quarta-feira, 30 de maio de 2012

poemeto

foto: Misha Godin


Não há o que temer
nem aplaudir.


O que somos é só
este fremir.

Parte de mim é bela.
Parte é aquela
vontade de fugir.

Antonio Brasileiro, poeta e artista plástico baiano, de Orobó.


segunda-feira, 28 de maio de 2012

Retrato



O dia passou veloz
trouxe a janela de maio
e uma voz antiga como a brisa.

Guardei o dia
no álbum dos retratos mais amados.

Um ‘mimo à Bípede Lelena


Para uma querida Bípede Lelena, decidi deixar um ‘mimo’ após ler lá na Casa Bípede Falante, um excelente texto, intitulado “No óbvio ululante” – 27/05/12.
 “Se uma frase compromete ao infinito, diversas comprometem a existência, ainda mais se elas estiverem registradas em um delicado álbum de feridas."
 Lelena: "Esta canção é só para dizer e diz: você é linda mais que demais, você é linda sim. Está canção é para te fazer feliz!"
            
 O lindo Texto "No óbvio ululante" na íntegra:
({http://bipedefalante.blogspot.com.br/2012/05/no-obvio-ululante.html)}
Com carinho,
Sílvia

sábado, 26 de maio de 2012

Como nossos dados pessoais enriquecem gigantes digitais

Facebook e Google se apoiam quase no mesmo modelo econômico: quanto mais se sabe sobre os gostos e inclinações dos usuários, mais dinheiro pode-se fazer com esses dados sem que o usuário tenha dado sua permissão para tanto. É neste contexto que a associação Internet sem Fronteiras propõe a criação de um e-sindicato para defender os direitos dos usuários do Facebook e de outros gigantes digitais que espiam cada um de nossos clics para convertê-los em ouro. O artigo é de Eduardo Febbro - Paris -

