terça-feira, 30 de julho de 2013

Um texto de Bia Pontes



Gostaria que todo amor durasse para sempre. Mesmo transformado, mesmo longe, mesmo arranhado. É curioso oferecer amor. Um dia, daqui a muito ou pouco tempo, pode ser que os amados não estejam por perto. Nem longe, nem em lugar algum. E o amor fica lá. Vivo, mas condensado a uma embalagenzinha que o deixa com braços e pernas de fora. É teimoso, mas só cresce onde recebe espaço. O amor gosta de se esticar e tomar conta de tudo, mas não tente desmerecê-lo porque ele também sabe ignorar.

Bia Pontes
Mi casa, su casa
http://miysu.blogspot.com/

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Raízes




Voando a bordo do vento
alçam asas provisórias
papéis alados
notícias
ilusões
recibos e garantias
cartas rasgadas e folhas
intenções
e regalias.

Voam véus
cortinas
sonhos
e aves tontas na vidraça.

No chão
imóveis
raízes
responsáveis pelos galhos
e lenhos de nosso alento
ensinam
sem dizer nada
que na vida
nem tudo voa no vento.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Sementes


 
 
olhou as sementes que os calcanhares evitavam
na sua marcha, apanhou-as e atreveu-se a dividi-las
por cada um dos dedos, ninguém podia adivinhar
 
 
que havia lágrimas dentro delas, mas o sal que deixavam
prolongava o sabor da memória,  talvez
a raiz que a luz inventava não se descobrisse
nas mechas que os olhos atiçavam.  depois afastou-se
da terra húmida sem saber onde guardar o chão
que transportava no côncavo dos pés.
 
 
Jorge Arrimar, Planalto da Huíla, Angola.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

"Texto livre"

Domingo, fui na casa do meu tio e da minha tia. a gente comeu frango com batata frita. Depois a gente foi no zoológico e a gente viu o tigre na jaula. Que dia legal!
 
 
Segunda, fui na casa do tigre. A gente comeu o meu tio e a minha tia com batata frita. Depois a gente foi no zoológico e a gente viu o frango na jaula. Que dia legal!
 
 
Terça, fui na casa do frango com batata frita. A gente comeu o tigre. Depois a gente foi no zoológico e a gente viu o meu tio e a minha tia na jaula. Que dia legal!
 
 
......
 
 
 
Bernard Friot em Histórias apressadas

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Vidas Secas (trecho)

 
 
 
 
Foi sentar-se  debaixo  de  outra  árvore, avistou a serra  coberta  de nuvens.  Ao escurecer  a  serra  misturava-se  com  o  céu  e  as  estrelas  andavam  em  cima  dela.  Como  era  possível  haver  estrelas  na  terra?
 
 
Graciliano Ramos, Quebrangulo (AL), 1892-1953

Milágrimas | Ná Ozzetti



Milágrimas
(Alice Ruiz e Itamar Assumpção)

em caso de dor ponha gelo
mude o corte de cabelo
mude como modelo
vá ao cinema dê um sorriso
ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
se amargo foi já ter sido
troque já esse vestido
troque o padrão do tecido
saia do sério deixe os critérios
siga todos os sentidos
faça fazer sentido
a cada mil lágrimas sai um milagre
caso de tristeza vire a mesa
coma só a sobremesa coma somente a cereja
jogue para cima faça cena
cante as rimas de um poema
sofra penas viva apenas
sendo só fissura ou loucura
quem sabe casando cura ninguém sabe o que procura
faça uma novena reze um terço
caia fora do contexto invente seu endereço
a cada mil lágrimas sai um milagre
mas se apesar de banal
chorar for inevitável sinta o gosto do sal do sal do sal
sinta o gosto do sal
gota a gota, uma a uma
duas três dez cem mil lágrimas
sinta o milagre
a cada mil lágrimas sai um milagre
cante as rimas de um poema
sofra penas viva apenas
sendo só fissura ou loucura
quem sabe casando cura ninguém sabe o que procura
faça uma novena reze um terço
caia fora do contexto invente seu endereço
a cada mil lágrimas sai um milagre

terça-feira, 9 de julho de 2013

A Condição Indestrutível de Ter Sido - Resenha de Assis Freitas



Ensaio de oferenda para destruição de um grande amor

“Não existe amor senão aquele que se constrói; não há possibilidade de amor senão a que se manifesta num amor.”
Jean Paul Sartre

