculpindo, e com o tempo, começou a esculpir bonecos de artesanato, que se foram tornando progressivamente melhores. Arranjou outras ferramentas, e das suas mãos passaram a saír objectos, absolutamente maravilhosos.
Juntos, ele e o velho João, percorriam as ruas vendendo os objectos que ele ía fazendo. O dinheiro embora pouco, permitia-lhes terem algumas comodidades, a que nem sequer estavam habituados.
Ao mesmo tempo, a amizade entre estes dois ía crescendo, de tal modo, que o tempo que Samuel estava ausente ou porque estivesse na escola, ou porque estivesse na brincadeira com outros miúdos, se tornava penoso para o velho.
Um dia, já Samuel estava na 4ª classe, estavam a vender as suas estátuas, junto ao antigo Liceu na Praia Morena, quando foram abordados, por um branco que passava.
- Miúdo, quanto custam as tuas estátuas? És tu que as fazes?
- Sou eu chindere . Custam 10.000 kwanzas cada uma.
- Olha, são todas muito bonitas, mas eu não quero nenhuma. Aquilo de que eu ando à procura é de um elefante em pé sobre as patas traseiras. Se me fizeres um, eu compro-te.
Samuel, pensou que o pedido era bem estranho, onde já se viu um elefante em pé, mas já se tinha também habituado, aos estranhos costumes desses brancos estrangeiros, que tinham invadido a sua terra. Além do mais se lhe pagassem faria qualquer objecto.
- Está combinado. Dentro de três dias está pronto.
- Óptimo, que eu vou para Luanda para a semana, só estou aqui de férias.
Foram bastantes horas de trabalho. O pedido era dificil , e ele nunca tinha feito uma escultura daquelas, mas no dia aprazado, lá estava o estranho e lá estava o Samuel com o seu elefante.
- Olha, miúdo tenho pensado muito em ti. É raro ver alguém tão novo e com tamanha habilidade. É uma pena o que te aconteceu, mas vamos combinar o seguinte. Eu sou médico, e por acaso tenho alguma influência em Luanda. Não te prometo nada, mas pode ser que consiga alguma coisa. Vou levar a tua direcção. Quanto ao elefante é de facto muito bonito e ficarei com ele.
Samuel, não respondeu.
A vida tinha-lhe ensinado, que não era fácil sonhar, e já lhe tinham prometido umas pernas novas. Embora soubesse que o trabalho dos Médicos sem Fronteiras, era meritório, tinha consciência que era um entre muitos milhares de meninos nas mesmas condições, e deixara há muito de acreditar que a sorte poderia estar do seu lado. De qualquer modo, ficou agitado nesse dia e nos seguintes. Nada que o velho lhe fizesse o conseguia animar. Os próprios estudos se ressentiram disso, mas apesar de tudo conseguiu passar na 4ª classe. Vieram as férias grandes e pela primeira vez foi frequentar o Liceu. Não o velho Liceu da Praia Morena, tão cheio de tradições e memórias para quem o frequentou, mas para o liceu novo, lá para os lados do aeroporto.
Já o segundo período ía a meio. Um dia no regresso a casa, vê o velho que vinha esbaforido ao seu encontro.
--Samuel, chegou carta de Luanda. Tens que te apresentar dentro de quatro dias para ires para a Alemanha .O médico demorou, mas cumpriu.
Tudo aconteceu muito rápido. Samuel nem teve tempo de se aperceber do que estava a acontecer. Viu-se metido dentro de um avião militar, esteve três dias em Luanda e ei-lo a caminho da Alemanha, juntamente com outros miúdos mutilados como ele.
Passaram-se dois anos. O velho João definhava com a falta de notícias. Só de longe em longe ía sabendo por terceiros que Samuel estava vivo. Já tinha até perdido a esperança de o voltar a ver. Miúdo mal agradecido, pensava ele. Depois, de tudo o que fiz por ele, esqueceu-se de mim. É o mal desta juventude angolana. Não conhecem nada a não ser a guerra, os pais morreram e eles habituaram-se a viver sós e a depender de si mesmos. Provávelmente, não volta, também quem é que voltaria para um pobre pastor como eu?
Mas, a vida é isso mesmo, um baile de cicatrizes. Há que aguentar mais esta.
Um dia, ao entardecer, como habitualmente João estava sentado no seu banco favorito a ver as planícies imensas da sua terra natal.
Naquela altura em que o sol já é apenas morno, e se sente na pele como uma carícia, naquela altura em que o mar já só é vermelho, vê aproximar-se do lado do Porta-Aviões, um adulto jovem, alto, bem parecido, que chegou e se sentou a seu lado, sem dizer uma única palavra. Ficaram os dois longo tempo a ver o mar.
- Avô, já é noite. É tempo de regressarmos a casa.
NOTA: Samuel é hoje, um membro importante da Christien Children Fund, e bate-se árduamente por todos os miúdos daquele continente, que tiveram uma sorte semelhante à sua. Por sua iniciativa, muitos miúdos em diversos países, já foram restituidos a uma vida normal. O seu avô, acompanha-o para todo o lado, mostrando no rosto, o orgulho imenso do seu neto. Apesar da insistência de Samuel, nunca permitiu que lhe pusessem uma prótese.
Afinal, cumpriu o seu destino de pastor. Só que desta vez, de almas.
Quanto ao elefante, por obra do destino, está em meu poder, e é uma lindíssima peça de artesanato africano.
Todos os factos narrados nesta história, são quando tomados isoladamente, verdadeiros. A ficção aparece quando resolvi juntá-los. Apenas para dizer, que o sofrimento daquele povo, é meu também.
GED
É dedicada a todos os miúdos, mutilados no corpo e na alma, por guerras sem sentido,e a todos aqueles que lutam diáriamente para os ajudar.
Suku-Nzambi criou aquele mundo. Aquele e outros, todos os mundos. Suku-Nzambi, cansado pôs-se a dormir. E os homens saíram da Grande Mãe Serpente, a que engole a própria cauda.
Feti, o primeiro, no Centro foi gerado pela serpente de água e da água saíu. Nambalisita, no Sul, do ovo saíu, partindo a própria casca. Namutu e Samutu, os dois gémeos de sexos diferentes, pais dos homens do país lunda, da serpente mãe directamente saíram.
A obra de Suku-Nzambi estava completa. Mas nunca se interessou por ela. E a obra de Suku-Nzambi parecia esquecida de viver.