 Qual é o terceiro país do mundo em população e o que mais espia seus cidadãos? A resposta cabe em um território virtual: Facebook. Com seus 900 milhões de usuários registrados, se o Facebook fosse um país seria o terceiro do mundo, logo depois da China (1,34 bilhões) e da Índia (1.17 bilhões de habitantes). Esta demografia virtual faz do Facebook um território de participação voluntária no qual os usuários entregam sua intimidade com toda inocência sem ter plena consciência do quanto estão se expondo nem do gigantesco capital que os usuários estão aportando à empresa fundada por Marc Zuckerberg. Criado há apenas oito anos, o Facebook tem um valor estimado em Bolsa de 104 bilhões de dólares. É maior que a Amazon (98 bilhões), vale quase três vezes mais que a Ford Motors (38 bilhões de dólares), mas menos que o Google (203 bilhões) e a Apple (495 bilhões). Do mesmo modo que Google e outros gigantes da rede, Facebook deixou de ser a simpática “startup” criada no campus de Harvard. É um predador de dados, um aspirador universal de publicidade, um autêntico serviço de inteligência que se serve de cada informação deixada pelos usuários para fazer dinheiro com ela. Todas as cifras relacionadas ao Facebook são imperiais: com 169 milhões de usuários, os Estados Unidos contam com o maior número de membros. Em segundo lugar vem a Índia com 51 milhões, o Brasil com 45 milhões e o México com 20. Mais de 300 milhões de fotos são publicadas a cada dia no Facebook e cerca de 500 milhões de pessoas acessam a rede social utilizando dispositivos móveis. No entanto, o qualificativo de “rede social” está longe de coincidir com a realidade. Como observa Archippe Yepmou, presidente da associação Internet sem fronteiras (ISF) (www.internetsansfrontieres.com), o valor do Facebook na bolsa “repousa no abuso de nosso direito ao controle de nossos dados pessoais”. O peso do Facebook é proporcional ao grau de intimidade que revelamos com nossas conexões. Facebook e Google se apoiam quase no mesmo modelo econômico: quanto mais se sabe sobre os gostos e inclinações dos usuários, mais dinheiro pode-se fazer com esses dados sem que o usuário tenha dado sua permissão para tanto. É neste contexto que a associação Internet sem Fronteiras propõe a criação de um e-sindicato, com o objetivo de defender os direitos dos usuários do Facebook e de outros mastodontes digitais que espiam cada um de nossos clics para convertê-los em ouro. Antonin Moulart, membro da associação, diz que “a ideia de um sindicato eletrônico aponta para o estabelecimento de uma relação de força com a empresa do senhor Zuckerberg para que ele entenda que temos direito a decidir sobre nossas informações pessoais”. O paradoxo Facebook é imenso: tornou-se uma ferramenta de intercâmbio com alcance planetário, mas sua aparente inocência atrai adeptos que prestam voluntariamente a uma violação impensável de sua vida privada. Archippe Yepmou revela, por exemplo, que “nossas agendas são scaneadas pelo Facebooh através do nosso telefone celular e de nosso correio eletrônico. A empresa procede também a uma identificação biométrica que permite ao Facebook reconhecer logos e rostos das fotos sem que o contribuinte tenha dado sua autorização explícita para isso. A ideia do e-sindicato quer impor um mediador entre as pessoas e esse roubo da intimidade. A solução mais simples seria não se inscrever no Facebook, mas sua necessidade, real ou imaginária, já é um fato consumado. Neste sentido, a associação Internet sem Fronteiras reconhece que “a posição monopólica do Facebook fez da empresa um espaço de socialização obrigatório para toda ou uma parte da população”. Ingressamos neste espaço virtual-social como ovelhas pacíficas enquanto o lobo estava à espreita. Reparar o erro requer uma consciência universal do valor estratégico e comercial de nossos dados pessoais assim como de nosso direito de nos opor a que sejam comercializados. Mas essa consciência está longe, muito longe de ter sido formada. A capitalização dos dados pessoais está perfeitamente quantificada no valor do Facebook. Não são suas máquinas ou seu programa a fonte de sua riqueza, mas sim nossa intimidade. O ingresso do Facebook na bolsa inaugura outra fase perigosa: “o modelo econômico da empresa baseado na exploração comercial da vida privada vai empurrar o Facebook em outra direção ainda mais intrusiva e ameaçadora da liberdade”, diz a ISF. O Facebook é um autêntico estômago de dados cujo destino, em grande parte, desconhecemos. O contra-poder frente o Facebook e outros sugadores de dados planetários existe: é, por enquanto, tímido, mas real. Eletronic Frontier Foundation, Internet sem Fronteiras, a muito oficial CNIL (Comissão Nacional de Informática e Liberdades, da França), o Controlador Europeu de Proteção de Dados (CEPD), o Europa versus Facebook, são alguns dos organismos oficiais ou não governamentais que discutem a maneira de construir um muro legal entre os cidadãos e empresas como Facebook ou Google, que lucram com nossa vida. Serão necessários, porém, muitos anos para que os usuários passem à ação e tomem consciência dos níveis de exposição a que estão submetidos quando, sem nenhuma garantia de privacidade, sobem uma foto, manifestam um gosto musical ou a preferência por uma ou outra marca.

Tradução: Katarina Peixoto
Extraído da Agência Carta Maior

U2: Where The Streets Have No Name

O poder da criação

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Sentimento do tempo



Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce.

Paulo Mendes Campos, Belo Horizonte, MG - 1922-1991.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Vertical e fundo




No ano passado, fui ao shopping Barra ver a exposição sobre o Titanic. 
O assunto é velho, eu sei. Mas eu sou, de certa forma, uma pessoa repetitiva e antiga. 
Muito.
E isso não é porque eu sou tipo assim uma criatura de outro milênio como afirma o meu pequeno bípede. Eu já era antes da virada.
Se houve alguma vida em mim antes da minha, provavelmente,  a vivi sob os 25 quilos medievais de uma armadura.
Tenho certa vocação para ser de aço. 
Quando eu era criança, passando-me por um ser fora de moda, quebrei o lustre de cristal que havia sobre a cama dos meus pais. Não resisti à haste de metal frio e a balancei de lá para cá, gritando homens ao mar. 
Na minha cabeça, naquele quarto havia uma inundação. 
E onde há inundação, há afogados.
Na exposição sobre o Titanic, cada ingresso valia um boarding pass. 
Já escrevi sobre isso aqui no bloguinho.
O meu dava direito a um beliche na terceira classe.
E o meu me fez de novo mulher. Não foi o Roger Vadim nem Deus, ainda que eu tenha vindo com nome de alma. Alma Cornelia  alguma coisa, uma sueca com um monte de filhos, viajando sem o marido e sem falar língua nenhuma além da do desamparo.
Essa fui eu.
Morri, é claro.
Morri também na semana passada.
Na semana passada, entrei em um sonho que se chamava Alice Entalada bem Debaixo do Ventilador de Teto .
No Alice entalada, havia naturalmente um buraco. Vertical e fundo como deve ser um buraco que se preze.
No meu buraco caí fugindo de um Tsunami. 
Antes de encontrar um telhado pra subir, eu tinha de encontrar o meu pequeno bípede, a figurinha que agora me data como quinquilharia do passado. 
Encontrei o Fifus. O Fifus é o neto do Bono, o melhor cão do mundo. Por dois dias, o Fifus se chamou Tchê. Como não demonstrou talento revolucionário nem espírito gaudério, enfifou.
E vai muito bem, obrigada. 
No Alice Entalada bem Debaixo do Ventilador de Teto, assim que recolhi o quadrúpede, pisei sobre umas tábuas e caímos até a metade. 
E foi só eu cair para o pequeno bípede mostrar os olhos de curumim lá em cima.
Vai embora, corre que a água está chegando, gritei.
Ele pareceu não entender. 
Então, surgiu outro rosto. Rosto que conheço como o meu, que mapeio como o meu.
Salve-o, pedi.
E quase, quase vi em seus olhos o desenho de um sim.