Quem está preparado para um grande amor? Ama-se até destruí-lo. Até chegar a uma imperfeição de passado. O bruxo Jamil Sneger em um dos seus textos implacáveis “Para matar um grande amor...”  afirma: “O grande amor exige isso. O rompimento é sua parte complementar. Uma maneira astuciosa de suspender a tragédia, ditada pelo instinto de sobrevivência de cada um dos amantes. Morrer um pouco para se continuar vivendo”.
No livro “A condição indestrutível de ter sido”, Helena Terra nos relata a história inexorável deste morrer. História que começa em um plano virtual, de amantes que se apaixonam pelas sílabas, pelas palavras, pela reinvenção da vida que só o verbo nos permite. Mas, que necessitam provar o ferro e o fogo da carne. Queimar-se na volúpia dos suores.
Voltando a Sneger (me permitam abusar das citações), “só os amores verdadeiros se acabam. Os que sobrevivem, incrustados no hábito de se amar, podem durar uma vida inteira e podem até ser chamados de amor, mas nunca foram ou serão um amor verdadeiro. Falta-lhes exatamente o dom da finitude, abrupta e intempestiva. Qualidade só encontrável nos amores que infundem medo e temor de destruição”.
Aqui não importa a qualidade dos amantes, se eles são bons ou maus, se tramam e insinuam. O que importa é que eles se corrompem por este amor, mentem para afirmar o vício no outro. Todos os amantes são seres viciados, estão imersos neste ópio da paixão. No romance de Helena Terra, a protagonista exerce o poder da sua voz e nos oferece o outro, aquele que é a sua perdição, quase mínimo. Pois esta, também, é uma condição inerente ao grande amor, este tanto que acaba se tornando a singularidade de um só. Este mergulho que aprisiona: “só conseguiremos suportá-lo se ocultarmos de nossos sentidos o objeto dessa desvairada paixão” (Sneger).
O que apreendemos pelos olhos da protagonista são fragmentos de vida, uma busca incessante de reconhecimento próprio e neste engendrar-se galgar o outro: alçar a ponte que pode conduzir ou naufragar. O desenlace da narrativa é simbólico e emblemático. Ao mesmo tempo nos remete a muitos outros finais: “O cenário pode ser uma estação de trem, um aeroporto (remember Casablanca), um entroncamento rodoviário” (Sneger).
E este é o ponto: a existência sempre nos propõe recomeços quando, enfim, conseguimos matar um grande amor.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

FELIZ ANIVERSÁRIO, Lelena!!!

 


 
Querida Lê, nós, do 'Mínimo', te enviamos nesse dia centenas de milhares de girassóis irradiando luzes em todas as direções de teus  caminhos. Que eles sejam largos e fecundos!!!
 
 
Abraços e beijos


sábado, 6 de julho de 2013

Rubem Braga: O pavão





  Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas. Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade. Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

José Saramago - "A maior flor do mundo" (animação)


Poema de Fred Matos




falemos sobre as pequenas coisas que nos cercam
falemos vagarosamente para que durem
um mínimo instante além do tempo que as fitamos

para as grandes coisas
já dedicamos toda a nossa pressa
e ela não foi capaz de nos dar conforto
nem de solucionar os graves problemas humanos

dediquemos às pequenas coisas um olhar preguiçoso

melhor ainda
façamos um pacto de silêncio enquanto caminhamos
de mãos dadas como Ricardo e Lídia à beira do riacho
onde eu nunca me havia dado conta
dos pés de avenca na sombra amarela do Ipê

façamos um pacto de silêncio para ouvir os pássaros
façamos um pacto de silêncio para ouvir as águas
e os seixos que rolam no seu leito

façamos silêncio para ouvir o vento
façamos silêncio porque as palavras estão gastas
como os seixos que rolam ao sabor das circunstâncias.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Dos livros que nos afligem

 
 
O pensador, Franz Kafka 
 
 
 

É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo. Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus, nós seríamos felizes do mesmo modo se esses livros não existissem. Livros que nos fazem felizes poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos. Precisamos de livros que nos atinjam como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós.


 
Franz Kafka, Praga, República Checa - 03 de julho de 1883-03 de junho de 1924.