Até hoje os homens, parados, atónitos, estão à espera de Suku-Nzambi. Aprenderão um dia a viver? Ou aquilo que vão fazendo, gerar filhos e mais filhos, produzir comida para os outros, se matarem por desígnios insondáveis, sempre à espera da palavra salvadora de Suku-Nzambi, aquilo mesmo é vida?
In “Parábola do cagado velho”
Pepetela
João Simanco, estava há algum tempo sentado num dos bancos, debaixo daquele enorme caramanchão coberto de buganvílias, logo a seguir ao Porta-Aviões, na Praia Morena. ( O mesmo caramanchão, para onde fui tantas vezes namorar, e que ficará para sempre ligado ao Let´s Twist Again. Foi aí que o ouvi pela primeira vez, e talvez por isso, sempre que o ouço, sou invadido por uma enorme nostalgia.)
Tinha adquirido esse hábito, alguns anos antes, logo após ter chegado a Benguela, fugido da guerra que entretanto se instalara na zona do Cubal. Nunca antes tinha visto o mar, e o deslumbramento dessa descoberta, mantinha-se inalterado como no primeiro dia.
O Sol já se punha e esse era o seu momento preferido. Ver tanto azul, com um rasto vermelho de sangue até ao horizonte. Essa infinita quantidade de água, fazia-lhe lembrar as planícies imensas da sua terra natal , onde pastoreava o seu gado.
A vida não lhe tinha sido fácil. A falta de um braço, precisamente o direito, tinha condicionado toda a sua vida e tinha-o feito pastor. Tomava conta de todo o gado que havia na aldeia, ele, e outros como ele.
Aos 16 anos era um miúdo igual a todos os outros,com um futuro pela frente e mil anseios à espera de serem cumpridos. Um dia munido da sua zagaia e da sua catana, tinha ido caçar com outros miúdos, coisa que era habitual, mas esse dia marcou-o para sempre. Quando estava a emboscar-se, para atirar a uma cabra do mato, no preciso momento de retesar a corda do arco, inadvertidamente pisou uma surucucu, que em troca lhe mordeu a mão direita.
Longe do Cubal, e da sanzala, percebeu de imediato que tinha alguns minutos de vida. Rápidamente puxou da catana e cortou o braço, bem acima do cotovelo. Ainda teve forças para fazer um garrote e arrastar-se até à aldeia paterna. Aí como mandava a tradição, foi tratado pelo kimbanda, que recorreu a todos os pós, ervas e poderosas rezas. Mas como a tradição já não é o que era, ou porque o kimbanda era adepto das medicinas alternativas foi transportado ao Cubal, onde lhe administraram soro e antibióticos. Esteve longo tempo entre dois mundos, mas salvou-se. Jamais se saberá se foi a verdadeira medicina do kimbanda ou a medicina alternativa, que o salvou. Apesar de tudo, pagou um alto preço pela sua determinação e coragem.
Estava João, embrenhado nestes pensamentos, que lhe ocorriam frequentemente, quando viu a alguns metros um miúdo, com cerca de 12 anos, sem pernas, arrastando-se junto aos caixotes de lixo, disputando aos cães, os restos de comida que ninguém já queria. Era frequente vê-lo por ali, acompanhado de muitos outros miúdos menos estropiados, mas nesse dia, sem motivo aparente, decidiu chamá-lo e conversar um pouco com ele.
-Oh miúdo, anda cá.
-Como te chamas?
O miúdo lá veio, arrastando-se e disse:
- O meu nome é Samuel Jovete, e tu o que é que queres sékulo?
- Senta-te aqui só um bocadinho e conversa comigo.
João agora mais de perto, apercebeu-se que o miúdo, tinha um ar esquelético, barriga grande, cabelo desgrenhado, olhos encovados e envelhecidos e umas feições moldadas pelo pânico da necessidade de sobreviver. Nem um esboço de qualquer alegria.
- Onde estão os teus pais?
- Os meus pais, velho, morreram na guerra do Huambo. O resto da minha família, perdi-os quando fugiram. Eu fui trazido para Benguela pelos Médicos sem Fronteiras, para pôr umas proteses no lugar das pernas. Pisei numa mina quando tentava fugir. Mas, faz tempo já, me abandonaram aqui. Eu já não acredito. Ao principio, parecia um sonho, ía ter duas pernas novas, mas agora acabou. Não é fácil sonhar. Até já me alcunharam de meio-meio .
Aquele momento, sem que ele próprio o soubesse ainda, mudou a vida de João Simanco. Sempre tinha permanecido solteiro por opção própria, também quem é que iria querer um pastor, e ainda por cima incompleto? Jamais tinha conseguido juntar bens, que pudessem pagar um alambamento decente.
Sabia, por experiência própria, o que tinha sido a guerra do Huambo. O seu querido Cubal, também tinha passado pela mesma guerra fratricida. Irmãos matando irmãos, miúdos envolvidos naquele desatino quando deveriam estar a brincar, ausência de qualquer alegria, famílias destruidas para sempre e, para os que sobreviveram, pela frente perspectivas de nenhum futuro. Até Iemanjá, a grande deusa das águas se tinha desobrigado de qualquer intervenção apaziguadora, e constava-se que naquelas terras, até os rios tinham começado a correr ao contrário.
A angústia e o desespero daquele miúdo, tinham-lhe tocado bem fundo e decidiu de imediato, que talvez dois incompletos, um miúdo sem pernas e um velho sem um braço, pudessem juntar-se, e tentar viver uma vida melhor .
Além do mais João vivia na sanzala da família, e pelo menos comida ele podia oferecer ao miúdo. Há muito se tinha apercebido, da enorme catástrofe que se abatera sobre a sua terra, e da multidão de miúdos em idênticas condições, para quem o futuro nem sequer existia. E todos os dias se juntavam novos mutilados, a esta legião imensa. A juventude de Angola, andava literalmente e no melhor dos casos ao pé coxinho.
Ao menos tentaria que um deles tivesse comida, e calor humano. Era muito pouco, bem o sabia, mas pensava, que se todos fizessem o mesmo, talvez o futuro destes miúdos, não fosse tão negro.Além do mais, quem sabe o que poderia suceder?
- Olha Samuel, eu sou um velho maluco, mas estou como tu sózinho, neste mundo sem Deus. Vem viver comigo, que ao menos tens comida, e o futuro sabe-se lá.
Por um muito breve momento, os olhos de Samuel brilharam e contra tudo o que seria de esperar, provávelmente pela grande desesperança em que se encontrava, aceitou.
- Velho, moras longe? É que eu não posso andar longas distâncias, se é que se pode dizer andar.
João sorriu. O miúdo , era uma carga de ossos e mesmo com um braço podia carregá-lo fácilmente. E não estava assim tão velho.