domingo, 20 de maio de 2012

All of me

Sou o que está mais só

Frases de Nelson Rodrigues:

Brasileiro adora o chocalho da palavra.

O mau da literatura brasileira é que nenhum escritor sabe bater um escanteio.

Ai, do escritor que não usa, de vez em quando, um mínimo de cafonice.

A grande, a perfeita solidão exige a companhia ideal.

Entre o público e a obra de arte, quem tem razão é sempre a obra de arte.

A nossa língua tem sido uma boa desculpa para os que a assassinam.

O quase não é uma categoria.

O que faz a minha obra ter significado é ela ser uma compensação
para todo o mal que tive na vida.

A piada é o disfarce de uma mágoa incurável.

Deus me livre de ser inteligente.

Toda mulher bonita é um pouco a namorada lésbica de si mesma.

Ou o sujeito é crítico ou inteligente.

Nada dos humilha mais do que a coragem alheia.

Cada um de nós carrega um potencial de santas humilhações hereditárias.

Meus diálogos são realmente pobres. Só eu sei o trabalho que me dá empobrecê-los.

O amigo é um momento de eternidade.

O psicanalista é uma comadre bem paga.

Só os bêbados se confessam. Eu, se fosse carola, enchia a cara antes do confessionário.
Não acredito na sinceridade dos sóbrios, dos lúcidos.

Todo autor é autor de um único tema.

Sou o que está mais só.



quinta-feira, 17 de maio de 2012

E o forró continuou...







Xícaras de chá para Marcelo




P
ara seguir um destino
em linha reta
para seguir um caminho e seus desvios
os pés não seguem nunca
em linha quieta.

Para seguir teu amor,
que ainda resta,
com o coração,
eu sugiro,
faça festas
e beba todas
as maneiras de
perder.

Estranho íntimo



Nos vimos centenas de vezes sem trocarmos uma palavra sequer. Sabia de alguns de seus hábitos e percebia quando alguma coisa não ia bem pelas suas feições. Não custava nada que nos déssemos bom-dia, pelo menos, nos encontros frequentes e quase diários, mas não – parecia que combinamos não nos olharmos nos olhos nunca e evitarmos falar com quem quer que fosse quando estivéssemos relativamente próximos.

Mas eu imaginava sua voz pelo contorno do rosto e pelo nariz pontudo. Sabia que soaria grave, bem grave, seu primeiro cumprimento, algo como: bom-dia, como tem passado? Ele parecia formal. Não que o fosse de fato, mas receava fugir às convenções e parecer inadequado àqueles que não privavam de sua intimidade. Fazia um esforço enorme para não vestir azul mais de duas vezes por semana, receando que algum entendido nas cores da alma pudesse enquadrá-lo equivocadamente em algum tipo de definição. .

Frequentemente, caminhamos paralelamente, em lado opostos da calçada, e era quase constante o alinhamento que nossos passos insistiam em criar. Desacelerava e ele também, a um só tempo, com o mesmo intuito de deixar que o outro passasse à frente. Quando percebíamos, acelerávamos os passos, e novamente estávamos alinhados.

