terça-feira, 7 de novembro de 2017

JUDITE O FILME





Todo jardim é o início dos voos de uma lagarta.

Mesmo sem asas, eu aprendi a voar sonhando com as pipas
correndo no quintal da casa 53 de um bairro distante daquela cidade pequena do
interior.

Para voar é preciso equilibrar o ar – respira e vai sem medo
das tempestades que com certeza virão.
Sempre preferi os dias chuvosos, cinzentos. O azul intenso do
céu me assustava e eu corria para a barra da saia de minha avó enquanto me
inebriava com o cheiro dos doces que ela fazia e me acalmava impedindo que eu
chorasse.

Eu nunca consegui chorar, embora tenha um nó na garganta
desde que nasci.

Dizem que não podemos fugir do nosso destino. Talvez, o meu
seja esse nó que não desata, essa asa que não cresce, essa lágrima que não
desce.

Mas, eu queria ter muitos destinos e no meio de tanto querer
fui inventando de inventar um monte de invencionices e a maior delas foi que
inventei um Jardim só para mim onde eu pudesse compartilhar olhares, afetos,
amores.



Um Jardim que se transformasse num mundo e me fizesse voar, mesmo
sem sair daquele quintal.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

MANIFESTO PARA UM CORPO EM ESTADO DE NUDEZ





MANIFESTO PARA UM CORPO EM ESTADO DE
NUDEZ

Nós, da Escola de
Dança da Universidade Federal da Bahia nos declaramos, declamamos, dançamos em
comum à polifonia de atuações, em crítica plena e sistemática às subjetividades,
que se pretendem acima das leis de nosso país.
Características
subjetivas devem se manifestar a todo e qualquer tempo! Sem, todavia, tolher,
execrar, censurar, violar... o que ou quem quer que seja.
A Arte não está
desvinculada da sociedade da qual faz parte e tem o livre direito de expressão,
como toda e qualquer manifestação.
Não podemos aceitar
falsos moralismos.
Não permitamos que
este momento cruel, pleno de repressões subjetivas, nos tornem culpados de algo
que a Arte não é.
Não admitamos as fake news as pós-verdades!
Queremos especificar
nosso lugar de fala e estar em comum ao artista da dança Wagner Miranda
Schwartz.
Afirmamos o seu
estado de nudez como uma única possibilidade para o trabalho apresentado.
Uma nudez como um
figurino.
Uma qualquer
cobertura seria uma hipocrisia!
Não deixemos que uma
pulsão de vida seja tornada uma pulsão de morte!
Não deixemos que o
corpo seja visto como uma arma de violação!
Ataque à rejeição do
corpo!
Amamos o corpo.
Nudez como
conhecimento. É crua, bruta.
Qualquer sexo para a
nudez é possível.
Sexo sem
sexualização.
Uma nudez que cabe.
Uma nudez sem idade,
por isso cabe criança, cabe adolescente, cabe jovem, cabe adulto, cabe idoso.
Uma nudez de relação
entre gerações.
Uma nudez em estado
de ludicidade!
Nudez
como potência.


Nudez como estado no
mundo, como animal humano, como bicho, como La Bête.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

A cidade amanhece sempre igual

Um sol ou nuvens
ruídos intrusos
na marcha horizontal
dos horários e agendas.

Aqui e ali um impropério
um tropeço na calçada mal feita
um aceno
um encontro inesperado.

A cidade promete o mesmo
roteiro de um dia normal
céu nublado ou chuva forte
um frio na tarde cômoda.

Os que passam por ela
(os mesmos de ontem)
tem perguntas novas
mas talvez não queiram respostas.

A cidade é um deserto e um abrigo
uma cápsula de comprimido
um copo cheio e também vazio
alto da montanha e planalto a perder de vista
roda viva e da fortuna
e num jogo de dados
(todo dia outro alvo)
a cidade mata,
a cidade abençoa
a cidade berra
silencia, violenta, cobra caro
e faz milagres.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Volta na quadra

Na volta na quadra com meus quadrúpedes, converso com um operário da obra que começou aqui ao lado. Ele me diz que vão derrubar de vez o sobrado antigo. Pergunto sobre o número de andares do prédio. Três, talvez façam um quarto. Abro o sorrisão. O horizonte seguirá na minha janela. Sigo em frente, paro na casa da Tita, a chamo, e ela não vem. Nem sinal de novo. Faz dias que ela não vem... Ligo o botão do otimismo e digo para Bono e Fifinho que ela deve ter saído de férias. Sigo mais um pouco e vem subindo a lomba duas moças de salto agulha alto, tão alto, mas tão alto que chega a dar vertigem. Paro para observar. A única vez em que tentei calçar algo parecido, balancei para frente, para trás e quase gritei "madeiraaaa". Elas não perdem o rebolado. Conversando como se nem tivessem pés, param em frente a um carro, a motorista abre a porta, entra e senta. Eu espicho o pescoço. Ela vai trocar os sapatos por um baixinho. Vai trocar. Tem de trocar. Que nada! O carro faz ram rom ram e eu fico, na calçada, com a minha bipedice, realmente, abismada...