- Vamos embora. Eu moro na sanzala junto ao Bairro da Peça, e posso nas calmas levar-te ao colo. Afinal tu és um meia dose, não pela falta das pernas, mas porque pareces uma pena.
Nessa noite, pela primeira vez, desde há muito tempo, Samuel teve uma refeição decente, quente, e dormiu numa esteira sua, dentro de uma cubata. Apesar de ser um sono inquieto, recortado como habitualmente, por imagens de horrores passados e presentes, sentia o calor de estar de novo, entre gente que o protegeria se fosse necessário.
Foi acordado pelos raios de sol, entrando pela cubata, e por um delicioso cheiro de café que entretanto o velho tinha feito.
Ainda estremunhado, viu entrar na cubata, uma mulher jovem.
- Miúdo, eu sou a Maria Saparalo . Sou sobrinha do velho João. Ele teve de saír e encarregou-me de tratar de ti, portanto ainda antes do mata-bicho, vou-te cortar o cabelo e dar-te banho. Assim pareces um bandido, daqueles muitos que andam por aí.
Dito e feito. Samuel, nem teve tempo de refilar. Viu-se com um pano à volta do pescoço, e a Maria de tesoura na mão. Findo o corte radical, foi de imediato metido numa selha e lavado. No fim teve direito a roupas limpas.
- Pronto, agora já pareces gente. Vais viver aqui connosco, tens pelo menos de não cheirar mal. Quando o velho vier, logo combinas com ele o que vais fazer.
- Maria, eu não vou fazer nada, como é que eu posso fazer alguma coisa? Sem as pernas, o que é que me resta para fazer?
- Miúdo, o teu pior defeito, não é a falta das pernas, é seres burro. Toda a gente pode fazer alguma coisa, tens é que te esforçar e pensar no que é que gostarias de fazer e de ser. Queres voltar para os caixotes do lixo? Achas que isso é vida, comer o que ninguém já quer, e ter ainda que dividir com os cães?
Após o mata-bicho, Samuel ficou durante muito tempo, ensimesmado, pensando na sua vida antiga, nos seus pais e irmãos, naquilo que poderia ter sido, pensando que o que ele sempre gostou de vir a ser era jogador de futebol. Mas, sem pernas? O que é que faz um miúdo sem pernas? Há jogadores assim?
O dia foi-se arrastando, Maria veio buscá-lo de novo para comer, e já à tardinha apareceu o velho.
- Então Samuel, como é que foi o teu dia?
- Deixaste-me aqui sózinho, veio aí uma maluca, que me cortou o cabelo rente, deu-me banho, xingou-me, e ainda perguntas como é que foi o meu dia?
- Samuel, a Maria é uma mulher dura, por tudo o que a vida lhe fez, mas dentro dela tem um coração de ouro. Verás isso quando a conheceres melhor. Seja como for, andei a tratar de planos para ti. Amanhã, começas na escola, tens que aprender as coisas, e depois logo se verá.
- Mas velho, como é que eu vou à escola, assim sem pernas?
- Na escola, não precisas das pernas. A gente pensa, é mesmo com a cabeça, e essa ainda não te cortaram, e a Maria já te disse, vai-te levar e trazer.
De facto Maria, lavadeira toda a vida, era também refugiada, oriunda do Longonjo . Na mesma guerra, em que o Samuel tinha perdido os pais, tinha ela perdido o marido, e tinha visto morrer um filho, vítima de uma explosão de napalm lançado por dois aviões, da qual só escapou milagrosamente.
Teria preferido morrer certamente, mas a morte tem destas coisas, ceifa indiscriminadamente. Mas, Maria Saparalo, não era mulher que se dobrasse a qualquer infortúnio, e acreditava que se a morte a tinha poupado, lá teria os seus desígnios. Por isso, seguiu em frente com uma coragem verdadeiramente exemplar. Vivia amancebada com um mecânico de automóveis, embora a situação actual tivesse feito dele um polivalente, mas nenhum deles tinha filhos. Talvez por essa razão, tomou conta de Samuel como se do seu filho se tratasse.
Decorridas duas semanas, já o menino, se apresentava muito melhor fisicamente, ía contrariado à escola mas ía e a sua cara de vez em quando, muito raramente já mostrava um esboço de sorriso.
Um entardecer, aparece João, com uma cadeira de rodas, enfim, mais ou menos. O companheiro da Maria, já vimos, era mecânico, e tinha arranjado no ferro-velho dois aros de bicicleta. A partir daí, com madeiras e a ajuda de um carpinteiro, tinham fabricado a dita cadeira de rodas. Sem pneus que isso já eram mordomias, mas para o Samuel, quando a viu pareceu-lhe um carro de luxo. E para completar, a Maria fabricou-lhe umas luvas de lona e pano, daquelas a que faltam os dedos, próprias para conduzir.
A partir desse momento, passou a ver-se o Samuel completamente independente. Corria Benguela inteira, tratando da sua vida. Ou da vida dos outros, pois era frequente pedirem-lhe para fazer recados. Era conhecido junto dos amigos, pela sua alcunha favorita: Ayrton Sena.
Numa dessas deambulações, e a troco de um qualquer serviço, arranjou um canivete, e foi como se um mundo novo se tivesse aberto.
Começou a brincar com pedaços de madeira que ía toscamente esculpindo, e com o tempo, começou a esculpir bonecos de artesanato, que se foram tornando progressivamente melhores. Arranjou outras ferramentas, e das suas mãos passaram a saír objectos, absolutamente maravilhosos.
Juntos, ele e o velho João, percorriam as ruas vendendo os objectos que ele ía fazendo. O dinheiro embora pouco, permitia-lhes terem algumas comodidades, a que nem sequer estavam habituados.
Ao mesmo tempo, a amizade entre estes dois ía crescendo, de tal modo, que o tempo que Samuel estava ausente ou porque estivesse na escola, ou porque estivesse na brincadeira com outros miúdos, se tornava penoso para o velho.
Um dia, já Samuel estava na 4ª classe, estavam a vender as suas estátuas, junto ao antigo Liceu na Praia Morena, quando foram abordados, por um branco que passava.
- Miúdo, quanto custam as tuas estátuas? És tu que as fazes?
- Sou eu chindere . Custam 10.000 kwanzas cada uma.
- Olha, são todas muito bonitas, mas eu não quero nenhuma. Aquilo de que eu ando à procura é de um elefante em pé sobre as patas traseiras. Se me fizeres um, eu compro-te.