Tinha quase certeza que ele possuía dois nomes. Algo como Luís Carlos ou Paulo Henrique. Também acreditava que a família o chamava por um diminutivo que o incomodava, mas do qual já não havia possibilidade de se livrar. Ele morreria se eu ouvisse alguém dos seus chamando-o à minha frente e talvez por isso antes de abrir o portão assegurava-se sempre de que estivesse só, o que acontecia sempre que o via sair de casa.

Certa vez passei e percebi que a parede externa de seu muro ganhara uma cor forte, bastante diferente do branco encardido ao qual eu já me acostumara. Naquele dia ele me pareceu sem jeito. Algo em si parecia querer desculpar-se por um exibicionismo que não era seu, por uma escolha, uma decisão que não fora sua, mas que – suas feições me diziam – não houve como evitar.

Pouco antes da Páscoa, ele apareceu de cabelos cortados. De um lado, tentava parecer natural, encarando o fato de ter cortado o cabelo como algo rotineiro; mas entendi que aquela naturalidade era forçada. No fundo, os poucos centímetros perdidos no cabelo davam-lhe a sensação de nudez. Intimamente pensava no que estaria pensando eu a respeito do novo – embora discreto – corte. Eu nem ousava levantar os olhos em sua direção. Aliás, eu o via sem olhar de frente e entendia cada gesto seu, por mais discreto que fosse.

Ele andava cabisbaixo nos últimos tempos. O seu silêncio parecia mais pesado. Não deixou de perceber a minha presença todas as vezes em que nos encontramos, mas já não respirava com a mesma leveza de antes. O que teria acontecido? Fosse o que fosse, eu sabia que poderia dizer algo que aliviasse a sua angústia, o seu medo, a sua preocupação – .eu sei lá o quê. Sabia que podia e sentia que ele pensara em mim como uma possível ouvinte capaz de confortá-lo naquela hora... difícil, talvez. Ainda assim, continuamos a passar um pelo outro sem nada falar. Nenhum som, nenhum gesto, nada que explicitasse a cumplicidade que cultivamos íntima e secretamente.

Por vários dias encontrei-o do mesmo modo – olhar inquieto, testa franzida, passos vagarosos e pesado. Pensei em escrever-lhe uma mensagem anônima e deixar na caixa de correspondência de sua casa. Não sabia bem o que queria dizer, o que poderia dizer, uma vez que, de fato, eu não sabia o que acontecera em sua vida. Pensei em algo como: “tenha esperança, não desanime, há sempre saída”, mas me dei conta do ridículo da situação, além do que não sabia se a mensagem cairia nas mãos certas.

Uma semana passara-se sem que eu o visse. Alternei horários de saída no intuito de encontrá-lo, quem sabe, saindo um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde de casa – mas...nada, ele parecia ter evaporado! Um estranho incômodo começou a tomar conta de mim. De manhãzinha, eu passava quase correndo pela portão alto que tantas vezes se abrira tão logo eu dobrava a esquina que dava acesso à parte da rua onde o via sair todos os dias. E foi assim por mais alguns dias, até que, numa segunda-feira, assustei-me ao avistar de longe uma placa grande no portão verde e pesado onde morava o estranho íntimo que eu parecia conhecer tanto. Em letras pretas e grossas, eu podia ler: “Vende-se”. Logo abaixo, o nome da imobiliária e os telefones de contato. Era evidente que a casa estava vazia. Impulsionada por algo que eu não saberia explicar, caminhei lentamente até a casa que eu sempre olhara de longe. Aproximei-me do portão e pude enxergar, quase que de imediato, um papel branco, enrolado como um canudo, entre os cilindros de ferro do portão verde. Sem que tivesse tempo de pensar, apanhei o papel, olhando para os lados, a fim de assegurar-me de não estar sendo vista por ninguém. Com as mãos um tanto trêmulas, abri o papel e deixei cair algo que se encontrava dentro dele – uma flor alaranjada, já com a aparência de ressecada. Incrédula, li a mensagem escrita com letras desenhadas por mãos não menos trêmulas do que as minhas naquele momento: “Continuo gostando do azul. Mas a esperança morreu. Nem sei o seu nome, mas agradecerei sempre o seu silêncio cúmplice”. Era pra mim a mensagem? Sim, sim, eu sabia que era. Mas podia não ser também. Quem era ele, qual seria o seu nome? Mas  já se passou tanto tempo, nem sei por que estou lembrando disso agora.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Da série toda nudez levantará voo


"Aonde iremos agora, amigos meus?"