Samuel, pensou que o pedido era bem estranho, onde já se viu um elefante em pé, mas já se tinha também habituado, aos estranhos costumes desses brancos estrangeiros, que tinham invadido a sua terra. Além do mais se lhe pagassem faria qualquer objecto.
- Está combinado. Dentro de três dias está pronto.
- Óptimo, que eu vou para Luanda para a semana, só estou aqui de férias.
Foram bastantes horas de trabalho. O pedido era dificil , e ele nunca tinha feito uma escultura daquelas, mas no dia aprazado, lá estava o estranho e lá estava o Samuel com o seu elefante.
- Olha, miúdo tenho pensado muito em ti. É raro ver alguém tão novo e com tamanha habilidade. É uma pena o que te aconteceu, mas vamos combinar o seguinte. Eu sou médico, e por acaso tenho alguma influência em Luanda. Não te prometo nada, mas pode ser que consiga alguma coisa. Vou levar a tua direcção. Quanto ao elefante é de facto muito bonito e ficarei com ele.
Samuel, não respondeu.
A vida tinha-lhe ensinado, que não era fácil sonhar, e já lhe tinham prometido umas pernas novas. Embora soubesse que o trabalho dos Médicos sem Fronteiras, era meritório, tinha consciência que era um entre muitos milhares de meninos nas mesmas condições, e deixara há muito de acreditar que a sorte poderia estar do seu lado. De qualquer modo, ficou agitado nesse dia e nos seguintes. Nada que o velho lhe fizesse o conseguia animar. Os próprios estudos se ressentiram disso, mas apesar de tudo conseguiu passar na 4ª classe. Vieram as férias grandes e pela primeira vez foi frequentar o Liceu. Não o velho Liceu da Praia Morena, tão cheio de tradições e memórias para quem o frequentou, mas para o liceu novo, lá para os lados do aeroporto.
Já o segundo período ía a meio. Um dia no regresso a casa, vê o velho que vinha esbaforido ao seu encontro.
--Samuel, chegou carta de Luanda. Tens que te apresentar dentro de quatro dias para ires para a Alemanha .O médico demorou, mas cumpriu.
Tudo aconteceu muito rápido. Samuel nem teve tempo de se aperceber do que estava a acontecer. Viu-se metido dentro de um avião militar, esteve três dias em Luanda e ei-lo a caminho da Alemanha, juntamente com outros miúdos mutilados como ele.
Passaram-se dois anos. O velho João definhava com a falta de notícias. Só de longe em longe ía sabendo por terceiros que Samuel estava vivo. Já tinha até perdido a esperança de o voltar a ver. Miúdo mal agradecido, pensava ele. Depois, de tudo o que fiz por ele, esqueceu-se de mim. É o mal desta juventude angolana. Não conhecem nada a não ser a guerra, os pais morreram e eles habituaram-se a viver sós e a depender de si mesmos. Provávelmente, não volta, também quem é que voltaria para um pobre pastor como eu?
Mas, a vida é isso mesmo, um baile de cicatrizes. Há que aguentar mais esta.
Um dia, ao entardecer, como habitualmente João estava sentado no seu banco favorito a ver as planícies imensas da sua terra natal.
Naquela altura em que o sol já é apenas morno, e se sente na pele como uma carícia, naquela altura em que o mar já só é vermelho, vê aproximar-se do lado do Porta-Aviões, um adulto jovem, alto, bem parecido, que chegou e se sentou a seu lado, sem dizer uma única palavra. Ficaram os dois longo tempo a ver o mar.
- Avô, já é noite. É tempo de regressarmos a casa.
NOTA: Samuel é hoje, um membro importante da Christien Children Fund, e bate-se árduamente por todos os miúdos daquele continente, que tiveram uma sorte semelhante à sua. Por sua iniciativa, muitos miúdos em diversos países, já foram restituidos a uma vida normal. O seu avô, acompanha-o para todo o lado, mostrando no rosto, o orgulho imenso do seu neto. Apesar da insistência de Samuel, nunca permitiu que lhe pusessem uma prótese.
Afinal, cumpriu o seu destino de pastor. Só que desta vez, de almas.
Quanto ao elefante, por obra do destino, está em meu poder, e é uma lindíssima peça de artesanato africano.
Todos os factos narrados nesta história, são quando tomados isoladamente, verdadeiros. A ficção aparece quando resolvi juntá-los. Apenas para dizer, que o sofrimento daquele povo, é meu também.
GED
domingo, 25 de abril de 2010
Palavras que dão força
O Hospital Mário Penna, de Belo Horizonte, que cuida de doentes com câncer, lançou um projeto sensacional, o Doe Palavras. Participar dele é muito simples.Você acessa este site e escreve lá uma mensagem de otimismo curta (tipo twitter). A sua e as outras mensagens são exibidas num telão para os pacientes do hospital, nos locais onde eles mais precisam de solidariedade e confiança, como as salas de quimioterapia. A reação dos pacientes tem sido excelente.
Vamos participar?
A cada cravo que passa
E o dia passou. A euforia da liberdade escorre como água nos algerozes e o empolgar de festas que nascem pelos cantos, onde se canta uma liberdade pintada em tons de vermelho numa flor que aviva as memórias daqueles que lá estiveram, também se foi. O tempo de festejo passou, como passam as correntes, os dias, as fases da lua e a mesmice fica encravada na liberdade de cada um. No lugar onde ontem se cantou, se inflamou verdades e direitos, hoje fica a mesma fala sorridente, que por detrás esconde a vontade de enganar aquele que mora ao lado.
Ouvimos apregoar factos e factos em catadupa, quase numa cascata de eventos que nos errubescem a face da mesma cor do cravo e não cravamos nossas razões nas faces daqueles que nos enganam com seus discursos de coitados. Num país onde as ondas de solidariedade ao proximo são um pouco do sol que nos alumia, há quem tome o partido dessa forte fraqueza para fazer valer propósitos pessoais dando à cor da liberdade um tom cinzento, mortiço, passado...
PAPÉIS DE CARTA
Naquele tempo, em que ainda não se ouvia falar em internet, trocavam-se cartas, muitas cartas, entre amigos e amores. Tudo era um ritual. Meninas colecionavam papéis de carta, dispostos em pastas gordas. As trocas eram condicionadas por um tipo de regulamento, que levava em consideração a beleza do papel, seu estado de conservação, sua origem, raridade, e é claro, o grau de amizade entre as colecionadoras. Depois da escolha minuciosa do papel de carta, havia a redação. Sem computadores, nos restava escrever à mão. Cartas datilografadas eram frias e impessoais. Poucos de nós fazíamos rascunhos de cartas, então a vantagem deste tipo de correspondência é que na maioria das vezes não repensávamos nossas palavras, estas fluíam da mente para o papel. Claro, às vezes isso também era motivo de arrependimento. O engraçado era que muitas vezes as cartas que voltavam referiam-se a determinados assuntos ou perguntas que nós nem lembrávamos. Por isso o papel carbono era uma boa alternativa. Meninos escreviam em folhas de caderno, e o que determinava se havia capricho e dedicação em suas cartas eram a letra e o fato das aparas das folhas terem sido cortadas ou não. Então, havia o envelope com letra caprichada, a colagem dos selos e a entrega nos correios. Um alívio ao ver a carta ser carimbada e colocada na caixa de coleta. Uma média de uma semana para o destinatário recebê-la. E aí começava a parte mais empolgante: a espera pela resposta. Posso sentir ainda o cheiro das cartas e a alegria por enxergar o carteiro.
sábado, 24 de abril de 2010
Uma Mulher!
É um imenso privilégio poder realizar minha primeira participação neste Blog. Li, gostei e decidi entrar nessa nova "Casa: Minímo Ajuste", falando sobre a Mulher.
Sua imagem sempre está conectada ao Lar. Então como uma Mulher, hoje me permito expressar alguns sentimentos de uma canção...
Canção das mulheres
Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.
Lya Luft
Com amor e carinho,
Sílvia Costardi
RIOS
Correm-me rios nas veias
Muitos lhes conheci já na foz
Rios gordos desabando no grande mar
Outros encontrei nos caminhos
Rios de sim e não
Rios suficientes
Vadiando águas em festa
Nunca conheci pequeninos
Não perguntei
Vi rios amigando com outros rios
Rebolando nas pedras
Engravidando margens
Conheci rios de ser feliz
Deixei-me levar
Rios com cais
Atracando barcos e vidas
Rios doces, cheirosos
Tresandando a rosmaninho
Rios de memórias
Correndo ao contrário
Rios de permanecer
Acabei por ficar
GED
Muitos lhes conheci já na foz
Rios gordos desabando no grande mar
Outros encontrei nos caminhos
Rios de sim e não
Rios suficientes
Vadiando águas em festa
Nunca conheci pequeninos
Não perguntei
Vi rios amigando com outros rios
Rebolando nas pedras
Engravidando margens
Conheci rios de ser feliz
Deixei-me levar
Rios com cais
Atracando barcos e vidas
Rios doces, cheirosos
Tresandando a rosmaninho
Rios de memórias
Correndo ao contrário
Rios de permanecer
Acabei por ficar
GED
LIÇÕES DE UM DEUS
AVEC LE TEMPS. traducão
Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Nós esquecemos a face e a voz
O coração,quando bate mais depressa,não é mais pela
dor da partida
E descobrimos mais adiante que se você não se importar
e deixar como está,tudo irá bem
com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Aqueles que nós amamos,que nós procuramos debaixo da
chuva
Aqueles que nós reconheciamos só com um olhar
Entre palavras,entre linhas,e debaixo da maquiagem
Como um juramento escondido que foi adormecido
Com o tempo,tudo desaparece
Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Até as mais maravilhosas memorias,até aquelas
No corredor eu imaginei nos raios da morte
Sabado a noite,quando a bondade está completamente
sozinha,por conta propria
Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Aquele por quem nós choramos,serviu só para nos dar
dores de cabeça,e para mais nada.
E aquele que nós demos fôlego e jóias
E vendemos nossa alma,por somente alguns centavos
Por aqueles que nós sofremos,como cães
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Com o tempo
Com o tempo tudo vai embora
Nós esquecemos das paixões e nos esquecemos das vozes
Que te falavam as palavras das pessoas pobres
Então não chegue muito tarde,para não ficar resfriado
Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
E nós nos sentimos cansados como um cavalo perdido
E nós nos sentimos presos em um lugar perigoso
E nós nos sentimos completamente sozinhos,e isso já
não é tão doloroso
E nós sentimos que nós nos perdemos nos anos que se
passaram,então realmente
Com o tempo nós deixamos de amar.
By Wêmily
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Nós esquecemos a face e a voz
O coração,quando bate mais depressa,não é mais pela
dor da partida
E descobrimos mais adiante que se você não se importar
e deixar como está,tudo irá bem
com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Aqueles que nós amamos,que nós procuramos debaixo da
chuva
Aqueles que nós reconheciamos só com um olhar
Entre palavras,entre linhas,e debaixo da maquiagem
Como um juramento escondido que foi adormecido
Com o tempo,tudo desaparece
Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Até as mais maravilhosas memorias,até aquelas
No corredor eu imaginei nos raios da morte
Sabado a noite,quando a bondade está completamente
sozinha,por conta propria
Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Aquele por quem nós choramos,serviu só para nos dar
dores de cabeça,e para mais nada.
E aquele que nós demos fôlego e jóias
E vendemos nossa alma,por somente alguns centavos
Por aqueles que nós sofremos,como cães
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Com o tempo
Com o tempo tudo vai embora
Nós esquecemos das paixões e nos esquecemos das vozes
Que te falavam as palavras das pessoas pobres
Então não chegue muito tarde,para não ficar resfriado
Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
E nós nos sentimos cansados como um cavalo perdido
E nós nos sentimos presos em um lugar perigoso
E nós nos sentimos completamente sozinhos,e isso já
não é tão doloroso
E nós sentimos que nós nos perdemos nos anos que se
passaram,então realmente
Com o tempo nós deixamos de amar.