Todas as sociedades indígenas das Américas, fossem quais fossem os seus defeitos, eram civilizações jovens e criativas. A conquista espanhola deteve-as, interrompeu-lhes o crescimento e deixou-as com um legado de tristeza, eloquente nas "visões dos vencidos", como as denomina Miguel León-Portilla, que coligiu seus escritos. Essa tristeza foi cantada pelos poetas maltrapilhos do mundo indígena derrotado:

Aonde iremos agora, amigos meus? O fumo se levanta,
A névoa em tudo se espalha. Chorai, amigos.
As águas estão vermelhas.
Chorai, chorai, que nós perdemos a nação asteca.

O tempo do quinto sol havia se esgotado.

Carlos Fuentes, em O Espelho Enterrado.
Nascido na Cidade do Panamá em 1928, naturalizou-se mexicano em 1944, passando a residir na Cidade do México. Era romancista, ensaísta e embaixador, nos deixando um grande legado literário. É autor entre outros, de Gringo velho, A morte de Artemio Cruz, A Campanha, Diana ou a caçadora solitária. Faleceu no dia 15 da maio de 2012. 

Grupo Renascer




Delicada, adorei a interpretação, a leitura do Renascer para as poesias que escrevi.
Ritmada no sotaque nordestino, baiano do Vale do Jiquiriçá, eu ouvi a minha voz. Pra completar a beleza, as mãos dançavam com as palavras.
Muito linda a maneira que escolheram para apresentar, generosamente nos deixando  ver cada um de vocês.
A verdade é que foi lindo, lindo, lindo, uma emoção inesquecível.
Obrigada por tudo.

Martha

PS: Beijo em Haroldo, quem me permite, com amor, reviver momentos tão bons. 

SOBRE COLIGAÇÕES

Somente com um pouco mais de idade a gente começa realmente a perceber o raciocínio dos políticos em geral, e este aprendizado se dá em especial nas proximidades das eleições, quando eles costuram coligações as mais esdrúxulas imagináveis, unindo a extrema direita e a extrema esquerda, por exemplo. Ideologia para quê ? E depois que são eleitos, deixam de cumprir não só as promessas de campanha, mas também os compromissos futuros assumidos sob juras de amor com seus parceiros de chapa, apenas visando ao próximo pleito dali a dois anos. Casamento para quê ? E com esta idade que a gente só adquire com o tempo ( que é o óbvio ululante ), produz-se simultaneamente um grande milagre que nos faz um misto de sábios e condescendentes com essas coisas da política, milagre este que instilado em anos e anos de surdas decepções terminam por nos tornar refratários a elas, pois os assuntos mais relevantes para nós passam a ser nossa saúde e nossos remédios, nossos netos e o futuro deles, a sobrevivência do planeta para que eles possam desfrutá-lo -, enfim, todas essas coisas que remetem a um futuro em que já não estaremos por aqui, mas que será o tempo de nossos legados genéticos, os quais, restando em nosso lugar, viverão as mesmas coisas que vivemos, pois tudo se repetirá, e que assim seja. Só por isso eu diria que acredito em Deus. Tenho certa pena de meus descendentes, mas a vida prova ser um milagre constante em cada um de nós. Um dia sempre conheceremos a razão de cada acontecimento. À medida que escrevo isso, confesso que me sinto um pouco inútil, para não dizer um redundante boring em relação ao leitor que me lê, independentemente da idade que ele possa ter. Mas esta sensação de impotência - e aqui está o número mais interessante do circo -, não se produz mais a cada notícia dessas coligações absurdas (para não dizer espúrias, em alguns casos), por exemplo. Na verdade ela constitui já um fóssil que passou a construir-se de forma velada e gradativa em minha memória de eleitor desde os dezoito anos até hoje. Não sei quantos foram os pleitos desde então, mas lembro que sempre votei acreditando em dias melhores, e que a cada vez formei minha opinião sobre políticos a partir de suas atitudes de vida pública, antes e depois das eleições, sempre - e principalmente - focando em suas manifestações externas de coerência. E nunca deixarei de votar. Direi que, malgrado a abertura deste texto, não estou decepcionado com a política, pois conheço gente muito séria nesta área, muita gente digna de respeito e admiração. Admiro profundamente políticos em quem não votaria apenas por suas opções ideológicas, diversas da minha, mas que apresentam uma postura exemplar, com início, meio e fim, não importa a bandeira que defendam e a forma como o fazem. Por vezes deparo com algum deles nas ruas, nos parques ou em recepções, e digo-lhes exatamente isso, sem nenhum constrangimento. Acho que aprendi a exercer uma sábia serenidade neste campo, inclusive sobre as coligações de que falo, porque em matéria de política, nada neste mundo vai mudar como eu gostaria. Se nem na Europa e nos Estados Unidos acontece, por que seria diferente aqui ? O apetite do poder político é um tema mundialmente conhecido, em alguns países mais do que em outros, e no Brasil, de forma muito especial. Deus e o diabo andam sempre juntos nessas horas.