By Wêmily
Prisão Domiciliar
Por razões diversas
A casinha está de cabeça para baixo, tanto a feita de paredes quanto a que acompanha a minha bipedice mental. Os rapazes estão dormindo, inclusive o cachorro. Eu posso teclar uma mensagem ou ir lavar a louça e não me perguntem sobre a máquina de lavar porque ela é tamanho qualquer coisa menos família, mal cabe uns pratinhos. De qualquer forma, a bagunça valeu o jantar e a sobremesa: fondue de chocolate suiço deixado pelo meu estimado bípede irmão em março, hoje, devorada com moranguinhos, abacaxis e bananas, porque tem de ter bananas, senão a coisa deixa de ser tropical e bonita por natureza. E eu gosto de coisas tropicais e bonitas por natureza, o que não quer dizer que não sejam igualmente apreciadas as não tropicais e bonitas por razões diversas, porque admiro o gosto dos outros, o gosto que não se parece com o meu e me faz acordar para o inigualável sabor das diferenças.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Obrigado por me acolherem
Eu fico feliz em transitar pelos blogs e encontrar em Mínimo Ajuste uma qualidade rara nesta área. Foram Bípede Falante e Depósito do Maia que me incitaram a participar do Mínimo Ajuste, no qual hoje faço minha estréia com o quadro de uma cidade, de minha autoria, e uma exclamação: Encontrei a Luz! Explico: Com quarenta e poucos anos de pintura, ainda não temos a compreensão exata do que seja a luz ( a física e a mental, quero dizer ), e a exclamação ali posta, é apenas a provocação daquilo que, na verdade, nunca se encontrará. Mas devemos sempre tentar. Vou contribuir com meus quadros, mas também com meus textos que, pela dimensão internacional que alcançou Mínimo Ajuste, poderão ser não de todo compreensíveis. Agradeço a todos voces pela acolhida. Abraços e beijos.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
A força natural da criação
fotografia de Paulo Veiga do site olhares
Foto: Haroldo Abrantes
Às vezes, quando eram pequenos, a mãe os levava para ver a noite na estação seca. Dizia-lhes para olharem bem o céu, azul como se fosse pleno dia, aquela claridade da terra até o limite da vista. Para ouvirem também os ruídos da noite, os chamados das pessoas, seus risos, seus cantos, os lamentos dos cães também, mal-assombrados pela morte, todos aqueles apelos que representavam ao mesmo tempo o inferno da solidão e a beleza dos cantos que representavam esta solidão: era preciso também escutá-los. Que o que se costumava esconder das crianças, ao contrário, era preciso dizer-lhes, o trabalho, as guerras, as separações, a injustiça, a solidão, a morte. Sim, esse lado da vida, ao mesmo tempo infernal e irremediável, era preciso também mostrá-lo às crianças, era como olhar o céu, a beleza das noites do mundo. As crianças frequentemente pediam à mãe que explicasse o que entendia por aquilo. A mãe sempre respon-dera que não sabia, que ninguém sabia. E que também isso era preciso saber. Saber, antes de tudo, isto: que não sabemos nada. Que mesmo as mães que diziam aos seus filhos que sabiam tudo, não sabiam.
Marguerite Duras - O Amante da China do Norte
Às vezes, quando eram pequenos, a mãe os levava para ver a noite na estação seca. Dizia-lhes para olharem bem o céu, azul como se fosse pleno dia, aquela claridade da terra até o limite da vista. Para ouvirem também os ruídos da noite, os chamados das pessoas, seus risos, seus cantos, os lamentos dos cães também, mal-assombrados pela morte, todos aqueles apelos que representavam ao mesmo tempo o inferno da solidão e a beleza dos cantos que representavam esta solidão: era preciso também escutá-los. Que o que se costumava esconder das crianças, ao contrário, era preciso dizer-lhes, o trabalho, as guerras, as separações, a injustiça, a solidão, a morte. Sim, esse lado da vida, ao mesmo tempo infernal e irremediável, era preciso também mostrá-lo às crianças, era como olhar o céu, a beleza das noites do mundo. As crianças frequentemente pediam à mãe que explicasse o que entendia por aquilo. A mãe sempre respon-dera que não sabia, que ninguém sabia. E que também isso era preciso saber. Saber, antes de tudo, isto: que não sabemos nada. Que mesmo as mães que diziam aos seus filhos que sabiam tudo, não sabiam.
Marguerite Duras - O Amante da China do Norte
CIO DA TERRA (para a Gerana Damulakis que tanto gostou do cio da terra) )
Toda a noite
Escorreu chuva pelas paredes do céu
Ainda há lágrimas na vidraça
Lá fora
Levanta-se um vapor denso
Cio da terra
Rios tropeçando nas margens
Navegando lamas e canaviais
Pressa de chegar
Anúncio de tempo novo
Preparos de lavrar e semear
Abundâncias adiadas
Agora é hora
De filhos novos e borboletas
De pastores comboiando gados
Circuncisões e puberdades
Agora, mesmo agora
Mulheres jovens da casa do meio
Silêncios cúmplices na noite
Fogueiras de aquecer e conversar
Agora
Tempo de kissangua e hidromel
Batuques marcando ritmos de vida
Entrelaçam-se olhares límpidos
Segredam-se juras e alembamentos
Sacrifício do mais sagrado animal
Hora de deuses e kiandas
Agora
É tempo de respirar.
GED
Escorreu chuva pelas paredes do céu
Ainda há lágrimas na vidraça
Lá fora
Levanta-se um vapor denso
Cio da terra
Rios tropeçando nas margens
Navegando lamas e canaviais
Pressa de chegar
Anúncio de tempo novo
Preparos de lavrar e semear
Abundâncias adiadas
Agora é hora
De filhos novos e borboletas
De pastores comboiando gados
Circuncisões e puberdades
Agora, mesmo agora
Mulheres jovens da casa do meio
Silêncios cúmplices na noite
Fogueiras de aquecer e conversar
Agora
Tempo de kissangua e hidromel
Batuques marcando ritmos de vida
Entrelaçam-se olhares límpidos
Segredam-se juras e alembamentos
Sacrifício do mais sagrado animal
Hora de deuses e kiandas
Agora
É tempo de respirar.
GED
MÃES
Essa época que antecede o Dia das Mães é estranha. Algumas propagandas são elaboradas não sei com qual finalidade, se para exaltar, para consolar, para elevar a auto-estima... A mãe aparece sempre como aquela que deixa tudo de lado, inclusive a própria vida, para dedicar-se aos filhos... Como uma pessoa que deixa de ser ela mesma pode ensinar a outra o que é ser feliz? O amor de mãe parece que vem com receita, e a pobre coitada, que também é filha, e também é criança, acaba por acreditar que deve ser assim, e muitas vezes exerce um amor cego e possessivo sobre os filhos. E isso é amor? Ou amor é ajudar a crescer, deixar livre para que escolhas sejam feitas? Ser mãe não é ser bengala, é caminhar ao lado. É estar ali para confortar um possível tombo, mas não para evitá-lo. Sou mãe, e filha. E fui criada com o amor que liberta, o amor que incentiva, que diz: "vai, meu filho, o mundo é teu; mas se quiseres voltar, sempre terás um lar." E é esse amor que sinto por minha filha. Sem amarras. E se preciso for, a deixarei que seja feliz, longe dos meus olhos. Eu chorarei de saudade, pela falta dela, mas só de imaginar um sorriso seu, me confortarei.