Lá em casa tem um homem

Lá em casa tem um homem
que me habita quando eu quero
só lá em casa
sempre que estou com fome
frio ou sede
sempre que há sorvete
em dias de calor
o homem de lá de casa não
tem canto certo
não se acomoda
nem descansa
quando ele me habita
parece cão
uma fera
quando lambe minha pele
e cura a febre
que sinto dele

terça-feira, 15 de maio de 2012

A many-splendoured thing


"Escreverás tu algum dia um livro a meu respeito?", perguntou-me Marco. Era a pausa depois do amor. Estávamos estendidos entre as altas ervas, na encosta da colina, aquecidos por um generoso sol. O céu, por sobre as nossas cabeças, estendia-se até ao infinito. Rochas de granito, fetos e mirto anão por todos os
lados nos envolviam. E o mar azul, enrugado, solitário, sem uma única vela na infindável tarde primaveril começava mesmo ali, no sopé da colina.

Falávamos calmamente libertos de nós próprios. Palavras prudentes, circunspectas. Falávamos daquilo que nesse momento não tinha poder para nos causar sofrimento. Lucidamente especulávamos sobre a ausência, sobre a nossa separação, sobre os nossos universos que se fragmentavam mais e mais. Em nossas vozes desincarnadas e calmas assumíamos a palavra que só emerge nos humanos após o amor.

"Pode ser que venha a escrever qualquer coisa a teu respeito, mas não por agora. Neste momento a alegria que há dentro de mim é tão grande que me contento com vivê-la; o saber-te sempre presente em mim enche-me de alegria. Se tu me deixasses, então talvez, e mesmo por outra razão, talvez pudesse escrever um livro a teu respeito."
"E que outra razão poderias tu ter?"
"A necessidade de comer. Não hesitaria em vender a minha alma para comer. Considero a tigela de arroz o mais respeitável móbil do mundo. Por ele é justo fazer seja o que for. Lançar uma parcela da minha alma às multidões em troca de arroz e vinho não se me afigura sacrilégio."
"Se desejas, bem-amada, negociar com uma ardente paixão", disse Marco, alisando-me as sobrancelhas com o dedo, "é preciso que o faças antes de me teres esquecido completamente, visto que tanto detestas o perfume das recordações".

"Aí está a razão por que escreverei. Desenterrarei todas as minhas impressões, as minhas recordações, porque sou uma profanadora nata. E fá-lo-ei antes que o amor que te tenho desapareça tão inelutavelmente como a maré que deixa a praia molhada, juncada de inúteis destroços, antes que a natureza implacável feche a ferida que me tiveres feito e falsifique a emoção das palavras que tivermos pronunciado. Antes que me seja preciso reabrir as cicatrizes para as fazer verter sangue, essas insensíveis cicatrizes da tristeza e da alegria. Contarei como nos amámos e como lutámos para não sermos destruídos pelos pequenos nadas da existência. E como eles nos destruíram e como nós os esquecemos. Tal como toda a gente.
Porque somos, nem mais nem menos que quaisquer outros, amantes efémeros e imperfeitos num mundo eternamente inconstante.

"Que retórica!", disse Marco. "Achas então que os outros sentem na sua carne tanto prazer e tanta felicidade como nós? Pensas seriamente que um tal amor possa ter fim? Pois eu não, não creio.
E olhou à sua volta, como se procurasse confirmação. Mas nada mais havia senão mirtos, altas ervas, fetos, a encosta, o mar, e nós, dourados pelo sol que nos banhava.
"Querido amor, mesmo as horríveis gentes barrigudas deste mundo supõem amar como nós e também para sempre. Todos os amantes têm a mesma ilusão: supõem-se, a si, únicos e as suas palavras imortais."
"Talvez não passe de uma ilusão", concordou Marco, "mas é a única verdade que tu e eu possuímos. Por conseguinte gozemo-la enquanto pudermos. Porque também pode ser, bem-amada, que tenhamos pouco tempo - muito pouco tempo - para nos amarmos."
E foram estas palavras as únicas verdadeiras que durante aquela tarde pronunciámos.

Han Suyin in A many-splendoured thing / A colina da saudade, edição portuguesa, Círculo de Leitores, 1973



segunda-feira, 14 de maio de 2012

Maracás, maio de 2012.





GÊNESE

Sabe, moça da encruzilhada,
quando te encontrei foi um assombro.
Tu trazias estampada no semblante
a indagação que me acompanha.
O mais espantoso é que também
eras a resposta que sempre busquei.

Não aquela resposta exata, matemática.
A verdade que tua chegada me trouxe
foi a das abelhas zunindo no romper da aurora
em busca do mel das flores das algarobeiras,
foi a dos cavalos galopando na boca da noite
sonhando com touceiras de capim e éguas luzidias.

Ah, moça, tu estás no centro da Rosa dos Ventos,
pra onde deres o passo é caminho o que há.
A gente olha pra cima e não vê limite:
é tudo um azulão que não acaba mais.
Mas basta dar meio-dia, o limite aparece,
e não é longe não: bem na boca do estômago.


Sabe, vou te dar um chapéu do tamanho do céu,
que é pra te proteger dos devaneios solares
e pra que todos te percebam e apontem para ti:
“olha lá a moça que sombreia o mundo”.
E todos vão te olhar e todos vão te aplaudir
e o arco-íris vai ficar preto-e-branco de inveja.


Aí, um passarinho, desses bem miudinhos
que trazem uma sanfona de cento e vinte no peito,
vai aparecer e assobiar uma cantiga doce:
e a gente, espiando bem dentro dos olhos,
começa a sentir um monte de estrelas pipocar.
É isso, quando te encontrei, nasci.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO




sábado, 12 de maio de 2012

- Uai, eu?




Se o assunto é meu e seu, lhe digo, lhe conto; que vale enterrar minhocas? De como aqui me vi, sutil assim, por tantas cargas d'água. No engano sem desengano: o de aprender prático o desfeitio da vida.
Sorte? A gente vai...nos passos da história que vem. Quem quer viver faz mágica. Ainda mais eu, que sempre fui arrimo de pai bêbedo. Só que isso se deu, o que quando, deveras comigo, feliz e prosperado. Ah, que saudades que eu não tenha... Ah, meus bons maus tempos!

João Guimarães Rosa, em Tutameia.

Sacode as nuvens...




Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,


Sacode as aves que te levam o olhar.

Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.



Porque eu cheguei e é tempo de me veres,

... Mesmo que os meus gestos te trespassem

De solidão e tu caias em poeira,

Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras

E os teus olhos nunca mais possam olhar.


Sophia de Mello Breyner Andresen

Bernardo Sassetti: 1970-2012

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Manifesto

Diferente de nossos antepassados.
- E o digo com todo respeito... -
Nós sustentamos
que o poeta não é um alquimista.
O poeta é um homem como os outros.
Um pedreiro que constrói seu muro
Um construtor de portas e janelas.
Nós conversamos
na linguagem de todos os dias.
Não acreditamos em signos cabalísticos.

Nicanor Parra, Chile (1914-    )

Eterno Vinícius...

porque ele durará para sempre em mim...




quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Casa

.



















Eis a minha casa:

a luz em silêncio, já cinza carvão
a forma da asa
em desalinho, que apesar
do turvo grão da terra, que dentro

da mão,
o todo cada nome que se pronuncia
como uma sílaba mais no cada poro
do corpo,
ainda meu.

Sou
nos que me são

e aos que trago
por meus, sou chão
a ruga de espaço                                           
o apesar do silêncio,
que me cabe na mão, o cada nome
dos meus,
e então fui sou serei,
sou neles
o primeiro dos afluentes de mim.


Maio 10, 2012

[imagem: reprodução de My Father’s House (?), Eva Ryn Johannissen]


.

terça-feira, 8 de maio de 2012

O apanhador de desperdícios


Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
 das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios.
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto
Porque eu não sou da informática
eu sou da invencionática
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros, em "Memórias inventadas para crianças"