Renata Bezerra
A Felicidade dos Outros
Ela fez o que geralmente faz: cedeu. E cedendo perdeu pontos no relacionamento. Que merda, repetia para si mesma. Falhou na estratégia, na escolha, na opção. Ela fracassou e exitou ainda mais. Deprimida foi ao supermercado comprar ração para os gatos, mas não resistiu ao ver uma magnífica torta de chocolate branco. Voltou para casa e comeu inteirinha. Não deixou sequer um farelo para os animais. Limpou a cozinha e foi deitar.
Quando ele chegou ela estava dormindo. Apenas de calcinha cinza, as coxas grandes sobre o cobertor de oncinha. Afastou os gatos e sussurrou: minha pérola. Ela sonhava que estava em outros lugares, fazendo outras coisas com outros homens, mas aquela voz geralmente ríspida e agressiva que ela tanto conhecia tinha, desta vez, um tom diferente: carinhoso, amigo, inclusive sensual e provocante. Ela esboçou um bocejo, virou para o lado e sentiu o bafo quente do hálito gasoso. O que você quer agora? ela perguntou já excitada. Nada, não -- disse ele um pouco sem jeito --pode ficar como está, vou ver televisão na sala, não quero te atrapalhar, os gatos vêm comigo.
E aquele momento se embaralhou no tempo. Oportunidade que se dissipou diante de suas próprias rotinas e neuroses. Assim funciona aquela casa, aquelas pessoas, os nossos personagens, que vivem suas vidas. E nós, que estamos do lado de fora, podemos nos equivocar no julgamento da felicidade dos outros, inclusive deste casal. Podemos interpretar, de uma forma ou de outra, de acordo com as nossas noções, ambições e histórias de vida. Fazemos conjeturas, apostas e muitas vezes nos equivocamos. Essa história do casal que, aparentemente, não se entende ou que não consegue atingir uma certa empatia e cumplicidade pode ser também - por que não?- uma história de amor e felicidade. Vejam as carinhas felizes dos dois com os seus gatinhos. Eles não são uns mimos?
Meu Primeiro Mínimo Ajuste
Estou há dias a pensar o que escrever, aqui a sensação é que a escrita tem que ser mais cuidada, mais acariciada. Porque lá nos Encontros com Meus Pensamentos, o meu cantinho de escrita... é só meu, estou livre, leve e solta... Aqui a responsabilidade é maior... Mas hoje o dia amanheceu cinzento e a chover em Lisboa, parece que a Primavera e o Verão tentam invadir esta Terra, mas lá vem a chuva e voltam os dias cinzentos... parece que retorno à Curitiba, de onde saí há 10 anos. Então...decidi, deixar as palavras fluírem aqui como fluem quando me encontro com meus pensamentos, como a água da chuva está a cair sem pedir licença e sem nos perguntar se já andamos fartos disso. E primeiro, com educação, tenho que agradecer ter sido convidada para escrever, neste Mínimo Ajuste. Quando cá entrei pela primeira vez, essa ideia, de vários autores, cada um com sua forma de se expressar, uns de forma mais pessoal, outros mais impessoais, achei óptimo! Porque parece que estamos a criar uma linha de pensamentos, sem princípio ou fim... e como diz o grande Fernando Pessoa, com seu Alter-Ego, Álvaro de Campos: "Não: Não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A única conclusão... é morrer!" E é a mais pura verdade, representada no Mínimo Ajuste que se faz por aqui!
Quando vi o tema do Blogue: Mínimo Ajustes... remeteu-me logo às nossas vidas, vivemos a fazer mínimos ajustes, a cada novidade que surge, todos os dias, às vezes já exaustos, de tantos ajustes, do mesmo assunto, do mesmo problema; outras vezes com alegria, porque são ajustes de mudanças que fazemos... mudanças no nosso crescimento, na nossa vida, no nosso íntimo... Portanto esses mínimos ajustes, tanto podem ser positivos quanto negativos.
Para ser sincera, há dias que me cansam, em alguns assuntos que parecem já se estenderem há séculos, que vivem em círculos e eu detesto esses círculo da vida e detesto estar a fazer sempre e novamente os mínimos ajustes deles.
Agora os mínimos ajustes de coisas boas, de conquistas, de amores, de amizades, de crescimento interior... como são bons... como nos aliviam daqueles que nos causam dor e nos dão fôlego para continuar...
Porque às vezes o que queremos é apenas ter força para continuar... Nos mínimos ajustes...
Obrigada a todos... Espero que como primeiro post... Não esteja assim tão mal...
Para terminar... Fernando Pessoa....
Continuando... (17)
A notícia do casamento de Afonso e Judite caiu que nem um petardo no coração de Jerónimo.
Depois da morte de Cândida, tinha acalentado a secreta esperança que o pai ainda pudesse vir a reconhecê-lo publicamente.
Dedicou-se, fiel e solícito, a fazer todas as suas vontades e foi ele, que tomou a seu cargo a educação do pequeno fedelho, pálido e chorão, que era o meio irmão, o legítimo, o herdeiro, o filho preferido e reconhecido, enquanto que ele, o primogénito, não passava de um bastardo, transformado num capataz de confiança…
Tantos anos depois daquela tarde em que recebeu o telegrama com a notícia, agora já velho e cansado, todo ele estremecia ainda, perante a evocação da “puta judia”, como lhe chamava.
Odiava-a hoje, tanto ou mais do que então, quando ela se tornou senhora daquela casa e de todos os homens que nela moravam.
Perdido a remoer raivas antigas, o velho Jerónimo, esqueceu a chave na fechadura e deixou o saco com a farinha por espalhar, encostado à porta. Ele distraiu-se, mas ela não.
Naquela casa, em que habitavam como dois inimigos em permanente vigia, um só esperava um passo em vão do outro.
Um dia caça, outro dia caçador, era assim desde que ela se lembrava.
Naquela noite, em que o velho baixou a guarda, ela não iria desperdiçar o tiro… e a porta seria aberta.
(continua)
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Os avós
foto de Viersturs Links do site olhares
A lareira é grande. Sentada a um dos cantos, na cadeira confortável manténs a distância suficiente para que o lume crepitante não te aqueça demasiado. Desde miuda que sempre gostaste de te debruçar assim perigosamente perto da lareira. Sorris e lembras a voz estridente da tua mãe: - "Sai daí ou ainda te queimas, raio de miúda, se te deixasse sentavas-te em cima do lume."
Largas por momentos a camisola de lã que nasce das agulhas grossas e brincas com um pauzinho por entre as fagulhas. E voltam-te à memória as lembranças: -" Não brinques com o lume que fazes chichi na cama". Que bela maneira de inventar desculpas para que não te aproximasses.
Voltas para a camisola. Uma laçada, outra. Brincas artisticamente com o tic-tic das agulhas inventado um ritmo musical. Gostas de a ver nascer e crescer assim, das tuas mãos. Como se o simples facto te criares alguma coisa te pudesse manter ocupada e distraída. Já fazem pouca falta, as camisolas. Fora de moda pelo que dizem. Fazes para ti, embora fora de moda ainda te conseguem manter aquecida.
Qualquer coisa bate, lá dentro. Levantas-te um pouco a custo e vais ver o que é. Procuras mas não se encontra nada fora do sitio e voltas para o quente aconchego da cadeira ao pé do lume. Reinicias a tic-tic compassado do tricotar. Agora são os miudos que tem vêm à memória: - " Vózinha , queremos torradas e café com leite da lareira". Adoram os lanches que lhes fazes e que compartilham sempre que te visitam pelas férias. Comida com sabor a carinho e saudade. Entre pensamentos e saudades o tic-tic das agulhas quase que te hipnotiza e começas a deixar de ouvir, depois olhas para a porta do corredor e lá está ele, a sorrir tal e qual como da ultima vez que o viste. - " O que é que fazes aqui?"
- " vim- te buscar..."
Levantas-te e olhas para trás, na cadeira estás tu, adormecida, com a camisola e as agulhas caídas no colo.
-" Vens?"
Para a minha avó...
Imprevisível Drummond
Anedota Búlgara
Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade
Carlos Drummond de Andrade
Tiradentes...
Hoje é dia de Tiradentes...
e parece que continuo seguindo por aí...
sem cabeça...e sem idéias
sem braços...e sem atitudes
sem pernas...e sem rumo
sem tronco...e sem coração
nem dentes...
Mas amanhã é um novo dia...
para errar e acertar...
beijos
Leca
A Vida
Rodrigo Leão - Vita Brevis
A Vida
A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;
a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;
a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.
Nuno Júdice, in "Teoria Geral do Sentimento"
Buena es tu voz (Luis la Hoz )
Buena es tu voz
que me trae le viento de la tarde
y la dulzura y la paz de la tarde
cuando llegas
y eres el sol cayendo
cayendo dentro de mí.
Bueno es esperarte
ansioso e inquieto como un pájaro
ansioso e inquieto como un hombre que soy
y que te espera.
Bueno es pensarte ahora que no estás
y eres la carne azul que yo deseo.
Y finalmente,
bueno es poseerte cuando todos se han dormido
y somos solamente dos
en la noche poblada y en silencio
****
Vale Uma Bala 7 Belo
Ganha uma bala sete belo quem pronunciar --de forma absolutamente correta -- o nome do vulcão
Eyjafjallajokull
ÁS VEZES… ( OBRIGADO ONDJAKI )
Às vezes dentro de nós faz Sul
Vezes demais
Sempre
Rigor geográfico da alma
Ponto cardeal fixando amarras
Mar Atlântico sentido daqui
Calemas de Marços idos
Poeira da infância, ainda por assentar
Cruzeiro sempre pressentido
Nestes céus ocidentais
Vozes de poetas
Inventando rãs e silêncios
Dançam girassóis na planície
Imbondeiros cobrem-se de neves
Acerto o meu relógio
Nos meninos que brincam a sul
Cheiro casuarinas e acácias
Bicos de lacre e zonguinhas
Aterram no meu peito, desordenadamente
Saro vezes sem conta
Esta ferida doída, latejante
È
Às vezes dentro de nós faz sul.
Sempre
GED
Vezes demais
Sempre
Rigor geográfico da alma
Ponto cardeal fixando amarras
Mar Atlântico sentido daqui
Calemas de Marços idos
Poeira da infância, ainda por assentar
Cruzeiro sempre pressentido
Nestes céus ocidentais
Vozes de poetas
Inventando rãs e silêncios
Dançam girassóis na planície
Imbondeiros cobrem-se de neves
Acerto o meu relógio
Nos meninos que brincam a sul
Cheiro casuarinas e acácias
Bicos de lacre e zonguinhas
Aterram no meu peito, desordenadamente
Saro vezes sem conta
Esta ferida doída, latejante
È
Às vezes dentro de nós faz sul.
Sempre
GED
CONSTRUÇÃO
Há tanto de Chico Buarque...
Amou daquela vez como se fosse a última...
Que importa ser a primeira ou a última
Ou se a última é como se fosse a primeira.
Importa que seja única.
Importa que jamais se esqueça.
Importa que os actores não fiquem na penumbra.
E que as olheiras dos sonhos sejam de sonhos bons.
Importa romper as madrugadas
Na certeza de um novo dia ao virar da esquina.
Importa sugar a vida, até nada mais restar.
Importa sobretudo, que ao entregar a chave
O façamos com alegria.
GED
Amou daquela vez como se fosse a última...
Que importa ser a primeira ou a última
Ou se a última é como se fosse a primeira.
Importa que seja única.
Importa que jamais se esqueça.
Importa que os actores não fiquem na penumbra.
E que as olheiras dos sonhos sejam de sonhos bons.
Importa romper as madrugadas
Na certeza de um novo dia ao virar da esquina.
Importa sugar a vida, até nada mais restar.
Importa sobretudo, que ao entregar a chave
O façamos com alegria.
GED
OLHOS TRISTES
Tenho medo de olhos tristes e silenciosamente disfarçados atrás de um sorriso ou de uma gentileza. Deles não sinto pena. Tenho é medo, de ser a última vez que os vejo: olhos tristes me dão a sensação de que vão desaparecer de uma hora para outra. Olhos que não choram e vão guardando as lágrimas em um reservatório tão profundo que torna-se inatingível. Que quando vaza, inunda e afoga.
Renata Bezerra
Judite quer chorar, mas não consegue!
Judite quer chorar, mas não consegue!
Solo do coreógrafo/dançarino Edu O. que faz uma viagem aos símbolos e metáforas da transformação, perda e anulação de vida. A partir da estória de uma lagarta que recusa a tornar-se borboleta com medo do mundo que a espera, propõe uma reflexão sobre a solidão humana, questionando o ser indivíduo numa contemporaneidade padronizada e repleta de repetição de símbolos e ícones.
Criado em 2006, vem conquistando platéias por onde passa no Brasil e exterior. Chegando de uma temporada bem sucedida na 3º Mostra Lugar Nômade Dança 2010 em São Paulo, retorna a Salvador para comemorar o Mês da Dança com apresentações no SESC-SENAC Pelourinho nos dias 23 e 24 de Abril (sexta e sábado), 20h, R$ 10,00.
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